Análise da (in) coerência no julgamento da ADPF Nº 83/ES do Espírito Santo


PorJeison- Postado em 08 outubro 2012

Autores: 
SANDES, Hyran Ferreira.

 

 

RESUMO: O Direito Constitucional está sempre em destaque nas diversas discussões do Direito, e dentre as matérias que se destacam nesse cenário de produção intelectual a que trata da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental deve ter uma atenção peculiar. A ADPF, como é conhecida, objetiva, através do controle de constitucionalidade, evitar e reparar as lesões a preceitos fundamentais resultantes de atos do poder Público. Ocorre que essa garantia perquirida por esse instrumento constitucional nem sempre é efetivada na prática, e como um bom exemplo de análise, a ADPF nº 83/ES, julgada em 2008, incorreu na dúvida acerca do alcance de seu objetivo fundamental. Assim, para tentar vislumbrar essa curiosa questão que rodeia aquela arguição específica é que surge o presente trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: arguição; descumprimento; preceito; fundamental; Direito; controle; constitucionalidade.


 

1 – INTRODUÇÃO

            A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, doravante chamada de ADPF, está prevista no artigo 102, § 1º da Constituição da República, e veio a ser regulamentada pela Lei nº 9.882/99. Trata-se de norma que busca controlar a constitucionalidade de forma concentrada das normas de direito fundamentais e de suas aplicações, evitando e reparando as lesões a preceitos fundamentais que partem de atos do Poder Público.

Pois bem, partindo desse pressuposto perseguido pela ADPF, e tendo em vista a regulamentação do seu objetivo no art. 1º, da Lei nº 9.882/99, verifica-se, como se verá adiante, que no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de nº 83/ES, do Espírito Santo, o objetivo legal foi desviado.

2 – ANÁLISE DO JULGAMENTO

O Controle de Constitucionalidade, “que é concebido no Brasil como instrumento de repressão do Estado e como mecanismo de guarda da Constituição e dos direitos fundamentais” (STEIN, 2008), perquirido pela ADPF é o de caráter concentrado. Nos dizeres de Luís Roberto Barroso, o controle concentrado “é o controle exercido por um único órgão ou por um número limitado de órgãos criados especificamente para esse fim ou tendo nessa atividade sua função principal” (BARROSO, 2006), através da corte suprema ou do Guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal.

            A ADPF tem o objetivo de reparar ou evitar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público (art. 1º, Lei nº 9.882/99) e o que se percebe quando no intento da ADPF 83, é o desvio de seu objetivo legal. A ADPF 83/ES foi julgada pelo Tribunal Pleno no dia 24/04/2008 e trazia em seu contexto, a luta do Prefeito Municipal de Vitória/ES e da Câmara Municipal pelo não cumprimento do acordo coletivo celebrado com diversas entidades representativas dos servidores públicos municipais, que era obrigado a ser cumprido pela Lei nº 3.624/89 do município em questão, mediante tal ação.

            Os arguentes sustentaram que a lei municipal contrariava o preceito fundamental da autonomia municipal (outrora analisado procedente pelo tribunal em ADPF nº 33, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes), pois, a lei os obrigava a respeitar o acordo coletivo e “ignorou e feriu a autonomia municipal ao ter adotado como política salarial para o reajustamento dos vencimentos dos servidores públicos do Município de Vitória, índice inflacionário instituído pela Lei Federal 7.730/89 (IPC)” (BRITTO, p.18. 2008. ADPF 83/ES). Além disso, alegaram que a política salarial instituída pela lei municipal foi corrigida pela Lei nº 3.667/90 de mesma natureza.

            A questão está em volto da função da ADPF no caso e no acordo coletivo de trabalho que se constituiu em ato jurídico uno, para todas as categorias de servidores estatutários do Município de Vitória, visto que, apesar de terem exaurido as possibilidades de recurso, contando com dois mandados de segurança, havia uma ação rescisória que não teve êxito, a qual foi julgada sem resolução de mérito, e se a ADPF fosse procedente, estaria cumprindo uma função substitutiva de embargos à execução. Assim pondera o Senhor Ministro Marco Aurélio:

“Então ocorre a lembrança – como se a argüição de descumprimento de preceito fundamental fosse polivalente, fosse uma panacéia – da vinda ao Supremo. Onde fica a organicidade e a dinâmica do Direito? Onde fica a segurança jurídica decorrente da passagem do tempo? Vamos admitir que a argüição de descumprimento de preceito fundamental tem contornos de rescisória, sem submissão sequer a prazo decadencial, podendo ser formalizada a qualquer tempo? É um passo, Senhor Presidente, demasiadamente largo” (AURÉLIO, p. 26. 2008. ADPF 83/ES).

            Como ressalta o Senhor Ministro Menezes Direito, “queria se substituir os embargos à execução por uma ação de natureza constitucional”. Por iniciativa do Prefeito Municipal e votação da Câmara Municipal, criou-se a lei, foram intentadas diversas ações ordinárias e quando o município é obrigado a executá-las impetra a ADPF.

 “... vem essa argüição de descumprimento de preceito fundamental, como se fossem embargos à execução, para obstaculizar o cumprimento de decisão judicial relativamente a uma lei de iniciativa do próprio prefeito municipal, votada pela câmara dos vereadores” (ADPF 83/ES. Voto, p. 32).

            No que tange ao ato negocial, entendo-o como incindível pelo fato de ser único e de não poder ser considerado inválido em relação a alguns contraentes, visto que, o ato foi reconhecido como válido e juridicamente aceito para outros contraentes. Nesse sentido, alguns ministros, assim como a Senhora Ministra Cármen Lúcia, ponderaram no sentido de que o ato é incindível, e o Senhor Ministro Cezar Peluso afirmou: “Estamos cindindo um ato negocial incindível, embora revestido pelo caráter formal de uma lei. Na verdade, é ato negocial; foi um acordo coletivo” (PELUSO. p. 36. 2008. ADPF 83/ES).

            Apesar de o Senhor ministro Carlos Britto ter retificado o seu voto para não admitir a procedência da ação, na busca de um sentido operacional para as decisões, quando reformulou seu voto para não admitir a ADPF, considerou de início, a procedência da Arguição, alegando que, como o preceito discutido na questão (autonomia municipal) já foi julgado procedente como de pretensão da ADPF nº 33, era adequado a via processual dos arguentes. Alegou ainda que, pelo requisito da subsidiariedade, previsto no art. 4º, parágrafo 1º, Lei nº 9.882/99, não havia outro meio de questionar lei municipal já revogada. Nesse sentido também contribuiu o Senhor Antônio Fernando Barros e Silva de Souza (Procurador Geral da República):

 “(...) Verifica-se, no presente caso, a utilidade da argüição de descumprimento de preceito fundamental, na medida em que a hipótese versa sobre direito municipal revogado, não sendo cabível, inclusive, o manejo da ação direta de inconstitucionalidade. Ante a inexistência de processo de índole objetiva apto a solucionar a controvérsia constitucional, é admissível a referida ação (...)” (SOUZA. p. 22. ADPF 83/ES).

            Outra opção diversa da não procedência foi a do Ministério Público da União, que acreditou na quebra da autonomia municipal pela Lei nº 3.624/89 ao estatuir o Índice Inflacionário como IPC segundo a Lei Federal 7.730/89.

            As críticas a favor da procedência são boas, mas pecam ao não analisarem a consequência da ADPF em questão, no momento em que não percebem que ela não deve ser utilizada como embargos de execução e que o ato impugnado é uno e por isso, não deve ser questionado em forma de ADPF e também, pelo fato de que já havia transitado em julgado o caso mediante ação rescisória rejeitada. Assim, ponderou o Senhor Ministro Gilmar Mendes (presidente à época): “Isso é relevante, porque, se, de fato, nós estamos a lidar com ações já transitadas em julgado, de fato a ADPF não tem efeito útil. Ela poderá apenas se servir de índice para sinalizar que o Supremo Tribunal Federal tem esse entendimento” (MENDES. p. 38. ADPF 83/ES).

3 – CONCLUSÃO

            Por unanimidade, e nos termos do voto do relator, revisto, Carlos Ayres Britto, o Supremo Tribunal Federal não deu provimento à Arguição de descumprimento de Preceito Fundamental nº 83/ES. Dessa forma, pelos fatos e fundamentos jurídicos narrados até o momento, não se pode discordar que a decisão exarada pelo Supremo foi feita de maneira coerente e legal, amparada em ditames normativos pátrios, mas também numa interpretação constitucional adequada para o funcionalismo do Direito moderno.  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

STEIN, Leandro Konzen. O Supremo Tribunal Federal e a defesa dos preceitos constitucionais fundamentais: uma história de construção do sistema brasileiro de constitucionalidade. IN: BAUAB, José D’Amico [et al]. Trabalhos vencedores do I Concurso Nacional de Monografias do Supremo Tribunal Federal. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2008.

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF – criada pela remuneração do antigo parágrafo único em parágrafo 1º, pela Emenda Constitucional nº 03, de 17/03/1993, e regulamentada pela Lei nº 9.882, de 03/12/1999, publicada no DOU, de 06/12/1999.

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Obra coletiva de autoria da Editora Rideel com a organização de Marcos Antônio Oliveira Fernandes. 8. ed. p. 50. São Paulo: Rideel, 2009.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamentalnº 83, do Estado do Espírito Santo, Min. Carlos Ayres Britto, Brasília, DF, 24 de abril de 2008. Disponível em:http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=539059. Acesso em 21 de setembro de 2012.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, nº 33, do Estado do Pará, Min. Gilmar Mendes, Brasília, DF, 07 de dezembro de 2005. Disponível em:http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=388700. Acesso em 21 de setembro de 2012.

 

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