A coisa julgada nos processos coletivos


Porbarbara_montibeller- Postado em 03 abril 2012

Autores: 
CARVALHO, Maria Fernanda Souza

RESUMO: Com o presente trabalho acadêmico, pretende-se analisar a coisa julgada nos processos civis coletivos, tratando as hipóteses legais de flexibilização da coisa julgada formada nas sentenças/acórdãos destes processos, bem como a justificativa de imodificabilidade ou não do conteúdo deste instituto processual segundo o resultado da lide. Ademais, analisa-se as peculiaridades da coisa julgada coletiva ante a natureza jurídica dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Palavras chave: Direitos e interesses transindividuais ou metaindividuais; Ações coletivas; Coisa julgada coletiva; Processo civil coletivo.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 FUNDAMENTO DA COISA JULGADA SECUNDUM EVENTUM LITIS. 3 O ARTIGO 18 DA LEI DA AÇÃO POPULAR. 4 O ARTIGO 16 DA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. 5 O ARTIGO 103 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 6 CONCLUSÃO. 7 REFERÊNCIAS.

1 INTRODUÇÃO

A regra geral é que os efeitos da coisa julgada atinjam apenas as partes do processo, não podendo favorecer nem lesar terceiros estranhos à lide, tendo em vista que estes não se manifestaram nos autos do processo. Entretanto, essa norma não é absoluta no processo civil coletivo.
As demandas individuais distinguem-se das demandas coletivas, pois estas são titularizadas por uma coletividade de indivíduos determinados, determináveis e indeterminados (há casos em que estes sujeitos não se conhecem nem nunca se viram durante toda uma vida). Por essa razão, as ações de massa não podem ser propostas por todos os seus titulares devido ao insuficiente valor da causa, à vulnerabilidade de cada titular individualmente considerado e/ou à indivisibilidade do pedido mediato e imediato da demanda. Dessa forma, estar-se-ia inviabilizado o direito fundamental de acesso à justiça se todos os sujeitos ativos dessas ações decidissem ajuizá-las, o que poderia gerar um caos no exercício dos direitos substanciais e nas situações jurídicas específicas tuteláveis por estas demandas.
No âmbito do processo coletivo, a regra dos limites subjetivos da coisa julgada é flexibilizada em virtude da natureza metaindividual dos direitos e interesses tutelados , sendo afetada toda a coletividade pelos efeitos daquele instituto processual diante da natureza substancial da lide.
O tratamento distinto conferido à coisa julgada dos processos coletivos coaduna-se com a evolução material e imaterial dos povos desenvolvida a partir da decadência do Estado Liberal ante as novas e complexas realidades derivadas da Revolução Industrial, que exigiram uma mudança de consciência e postura do Poder Público e da sociedade, sendo entre estas, a instituição de normas e paradigmas processuais que atendessem às pretensões da coletividade e a determinadas situações jurídicas, as quais exigiam novos mecanismos de proteção e reconhecimento, distintos daqueles vigentes na era do processo civil individualista. O modelo de processo judicial e de acesso à justiça disciplinado sob a égide do Estado Liberal respondia às pretensões individualistas, porém estava desarmônico aos direitos materiais subjetivos da coletividade, os quais surgiam das novas relações jurídicas oriundas da industrialização, da urbanização, do consumo e do capitalismo, pautadas em relações de desigualdades formais e materiais contemporâneas.
Assim, para a proteção e defesa dos direitos e interesses transindividuais, os quais, segundo Manoel Jorge e Silva Neto (2009, p. 820), “são todos aqueles que ultrapassam a órbita de sujeito de direito”, o ordenamento jurídico prevê ferramentas eficazes para tal fim por meio da instauração do processo civil coletivo como, por exemplo, ação popular, a ação civil pública, o mandado de segurança coletivo e o mandado de injunção, que também pode ser coletivo. Destacam-se entre os direitos e interesses transindividuais os direitos fundamentais de terceira e quarta gerações como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o direito ao patrimônio público, o direito à moralidade administrativa, os direitos do consumidor, os direitos do idoso, os direitos da criança e do adolescente, o direito à informação adequada, os direitos das pessoas portadoras de necessidades especiais, o direito à saúde pública, o direito à cultura, dentre outros.
Robinson Nicácio de Miranda (2010, p. 19) define os interesses transindividuais como “todos aqueles que ultrapassem a esfera individual sem chegar a constituir um interesse público”.
Destarte, os direitos e interesses metaindividuais ou transindividuais ficam na interseção entre o interesse privado e o interesse público, estando além do sujeito individual, porém sem atingir integralmente a coletividade.
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2009, p. 35-36) afirmam que as ações coletivas constituem autênticas vias de participação da coletividade em prol de seus próprios direitos, sendo verdadeiros instrumentos de democracia participativa direta no poder e na vida social.

2 FUNDAMENTO DA COISA JULGADA SECUNDUM EVENTUM LITIS

O regime da coisa julgada no processo coletivo brasileiro é considerado previsão legal de relativização deste instituto processual, uma vez que possibilita aos legitimados a figurarem no pólo ativo da ação coletiva em determinadas hipóteses depois de já ter havido a prolação de decisão judicial de mérito transitada em julgada (no sentido de impossibilidade de interposição de recursos), a fim de viabilizar eficazmente o direito de acesso à justiça.
A justificativa para que a coisa julgada na lide coletiva seja secundum eventum litis dá-se por duas razões: imprudência no ajuizamento da ação por um dos co-legitimados ou fraude, sendo que esta pode ser visualizada em uma trama ou conluio entre os litigantes, ou tentativa de obtenção de sentença de improcedência. Esse tratamento diferenciado conferido à coisa julgada coletiva visa evitar injustiças e prejuízos aos direitos de outros co-legitimados, que, às vezes, nem sequer participou nem interveio de alguma forma no processo.
A coisa julgada nas demandas coletivas somente será absoluta para beneficiar os interessados, e não para prejudicá-los, o que fundamenta que este instituto processual depende do resultado da prestação jurisdicional.
Ressalta-se que o regime diferenciado da coisa julgada coletiva é criticado pela doutrina, haja vista que trata desigualmente as partes, ofendendo princípios processuais como o da isonomia e o da paridade de armas. Ademais, alegam alguns doutrinadores que o princípio da segurança jurídica é afrontado, visto que o réu é posto em desvantagem nesse regime de coisa julgada, deixando-o à mercê dos co-legitimados para a propositura indeterminada de ação, e o Estado é compelido a processar e julgar causas que já foram objetos de prestação jurisdicional.
Nesse sentido, Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2010, p. 372) asseveram que há corrente doutrinária que não admite a extensão da coisa julgada secundum eventus litis devido à necessidade de preservação da segurança jurídica, defendendo a extensão da coisa julgada erga omnes, inclusive na sentença de improcedência.
Elpídio Donizetti (2009, p. 411) compreende que somente em relação à improcedência da pretensão autoral em virtude da insuficiência probatória é que se admite a propositura de nova ação por outro co-legitimado com fulcro em nova prova, sob pena de instauração de segurança jurídica, devido à rediscussão de tema já apreciado anteriormente, e de propagação eterna de lides coletivas.
A coisa julgada derivada da tutela jurisdicional coletiva necessita de um tratamento diferenciado, pois o individualista sistema do Código de Processo Civil de 1973 não responde às peculiaridades e à natureza das relações jurídicas postas sub judice nos processos coletivos. No desiderato de tutelar os direitos e interesses transindividuais, o ordenamento jurídico prevê normas como Lei da Ação Popular, Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor, dispondo sobre sentenças de procedência produtoras de coisa julgada erga omnes ou ultra partes.
O Brasil dispõe de um sistema legal de proteção aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, que estabelece a instauração de processos especiais para atender às necessidades dos direitos subjetivos da coletividade.
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2009, p. 297) lembram que os artigos 29 e seguintes, da Lei de Abuso do Poder Econômico (Lei n° 8.884/1994) e os artigos 208 e seguintes, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069/1990) dispõem sobre a sua proteção aos direitos metaindividuais, os quais são atinentes a situações específicas.
Nesse ânimo protecionista aos direitos metaindividuais, o legislador criou mecanismos de interação entre microssistemas legais. Cabe citar a junção da Lei da Ação Civil Pública à Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), constituindo-se um sistema de proteção aos direitos transindividuais, inerentes à complexidade da sociedade de massa. O artigo 90, do CDC determina que devem ser aplicadas as regras pertencentes à Lei da Ação Civil Pública e ao Código de Processo Civil, naquilo que sejam compatíveis, às demandas propostas com fulcro naquele Código. Ademais, o artigo 21, da Lei da Ação Civil Pública prevê que são aplicáveis as disposições processuais do CDC às ações civis públicas.
De modo geral, nas demandas coletivas, a coisa julgada traduz-se conforme o resultado da tutela jurisdicional o que significa dizer que havendo procedência da pretensão ou improcedência fundada em provas suficientes, produzir-se-á coisa julgada material; caso contrário, havendo improcedência por insuficiência de elementos probatórios, poderá ser ajuizada nova ação, com base em nova (s) prova (s) suficiente (s).
Marcelo Abelha Rodrigues (apud DIDIER JR., 2009, p. 392) entende que em virtude de critérios políticos é “perfeitamente possível que exista a coisa julgada (material), mas que essa não seja dotada da peculiar autoridade que normalmente possui”.
Esse regime de formação da coisa julgada secundum eventum litis ou secundum eventum probationis é de extrema importância porque se opera como via adequada de tutela coletiva para a efetividade do sistema de proteção aos direitos e garantias fundamentais. Por essa razão, Alexandre Freitas Câmara (2008, p. 480) ilustra o seguinte exemplo para explicar a importância da tutela jurisdicional eficaz sobre os direitos e interesses metaindividuais:

Numa “ação popular” proposta em conluio entre o demandante e um governante que tivesse praticado um ato ilegal e lesivo ao patrimônio público, na qual o demandante, propositadamente, não apresentasse provas suficientes para demonstrar a veracidade de suas alegações. A sentença que rejeitasse o pedido faria coisa julgada erga omnes, impedindo que qualquer outro membro da coletividade, ainda que de posse de novas provas, atacasse aquele ato. Por essa razão, mostra-se fundamental a utilização do sistema aqui escrito.

Tendo em vista a proteção aos direitos e interesses transindividuais, o artigo 83, do CDC admite todas as espécies de ações de defesa para aqueles direitos e interesses a fim de propiciar a adequada e efetiva tutela jurisdicional.
A tutela jurisdicional coletiva precisa de mecanismos legítimos para alcançar a sua finalidade e dispensar tratamento idôneo à eficácia dos direitos e interesses transindividuais, titularizados pela sociedade contemporânea de massa, sob pena de eliminação desses direitos e interesses devido à possibilidade de mau uso ou fraudulenta utilização das vias judiciais específicas, trazendo, provavelmente, danos a um número indeterminado de pessoas.
Ressalta-se que quanto à coisa julgada coletiva inconstitucional, deve-se ter cautela diante dos efeitos da decisão passada em julgado devido aos direitos substanciais pertencentes à coletividade envolvidos, visto que a coisa julgada coletiva inconstitucional pode provocar danos imensuráveis à coletividade e ao indivíduo, bem como subverter a Constituição. O sistema jurídico, na mesma intenção de flexibilizar a coisa julgada coletiva em determinadas hipóteses em homenagem aos direitos transindividuais a fim de evitar prejuízos a estes, deve criar mecanismos de relativização da coisa julgada coletiva inconstitucional em razão da supremacia da Constituição e da adequada e efetiva tutela jurisdicional coletiva.
Aldo Ferreira da Silva Jr. (2009, p. 117) assevera que algumas decisões judiciais sem condições de rescindibilidade podem prejudicar a sociedade e o indivíduo como ser humano, porém as soluções para estas situações devem ser previamente dispostas no ordenamento jurídico para que não sejam utilizadas saídas vulneráveis, sob pena de destruição da segurança jurídica.

3 O ARTIGO 18 DA LEI DA AÇÃO POPULAR

A coisa julgada secundum eventus litis surgiu no Direito brasileiro por meio da Lei n° 4.717, de 29 de junho de 1965, também conhecida como Lei da Ação Popular. Esse diploma legal pretende atacar ato ilegal, lesivo e/ou imoral ao patrimônio público. O artigo 1º, § 1º, dessa norma jurídica considera patrimônio público os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.
A ação popular está prevista constitucionalmente no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, no artigo 5º, LXXIII, como instrumento legítimo a ser proposto por qualquer cidadão com o objetivo de anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Deduz-se, dessa forma, que a Lei da Ação Popular foi recepcionada pela nova ordem constitucional.
Manoel Jorge e Silva Neto (2009, p. 815) acentua que a ação popular tem origem no direito romano (actione popularis) como instrumento de participação política dos cidadãos, concretizador da democracia participativa.
O legitimado ativo da ação popular é qualquer cidadão (legitimidade cívica), que é aquela pessoa que demonstra a sua cidadania mediante o título de eleitor ou qualquer outro documento que a ele corresponda, segundo artigo 1º, caput, e seu § 3º, da Lei da Ação Popular. O autor da ação popular, bem como de qualquer outra demanda da espécie coletiva, não tem a exclusividade da titularidade do direito ou interesse do processo, pois, como justifica Geórgia Karênia Rodrigues Martins Marsicano de Melo (2008, [n.p.]), “sua legitimação é comum a um número indeterminado de pessoas que também poderiam ter ajuizado aquela mesma ação”.
Segundo Hely Lopes Meirelles (2007, p. 719), “o beneficiário direto e imediato não é o autor da ação popular; é o povo, titular do direito subjetivo ao Governo honesto”.
Portanto, não se aplica o sistema de legitimidade ordinária descrito no Código de Processo Civil, em que a parte é “dona” do direito, sendo representada por si mesmo (como, por exemplo, pessoa maior e capaz que ajuíza ação de revisão de contrato, em que figura como locatária) ou por seu representante legal (como, por exemplo, a criança, representada por sua mãe, que pleiteia judicialmente alimentos em face de seu pai).
Por razões de ordem econômica, política, jurídica, falta de maturidade do consciente democrático e até mesmo de interesse pessoal, o cidadão não propõe na medida necessária e adequada a ação popular cabível em prol da coletividade, perante o Estado-juiz, em face da Administração Pública, seja Direta ou Indireta, passando a ser ferramenta esquecida a favor do povo brasileiro, não obstante ser um poderoso instrumento legítimo de democracia participativa. E ficou ainda mais esquecida a ação popular depois da edição da Lei da Ação Civil Pública, a qual tem o mesmo objetivo e é detentora de um rol de legitimados ativos bem maior do que o daquela.
Segundo Alexandre de Moraes (2007, p. 174), a natureza da decisão judicial na ação popular é desconstitutiva-condenatória, pois visa anular ato administrativo impugnado e condenar os responsáveis e beneficiários dos danos materiais causados ao erário e ao interesse público.
Sabe-se que a coisa julgada opera seus efeitos de imodificabilidade do conteúdo da decisão transitada em julgado, independentemente do resultado do processo. Geisa de Assis Rodrigues (apud DIDIER JR., 2009, p. 320) assevera que a eficácia dos efeitos da coisa julgada material na ação popular é erga omnes, posto que se fundamenta na natureza dos direitos em jogo, os quais são transindividuais, titularizados por toda a sociedade, não se aplicando a regra geral do CPC no que cerne à eficácia da coisa julgada inter partes do feito. Destaca-se que o artigo 22, da Lei da Ação Popular determina que o CPC deverá ser utilizado subsidiariamente “naquilo em que não contrariem os dispositivos desta Lei, nem a natureza específica da ação.
No entanto, a coisa julgada na ação popular se sujeita a um regime diferenciado ao da regra geral, conforme artigo 18, da Lei n° 4.717/65. Trata-se da coisa julgada secundum eventum probationis, ou seja, inexistirá coisa julgada material em determinadas hipóteses de acordo com o resultado da instrução probatória.
O supramencionado dispositivo legal prevê as seguintes situações de aplicação da coisa julgada secundum eventum probationis: a) se a sentença extinguir o processo sem resolução do mérito; b) se a sentença decorrer de improcedência devido à deficiência de prova (a sentença deve ser expressa no tocante a este caso). Nessas hipóteses, não opera a eficácia dos efeitos da coisa julgada material erga omnes, havendo a possibilidade de propositura de nova demanda com o mesmo pedido mediato e imediato e fundamento em virtude da supremacia do interesse público primário sobre o interesse público secundário .
A aplicação da sistemática da coisa julgada secundum eventum probationis na ação popular justifica-se pela necessidade de proteção aos direitos difusos fundamentais pertencentes à coletividade, os quais podem sofrer lesão grave ou de difícil reparação caso a coisa julgada material realize seus efeitos em todo e qualquer fundamento conferido ao dispositivo da sentença, impedindo a possibilidade de outro co-legitimado propor nova ação em defesa destes direitos em razão da indiscutibilidade e da imutabilidade do conteúdo da decisão, decorrentes do trânsito em julgado.
Geórgia Karênia Rodrigues Martins Marsicano de Melo (2008, [n.p.]) assegura que a coisa julgada na ação popular é diversa daquela disposta no CPC em virtude da natureza dos direitos envolvidos no litígio:

[...], embora o autor popular represente a sociedade civil a qual pertence, os limites subjetivos da coisa julgada não podem seguir os mesmos parâmetros estabelecidos no CPC para os conflitos inter partes, até porque o art. 22 da Lei de Ação Popular dispõe que o CPC deverá ser utilizado subsidiariamente “naquilo em que não contrariem os dispositivos desta Lei, nem a natureza específica da ação. Por esse motivo é que a autoridade da coisa julgada na ação popular restringe-se aos limites da lide naquele processo, de acordo com o que ficar no dispositivo do julgado, de sorte que, se a prova oferecida em determinada ação não tiver sido suficiente para o convencimento do juiz no deslinde inteiro da demanda, admitir-se-á o ajuizamento de uma outra ação com igual fundamento, mas com base em outro conjunto probatório.

Nos demais resultados da lide, ou seja, tanto de procedência da pretensão autoral como de improcedência devido a qualquer outro fundamento, há coisa julgada material.

4 O ARTIGO 16 DA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A ação civil pública tem origem no direito norte-americano. No Brasil, a Lei Complementar n° 40, de 13 de dezembro de 1981 foi a primeira versão da Lei da Ação Civil Pública. Hoje, desde 24 de julho de 1985, vige a Lei n° 7.347, a qual disciplina o instituto da ação civil pública, no tocante aos seus aspectos materiais e processuais.
A Lei da Ação Civil Pública visa à proteção dos direitos metaindividuais. A sua legitimidade ativa para propositura da ação principal e da ação cautelar é concorrente, pois há a previsão no artigo 5º, da referida norma (alterado pela Lei n° 11.448/2007) do rol dos co-legitimados, os quais são: I – o Ministério Público; II – a Defensoria Pública; III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V – a associação que, concomitantemente, esteja constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil, e incluir, entre suas finalidades institucionais, a proteção dos direitos transindividuais. A Constituição Federal de 1988 fixou no artigo 129, III, como uma das funções institucionais do Ministério Público a promoção do inquérito civil e da ação civil pública. Ressalta-se que o Ministério Público quando não for parte, será obrigado a atuar como fiscal da lei (artigo 5º, § 1º, da Lei n° 7.347/85 combinado com artigo 82, III, do CPC e artigo 92, do CDC).
Em relação à ação civil pública, cabe tratar sobre a possibilidade ou não de se realizar controle de constitucionalidade e a coisa julgada erga omnes nos processos coletivos, sem afetar a competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal em relação ao controle de constitucionalidade concentrado com eficácia erga omnes. Sabe-se que o magistrado diante da apreciação de uma ação civil pública pode encarar questão sobre a inconstitucionalidade ou constitucionalidade de lei ou ato normativo incidentalmente discutido no processo (controle de constitucionalidade difuso), ainda que este tenha como pretensão principal a proteção de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
Ao que parece, mostra-se realizável o controle de constitucionalidade difuso no processo coletivo, pois não haverá usurpação da competência originária pertencente ao STF quanto à eficácia erga omnes pelo órgão judiciário aquém deste, tendo em vista que o conteúdo e a eficácia da coisa julgada coletiva restringir-se-á às partes (efeitos inter partes), não ultrapassando as fronteiras subjetivas do processo. Entretanto, a declaração de inconstitucionalidade ou constitucionalidade da lei ou ato normativo não pode ser o pedido principal na ação civil pública, mas somente pode ser um dos aspectos secundários na causa de pedir próxima (fundamentos jurídicos), sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito em razão da carência da ação por falta de interesse processual no uso da via inadequada.
Manoel Jorge e Silva Neto (2009, p. 825-826) discorre a respeito da viabilidade do controle de constitucionalidade pela via de exceção o seguinte:

[...] não reside qualquer problema na arguição de inconstitucionalidade em ação civil pública, desde que o tema seja posto em sede de causa de pedir, e não no pedido propriamente dito, destinado à declaração de incompatibilidade, em tese, de lei ou ato normativo.

Aldo Ferreira da Silva Jr. (2009, p. 114) compreende que é viável o reconhecimento incidental de inconstitucionalidade da norma em sede de ação coletiva, sem que isso signifique subtração da competência do Supremo Tribunal Federal.
Tecidas algumas considerações relevantes ao estudo da ação civil pública, far-se-á possível uma análise sobre o polêmico artigo 16 (no sentido de divisor de opiniões), da Lei n° 7.347/85 no tocante a dois aspectos, os quais são a coisa julgada coletiva do processo baseado neste estatuto legal e a sua restrição territorial.
O artigo 16, da Lei da Ação Civil Pública prevê que nas hipóteses de procedência da pretensão da demanda ou improcedência fundada em provas suficientes, operar-se-á coisa julgada; caso contrário, havendo improcedência por falta de provas suficientes, poderá ser proposta nova ação, com base em prova nova (pressuposto de admissibilidade da repropositura da demanda coletiva).
O regime de coisa julgada coletiva do supramencionado dispositivo legal é diferente das disposições sobre coisa julgada do CPC porque visa defender os direitos e interesses difusos e coletivos de uma legitimidade ativa extraordinária deficiente e prevenir de possíveis e incomensuráveis lesões contra a sociedade, ainda que realizada cognição exauriente pelo Estado-juiz.
O tratamento distinto conferido à coisa julgada coletiva trata-se de fenômeno que melhor seria intitulado de relativização da autoridade da coisa julgada secundum eventus probationis. A insuficiência probatória não é o não convencimento do juiz diante das alegações autorais. Contudo, considera-se insuficiência de prova a inexistência ou a impossibilidade de obtenção da prova suficiente para convencer o julgador acerca da veracidade dos argumentos do autor, ou a ausência do material probatório.
Desse modo, verifica-se a impossibilidade de ajuizamento de ação rescisória a fim de rejulgar e rescindir situações de extinção do feito com resolução do mérito devido à improcedência por insuficiência probatória, pois como não há nesta hipótese coisa julgada material, e sim coisa julgada formal (mesmo que resolvido o mérito), é cabível a repropositura de demanda fundamentada em prova nova pelo mesmo (autor da ação anterior) ou outro co-legitimado.
Segundo Marcelo Abelha Rodrigues (apud DIDIER JR., 2009, p. 395), a nova prova para rediscussão de ação coletiva é aquela que não foi produzida na demanda anterior, mas que quiçá pode já existir desde a época da propositura desta. Para esse autor (apud DIDIER JR., 2009, p. 395), também não existe motivo para ser desprezada a colheita probatória anterior, até porque a insuficiência da prova refere-se à falta de convencimento do magistrado.
Quanto aos limites territoriais da coisa julgada na ação civil pública, o artigo 16 é alvo de críticas doutrinárias e jurisprudenciais. Esse dispositivo legal recebeu nova redação pela Medida Provisória 1570-5, de 21 de agosto de 1997, dias depois convertida na Lei n° 9.494, de 10 de setembro de 1997, passando a estabelecer que a coisa julgada erga omnes limita-se à competência territorial do órgão judiciário prolator da decisão. As críticas suscitam que essa limitação territorial representa os critérios políticos oportunistas que objetivam a ineficácia do sistema de processos diferenciados para a tutela jurisdicional necessária capaz de atender às pretensões da sociedade de massa.
Originariamente, o artigo 16, da Lei n° 7.347/85 dispunha efeitos erga omnes das decisões de procedência e de improcedência, salvo essa última quando decorrente de insuficiência de provas, sem prever qualquer limitação territorial da tutela jurisdicional coletiva.
A atual limitação territorial da coisa julgada coletiva erga omnes trata-se de uma figura esdrúxula, absurda e incompatível com os princípios da economia processual e do acesso à justiça, e com a teoria geral da coisa julgada. Além do mais, denota-se que essa estranha redação dada ao artigo 16, da Lei da Ação Civil Pública afronta o sistema de proteção coletiva adequada e efetiva aos direitos metaindividuais consagrados como direitos fundamentais pela atual Carta Constitucional, aniquilando a medida protetiva prevista originariamente neste dispositivo legal.
A ilógica limitação espacial da coisa julgada erga omnes pode dar ao direito transindividual tratamentos diferentes, haja vista que abre a possibilidade de serem prestadas tutelas jurisdicionais incompatíveis e contraditórias diante da relação jurídica posta sub judice e até mesmo impossíveis de serem executadas a depender do caso concreto. Ademais, a restrição a eficácia erga omnes da coisa julgada nos processos coletivos mostra-se incompatível com a natureza indivisível dos direitos e interesses em jogo, razão pela qual roga tratamento jurídico diferenciado.
Aldo Ferreira da Silva Jr. (2009, p. 108-109) ilustra um interessante exemplo para criticar a figura processual esquisita instituída pelo legislador de 1997:

[...] o Ministério Público Federal da capital de Porto Alegre caso ajuizasse uma ação civil pública, com pedido inibitório tendente a proibição de fumar no interior dos aviões, e nesta perspectiva do dispositivo em testilha, como a competência do juiz federal da 4.ª região, circunscreve os três estados da federação, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, os limites deste julgado ficariam adstritos à competência territorial do julgador. Suponhamos que o avião realizasse o trajeto da capital gaúcha para São Paulo; ao transpor o estado do Paraná, e ao ingressar no estado paulista, a aeromoça poderia comunicar aos passageiros que a proibição por determinação judicial de fumar na cabina cessaria e estaria sem efeito ao ingressar no território do estado de São Paulo, em tese, autorizando o fumo naquele recinto.

Segundo Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2009, p. 330), a sentença é imutável frente a toda jurisdição nacional, e nunca em face de parcela dessa jurisdição. Para esses doutrinadores (2009, p. 331), o artigo 16 objetiva limitar a abrangência dos efeitos da sentença, não se encaixando a coisa julgada em si mesma, entretanto nem para isto ele se presta.
Para Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2010, p. 370), a redação do artigo 16 é infeliz pelas seguintes razões:

a) é inconstitucional, ferindo o acesso à justiça, a igualdade e a universalidade da jurisdição; b) é ineficaz, já que a disciplina do art. 103 do CDC mais ampla e estar inserida no microssistema do processo coletivo, aplicando-se também à LACP; c) não se trata de limitação da coisa julgada mas de eficácia de sentença, ferindo a disposição processual de que a jurisdição é uma em todo território nacional; e, por último, d) é contrária a essência do processo coletivo que prevê o tratamento molecular dos litígios, evitando-se a fragmentação das demandas.

Para Aldo Ferreira da Silva Jr. (2009, p. 109), a limitação espacial estabelece confusão entre a amplitude dos efeitos do julgado, conforme o objeto litigioso do processo (causa de pedir e o pedido) e a competência territorial, que é um dos critérios legislativos para a distribuição de competência e fixação da jurisdição em relação a cada órgão judicial.
Nessa linha de raciocínio, Elpídio Donizetti (2009, p. 415) afirma que a territorialidade é critério de repartição de competência, não interferindo nos efeitos da decisão judicial, exercício do poder jurisdicional, que é uno em todo país.
A jurisprudência diverge em relação à limitação territorial dos efeitos da coisa julgada coletiva. Todavia, mantêm uma conotação mais legalista, desafinada da realidade, ou seja, aplicando o conteúdo restritivo do artigo 16.
Nesse sentir, é a jurisprudência firmada pelo STJ, guardião do ordenamento jurídico federal, segundo os seguintes arestos:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APADECO. EFICÁCIA TERRITORIAL DA SENTENÇA. EXECUÇÕES INDIVIDUAIS DO TÍTULO. JUÍZO COMPETENTE. I - A orientação fixada pela jurisprudência sobranceira desta Corte é no sentido de que a decisão proferida no julgamento de Ação Civil Pública faz coisa julgada nos limites da competência territorial do órgão que a prolatou. II - Dessa forma, se o órgão prolator da decisao é o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, cumpre concluir que o acórdão tem eficácia em toda a extensão territorial daquela unidade da federação. Por outro lado, a eficácia subjetiva do aresto, estendeu-se à todos os poupadores do Estado que mantinham contas de poupança junto ao réu. III - Considerando o princípio da instrumentalidade das formas e do amplo acesso à Justiça, desponta como um consectário natural dessa eficácia territorial a possibilidade de os agravados, consumidores titulares de direitos individuais homogêneos, beneficiários do título executivo havido na Ação Civil Pública, promoverem a liquidação e a execução individual desse título no foro da comarca de seu domicílio. Não há necessidade, pois, que as execuções individuais sejam propostas no Juízo ao qual distribuída a ação coletiva. IV- Agravo Regimental improvido. (STJ, AgRg no REsp – Agravo Regimental no Recurso Especial 755429/PR 2005/0089854-4, 3ª Turma, Relator Ministro Sidnei Beneti, data do julgamento 17/12/2009).

Nos termos do art. 16 da Lei n. 7.347/85, alterado pela Lei n. 9.494/97, a sentença civil fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência territorial do órgão prolator. (STJ, REsp – Recurso Especial 293407/SP, Corte Especial, Relator Ministro João Otávio Noronha, data do julgamento 07/06/2006).

Cabe transcrever também decisões dos Tribunais Inferiores, tanto na esfera federal como na estadual, que segue a compreensão do STJ:

PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. ACP. SÚMULA 2/TRF4ª REGIÃO.
1. A decisão proferida no âmbito da ação civil pública tem seus limites de eficácia adstritos à competência territorial do órgão prolator, conforme o artigo 16 da Lei nº 7.347/85, alterado pela Lei nº 9.494/97. Precedentes.
2. Vigente a Lei n° 6.423, de 17-06-77, na data de início do benefício, o reajuste dos primeiros 24 salários de contribuição do PBC deve observar a variação nominal da ORTN/OTN (súmula 2/TRF - 4ª Região). 3. A revisão da renda mensal inicial pelos critérios da Súmula 2 do TRF da 4ª Região gera reflexos na aplicação do art. 58/ADCT e reajustes subsequentes, respeitada a prescrição quinquenal. 4. Recalculada a renda mensal inicial da aposentadoria a que teria direito o de cujus, por consequência deve ser revisada a pensão por morte da autora. (TRF 4ª REGIÃO, APELREEX – Apelação/Reexame Necessário, processo n° 2008.71.04.000965-0, 6ª Turma, Relator Celso Kipper, data do julgamento 14/10/2009).

PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LITISPENDÊNCIA. EFEITOS LIMITADOS AO ALCANCE DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL DO ÓRGÃO JURISDICIONAL PROLATOR DA DECISÃO. SERVIDORES INATIVOS/PENSIONISTAS. GDPGTAS. GARANTIA CONSTITUCIONAL DA PARIDADE. 1. Rejeitada a preliminar de litispendência, uma vez que a autarquia apelante não logrou comprovar que as duas entidades (ASSECAS e SINTSEF) estariam atuando em favor dos mesmos substituídos nas duas ações, restando impossível a comprovação da suposta identidade de partes; 2. A despeito da ASSECAS ter legitimidade para agir em nome de todos os seus associados, independentemente do local de seus domicílios, a eficácia da sentença é limitada à competência territorial do Juízo, daí porque não abrange os substituídos domiciliados fora do Ceará; 3. O aposentado/pensionista que faça jus à paridade de vencimentos com os servidores em atividade deve receber a GDPGTAS no valor correspondente 80% do valor máximo conferido aos servidores ativos, até que seja a mesma regulamentada e que sejam processados os resultados da primeira avaliação individual e institucional, e, depois, no valor correspondente a 40% do valor máximo do respectivo nível, até 31/12/08, quando deixou de existir; 4. Em face da vedação da reformatio in pejus, deve ser mantida a determinação da sentença de que após a regulamentação dos critérios de avaliação, a GDPGTAS deve ser paga aos inativos no percentual de 30% do valor máximo do respectivo nível; 5. Tratando-se de lide coletiva proposta por Associação, não há nos autos elementos para se aferir, quanto a cada substituído, a existência de eventual direito adquirido ao regime da paridade, sendo forçosa a transferência de tal providência para a fase de execução; 6. Apelação e remessa oficial parcialmente providas. (TRF 5ª REGIÃO, APELREEX – Apelação/Reexame Necessário 5649/CE 0013668-65.2007.4.05.8100, 3ª Turma, Relator Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, data do julgamento 28/05/2009).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA. ART. 16, DA LEI. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO AJUIZADA PERANTE A JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL PELA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS SERVIDORES DA PREVIDÊNCIA SOCIAL EM FACE A GEAP. EXECUÇÃO INDIVIDUAL MOVIDA POR SERVIDOR. EXEQÜENTE QUE TEM DOMICÍLIO EM ÂMBITO DIVERSO DAQUELE EM QUE FOI PROFERIDA A SENTENÇA. De acordo com o art. 16, da Lei n.7374/85, com a nova redação dada pela Lei n. 9494/97, a sentença proferida em ação civil pública fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido foi julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. O efeito territorial da sentença coletiva é objeto de inquestionável crítica e debate pela doutrina que afirma a inconstitucionalidade da nova redação do art. 16, da Lei n. 7374/98 por ferir princípios da ação, razoabilidade e da proporcionalidade. Todavia, a jurisprudência pátria tem afastado o alegado vício de inconstitucionalidade e ineficácia do mencionado dispositivo legal, tendo o STF, inclusive, negado medida liminar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra a Medida Provisória n. 1570/97, convertida na Lei n. 9494/97, que modificou a redação do art. 16 da LACP. Impossibilidade de ajuizamento de ação de execução em outros estados da Federação com base na sentença prolatada pelo Juízo do Distrito Federal nos autos da Ação Civil Pública. Expressa a delimitação territorial. RECURSO IMPROVIDO. (TJRJ, Agravo de Instrumento, processo nº 2008.002.21025, 16ª Câmara Cível, Relator Desembargador José C. Figueiredo, data do julgamento 03/09/2008).

PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. HONORÁRIOS DE PATROCÍNIO. LEVANTAMENTO. IMPOSTO DE RENDA. RETENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMITE DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL DO ÓRGÃO PROLATOR. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO.
1. O art. 22, § 4º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB) garante aos advogados receberem, de modo autônomo e direto, os honorários advocatícios convencionados, desde que anexe o respectivo contrato, em execução de sentença, com dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte. 2. Inobstante os limites territoriais da decisão em ação civil pública, são genéricos e erga omnes os efeitos de Instrução Normativa, vinculante para a Administração Pública, pelo que não é possível a retenção na fonte do imposto sobre pagamentos de benefícios acumulados ou atrasados, se, pagos na época oportuna, não estivessem sujeitos a tal desconto, a teor do que dispõe o art. 386 da Instrução Normativa nº 57/2001. 3. A decisão proferida em Ação Civil Pública está limitada à competência territorial do órgão prolator, nos termos do art. 16, da Lei nº 7.347/85, com redação dada pela Lei nº 9.494/97.
4. Decidiu a Corte Especial deste Tribunal, no AI nº 2002.04.01.018302-1, ser inconstitucional o art. 1º-D da Lei nº 9.497/97, pelo que é cabível a fixação de honorários, mesmo em execuções não embargadas.
5. Em execução de lides previdenciárias devem os honorários ser fixados em 5% sobre o atualizado do débito. (TRF 4ª REGIÃO, AG – Agravo de Instrumento, processo n° 2004.04.01.006262-7, 5ª Turma, Relator Néfi Cordeiro, data do julgamento 03/08/2004).

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MPF EM FACE DA OAB/RJ – COMPETÊNCIA – LOCAL DO DANO – ART. 2º DA LEI N.º 7.347/85 – AGRAVO IMPROVIDO. I – A Ordem dos Advogados do Brasil/RJ opôs exceção de incompetência, rejeitada pelo Juízo Federal da 22ª Vara/RJ, nos autos de ação civil pública movida pelo MPF, pretendendo que o feito fosse redistribuído para uma das Varas Federais do Distrito Federal. II – Da leitura da peça inicial da ação civil pública em comento, vê-se que o pedido se relacionou exclusivamente a restrições que vêm sendo impostas pela OAB-Seccional RJ aos advogados nela inscritos, que ora se encontram inadimplentes para com a entidade. III – Assim sendo, tem-se por acertado o fundamento da rejeição da exceção de incompetência do Juízo da 22ª VF/RJ, baseado no art. 2º da Lei n.º 7.347/85, o qual prevê que a competência para as ações civis públicas não está vinculada ao domicílio do Réu, mas ao local que efetivamente se operou o dano. IV – Ademais, conforme consignou a nobre prolatora da r. decisão agravada, a teor do art. 2º da Lei n.º 9.494/97, a sentença na ação civil só fará coisa julgada erga omnes nos limites territoriais do órgão prolator. V – Precedentes desta Corte. VI – Agravo improvido. (TRF 2ª REGIÃO, AG – Agravo de Instrumento 200302010064056, 4ª Turma, Relator Desembargador Federal Benedito Gonçalves, data do julgamento 03/09/2003).

Mas, há decisões judiciais em sentido contrário, até mesmo no âmbito do STJ:

Processo civil e direito do consumidor. Ação civil pública. Correção monetária dos expurgos inflacionários nas cadernetas de poupança. Ação proposta por entidade com abrangência nacional, discutindo direitos individuais homogêneos. Eficácia da sentença. Ausência de limitação. Distinção entre os conceitos de eficácia da sentença e de coisa julgada. Recurso especial provido. - A Lei da Ação Civil Pública, originariamente, foi criada para regular a defesa em juízo de direitos difusos e coletivos. A figura dos direitos individuais homogênios surgiu a partir do Código de Defesa do Consumidor, como uma terceira categoria equiparada aos primeiros, porém ontologicamente diversa. - A distinção, defendida inicialmente por Liebman, entre os conceitos de eficácia e de autoridade da sentença, torna inóqua a limitação territorial dos efeitos da coisa julgada estabelecida pelo art. 16 da LAP. A coisa julgada é meramente a imutabilidade dos efeitos da sentença. Mesmo limitada aquela, os efeitos da sentença produzem-se erga omnes, para além dos limites da competência territorial do órgão julgador. - O procedimento regulado pela Ação Civil Pública pode ser utilizado para a defesa dos direitos do consumidor em juízo, porém somente no que não contrariar as regras do CDC, que contem, em seu art. 103, uma disciplina exaustiva para regular a produção de efeitos pela sentença que decide uma relação de consumo. Assim, não é possível a aplicação do art. 16 da LAP para essas hipóteses. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp – Recurso Especial 411529/SP 2002/0014785-9, 3ª Turma, Relatora Ministra Nancy Andrigui, data do julgamento 24/06/2008).

ADMINISTRATIVO. SERVIÇOS DO SUS. TABELAS DE REMUNERAÇÃO. ACRÉSCIMO DE 9,56%. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMINAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. Presentes os pressupostos legais, deve ser deferida a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional. A modificação da redação do art. 16 da Lei nº 7.347/85 pela Lei nº 9.494/97, desacompanhada da alteração do art. 103 da Lei nº 8.078/90, por parcial restou ineficaz, inexistindo por isso limitação territorial para a eficácia erga omnes da decisão prolatada em ação civil pública, baseada quer na própria Lei nº 7.347/85, quer na Lei nº 8.078/90.
Se a recorrente, descumprindo a paridade legal, converteu os valores da referida tabela impondo uma maior quantidade de cruzeiros reais, provocando o desequilíbrio econômico-financeiro da relação custo-benefício antes existente entre as partes, em prejuízo da agravada, essa distorção não se justifica pelo pacto celebrado entre os Ministérios da Saúde, da Fazenda e as demais entidades mencionadas nas contra-razões recursais, porque, em matéria de evidente interesse público, não se pode sobrepor a convenção ao comando legal. (TRF 4ª REGIÃO, AG – Agravo de Instrumento, processo n° 1999.04.01.091925-5/RS, 4ª Turma, Relator Juiz Valdemar Capeletti, data do julgamento 30/05/2000).

Verifica-se a começar de uma interpretação literal do artigo 16, da Lei n° 7.347/85 que os efeitos da decisão de mérito sofrem profundas modificações a partir da interposição de recursos, para cada decisão recorrível no processo (e o ordenamento jurídico pátrio prevê um rol recursal extenso e para várias hipóteses de cabimento), os quais se forem reformadores da decisão do órgão a quo (sentença ou acórdão de primeira instância) sob o fundamento de erro in judicando (injustiça da decisão), levará a alterações ampliativas dos sujeitos da lide. Trata-se de uma anomalia técnica, uma vez que ainda que uma sentença ou acórdão de primeiro grau seja totalmente reformado por decisão do órgão ad quem, a decisão de piso é definidora da competência territorial, bem como das partes do litígio, o que a doutrina denomina de perpetuatio jurisdictionis (perpetuação da jurisdição).
Nesse sentir, discorre também Marcelo Honorato (2009, [n.p.]), enfatizando que a interpretação gramatical do artigo 16 pode ofender o princípio do contraditório devido à inclusão de sujeitos na lide a partir da interposição de recurso que amplie a abrangência do órgão ad quem:

[...] a constante evolução do âmbito de abrangência territorial da decisão num processo em ACP, em função da simples interposição de recursos, quando também se dilata o aspecto subjetivo da relação processual, pois novos sujeitos passam a serem submetidos a nova decisão, que agora passa a ser originada de um órgão de maior abrangência, um tribunal regional ou estadual e, na próxima fase, um tribunal nacional, mas isso sem qualquer oportunidade de manifestação dos novos sujeitos (segundo a doutrina que dá interpretação literal ao art. 16 da ACP). Numa primeira escala processual, os efeitos de possível decisão se restringem às pessoas domiciliadas no território de competência do órgão de primeira instância, mas pelo simples fato de que houve impetração de recurso, passam a fazer parte da lide novos coadjuvantes, com total possibilidade de serem submetidos à nova decisão. Preliminarmente, exsurge fácil vício de rompimento ao contraditório, ao se incluir novos sujeitos numa demanda, sem sua perfeita manifestação. Essa é a face mais tenebrosa, quando na abordagem legalista do art. 16 da LACP, mas que nenhum dos adeptos positivistas se encoraja a enamorar.

Entretanto, há quem tenha pensamento contrário ao exposto acima como, por exemplo, Juliano Taveira Bernardes (2004, [n.p.]) que compreende que a limitação territorial da eficácia erga omnes da coisa julgada do artigo 16 é eficaz e válida, mas que não foi modificada a sistemática especial das ações coletivas reguladas pelo CDC. Para Bernardes, os efeitos erga omnes têm por finalidade estender, a quem não participou da relação processual, os limites subjetivos que ordinariamente decorrem da coisa julgada e de outras hipóteses de preclusão, e que a obrigatoriedade da decisão provém dos limites objetivos e subjetivos da própria coisa julgada, independentemente dos efeitos erga omnes.
Com todo o respeito ao pensamento do supramencionado autor, contudo, ao que parece a alteração inserida pela Lei n° 9.494/97 ao comentado artigo 16 trouxe uma impropriedade confusa e prejudicial à coletividade quanto à limitação territorial dos efeitos da coisa julgada da Lei da Ação Civil Pública.
O limite espacial dos efeitos da coisa julgada coletiva contorna-se em razão da pretensão e da extensão do dano ou do potencial dano, e não da competência do órgão judicial. Se o pedido autoral abrange a nação, os efeitos da decisão será erga omnes para todo território nacional; se a pretensão da demanda abrange somente o âmbito estadual ou mais restrita apenas ao âmbito municipal, os efeitos da decisão será erga omnes para a localidade determinada no pedido.
Ressalta-se que o artigo 93, do CDC estabelece que a competência territorial é a do foro do local do dano (ação repressiva) ou do potencial dano (ação preventiva), e o do foro da Capital de Estado ou do Distrito Federal para os danos regionais e nacionais, ao passo que dano local impõe foro do lugar do dano.
Nesse sentir, entendeu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA. LOCAL DA OCORRÊNCIA DO DANO. ABRANGÊNCIA DADECISÃO. Nas ações civis públicas, a teor do que dispõe o art. 2º da Lei nº 7.347/85, a competência firma-se pelo local da ocorrência do dano.
A decisão proferida no âmbito da ação civil pública tem seus limites de eficácia adstritos à competência territorial do órgão prolator, conforme o artigo 16 da Lei nº 7.347/85, alterado pela Lei nº 9.494/97. Precedentes. (TRF 4ª REGIÃO, AC – Apelação Cível, processo n° 2006.70.00.009395-0, 4ª Turma, Relator Sérgio Renato Tejada Garcia, data do julgamento 19/08/2009).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. LIMINAR EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EFICÁCIA. ABRANGÊNCIA NACIONAL. LEIS NºS 7.347/85 E 9.494/97. IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE. VEDAÇÃO DE RETENÇÃO. INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS Nº 78/2001. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. - A regra do art. 16 da Lei nº 7.347/85 deve ser interpretada em sintonia com os preceitos contidos na Lei nº 8.078/90, entendendo-se que os limites da competência territorial do órgão prolator, de que fala o referido dispositivo, não são aqueles fixados na regra de organização judiciária, mas, sim, aqueles previstos no art. 93 do Código de Defesa do Consumidor, ou seja: a:
quando o dano for de âmbito local, isto é, restrito aos limites de uma comarca ou circunscrição judiciária, a sentença não produzirá efeitos além dos próprios limites territoriais da comarca ou circunscrição; b) quando o dano for de âmbito regional, assim considerado o que se estende por mais de um município, dentro do mesmo Estado ou não, ou for de âmbito nacional, estendendo-se por expressiva parcela do território brasileiro, a competência será do foro de qualquer das capitais ou do Distrito Federal, e a sentença produzirá os seus efeitos sobre toda a área prejudicada.
- O art. 386 da Instrução Normativa nº 57, de 10/10/2001, dispõe que o INSS, em cumprimento à tutela antecipada decorrente de ACP movida pelo Ministério Público deverá deixar de proceder o desconto do IRRF, no caso de pagamentos acumulados ou atrasados, por responsabilidade da Previdência Social, oriundos de concessão, reativação ou revisão de benefícios previdenciários e assistenciais, cujas rendas mensais originárias sejam inferiores ao limite de isenção do tributo.... A IN INSS/DC 078, de 16/07/2002, mantém a vedação. - Com a edição da Medida Provisória nº 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, que alterou a redação da Lei nº 9494/97, art. 1º-D, passou não serem mais devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas. (TRF 4ª REGIÃO, AG – Agravo de Instrumento, processo n° 2002.04.01.051738-5, 5ª Turma, Relator Paulo Afonso Brum Vaz, data do julgamento 09/04/2003).

A limitação territorial da coisa julgada coletiva esta intrinsecamente vinculada à extensão do dano ou do perigo do dano. Com base nesse entendimento, deve-se observar a regra de competência do artigo 2º, da Lei da Ação Civil Pública, pois há previsão da competência funcional, a qual se enquadra em uma das hipóteses de competência absoluta, embora esteja reputada como competência territorial. Assim, o legislador de 1997 se atrapalhou ao considerar a competência territorial como absoluta, sendo que a mesma se trata de competência relativa, contestável dentro do prazo de lei, sob pena de preclusão temporal idônea de realizar a prorrogação de competência, conforme artigo 114, do CPC.
Legitimar a limitação dos efeitos da coisa julgada coletiva ao território do órgão prolator da decisão é o mesmo que entender que a tutela jurisdicional coletiva desconsidera a indivisivibilidade do objeto, beneficiando uma parte da coletividade lesada ou ameaçada de lesão em detrimento de outra por meio de um fracionamento na prestação da tutela coletiva, o que é inconstitucional, absurdo e até mesmo irracional.
Nessa compreensão, Sergio Cavalieri Filho (2010, p. 356) assevera que em razão da indeterminabilidade dos sujeitos e da indivisibilidade do objeto “não é possível conceder ou negar o bem pretendido para um sem concedê-lo ou negá-lo para todos”.
É importante ainda acrescentar que a Medida Provisória 2.180-35/2001, ainda não convertida em lei, que incluiu o artigo 2º – A à Lei n° 9.494/97, fixa nova restrição à substituição processual, ao expressar que a sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos de seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator.
Infelizmente, trata-se de mais uma positivação de medida restritiva e desprotetora contrária à eficácia do direito fundamental de acesso à justiça e à efetividade no exercício dos direitos transindividuais. Em suma, mais um rompimento afrontoso ao sistema dos processos coletivos, ferramentas legítimas de defesa da sociedade.

5 O ARTIGO 103 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O Direito brasileiro prevê três espécies de direitos metaindividuais: direitos difusos, direitos coletivos e direitos individuais homogêneos. O artigo 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, em seus incisos, define cada direito metaindividual.
Os direitos difusos são aqueles de natureza indivisível, pertencentes a sujeitos indeterminados (coletividade) e ligados por circunstâncias fáticas. A titularidade dos direitos difusos é diluída em toda a sociedade. A relação jurídica entre os titulares desses direitos e o réu surge, em regra, posteriormente ao dano.
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2009, p. 299) exemplificam como direitos difusos o direito ao meio ambiente saudável e equilibrado e o direito à saúde pública.
Os direitos coletivos, também denominados doutrinariamente como direitos coletivos stricto sensu, são aqueles também caracterizados como de natureza indivisível, porém titularizados por um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Os seus titulares são considerados sujeitos determináveis, razão maior e primordial que os distingue dos direitos difusos.
Elpídio Donizetti (2009, p. 409) exemplifica como direitos coletivos os interesses de contribuintes de determinado tributo.
Nesse sentir, com apoio no exemplo acima, os interesses coletivos podem ser identificados, hipoteticamente, na hipótese de ligação por meio de uma relação jurídica base em que a Associação de Odontológos de Sergipe contesta a cobrança ilegal e inconstitucional de um imposto estadual, a ser pago por consultórios odontológicos.
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2009, p. 298-299) evidenciam que os direitos difusos e coletivos são tipicamente direitos transindividuais, ou seja, não pertencentes a um indivíduo determinado, não se confundindo com direitos individuais específicos como, por exemplo, os direitos da personalidade, nem como somatório dos direitos individuais, pertencentes a cada um dos sujeitos que integram a coletividade.
Os direitos individuais homogêneos são aqueles de objeto divisível e pertencentes a pessoas determinadas (individualizáveis), cuja origem está em uma mesma situação fática ou jurídica. Trata-se de direitos subjetivos divisíveis e patentemente individuais, tendo em vista que não vão além da pessoa do indivíduo, limitando-se ao mesmo porque lhe pertence por ser elemento integrante de seu patrimônio jurídico.
Elpídio Donizetti (2009, p. 409) explica que no plano dos direitos individuais homogêneos inexiste um único direito, mas vários, relacionados entre si, de origem comum, a demandarem idêntico tratamento, justificando, assim, a utilização da ação coletiva para sua proteção.
O uso da via coletiva mediante uma única demanda para a proteção dos direitos individuais homogêneos originados de uma mesma situação de fato ou de direito visa desafogar a máquina judiciária, prevenir a prolação de decisões judiciais contraditórias e realizar a máxima eficacidade destes direitos, combinando-se com os princípios da economia processual e do acesso à justiça.
Amaro Alves de Almeida Neto (2002, p. 302) identifica os interesses individuais homogêneos na situação hipotética de adquirentes de um determinado automóvel que sai da fábrica com um mesmo vício (defeito) de fabricação, formando estes compradores um grupo determinado ou determinável de pessoas, ligadas entre si por uma situação de fato (o defeito do bem), cujos interesses são divisíveis, uma vez que nem todos querem exercer seu direito de ação, sem, todavia, impedirem que os outros o exercitem.
Tecidas essa considerações no tocante à definição, à natureza e à titularidade dos direitos transindividuais, cabe se imiscuir sobre a coisa julgada coletiva tratada no diploma codificado de proteção ao consumidor.
O artigo 103, do CDC trata da coisa julgada nas ações coletivas. O inciso I desse artigo dispõe que a sentença fará coisa julgada erga omnes no processo que envolve direitos difusos, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que o autor vencido ou qualquer outro co-legitimado extraordinário poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova (documental, pericial, testemunhal ou qualquer meio de prova considerado legalmente previsto ou moralmente legítimo). Trata-se da coisa julgada secundum eventus probationis.
O inciso II daquele dispositivo prevê que a coisa julgada será ultra partes no processo que envolve direitos coletivos, tanto no plano individual como no coletivo, salvo improcedência por insuficiência probatória, podendo o legitimado ativo intentar nova ação idêntica à anterior, valendo-se de nova prova. Os efeitos da sentença limitam-se às partes, pois se destinam somente ao grupo, categoria ou classe dos titulares dos direitos em discussão no processo.
Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2010, p. 367) advertem que essa nova prova deve ser suficiente para um novo juízo de direito sobre os fatos, possibilitando novo resultado. Para esses doutrinadores (2010, p. 367-368), a previsão da coisa julgada secundum eventus probationis é bastante útil e salutar para os processos coletivos que versem sobre o direito ao meio ambiente e o direito à saúde, os quais necessitam de provas cada vez mais relacionadas à tecnologia, mediante o progresso da ciência, para demonstrar os ilícitos a tais direitos.
Verifica-se que de alguma forma a possibilidade de repropositura da ação coletiva prestigia a relativização da coisa julgada com base em juízo de justiça do que em juízo de segurança. Ademais, pretende coibir lesões derivadas de fraude processual ou conspiração de cunho político aos titulares dos direitos metaindividuais, buscando-se a máxima efetividade destes direitos.
O inciso III, do artigo 103, do Codex Consumerista prevê que a coisa julgada da sentença que verse sobre direitos individuais homogêneos tem efeitos erga omnes somente na hipótese de procedência da pretensão, a fim de beneficiar todos os sujeitos que, comprovadamente, sejam os titulares dos direitos individuais, bem como seus sucessores. Por outro lado, a sentença de improcedência tanto por insuficiência de prova como por suficiência de prova submete o interessado titular individual que interveio no feito coletivo aos efeitos da coisa julgada; se o interessado titular individual não interferiu, não será alcançado pela decisão meritória coletiva nestas hipóteses. Destaca-se também que o titular individual não será atingido pela coisa julgada nas situações de sentença de improcedência tanto por insuficiência de prova como por suficiência de prova dos processos que maneje sobre direitos difusos ou coletivos, podendo intentar ação em prol de seu direito individual e divisível.
Elpídio Donizetti (2009, p. 413) compreende que o CDC não prevê a coisa julgada secundum eventus probationis para direitos individuais homogêneos nas hipóteses de insuficiência ou falta de prova, sendo o pensamento da doutrina majoritária. Todavia, Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2010, p. 369) entendem que a norma codificada em comento adotou a coisa julgada secundum eventus probationis também para os direitos individuais homogêneos, sendo que no caso de improcedência por falta de prova, não haverá coisa julgada material, e no caso de procedência ou improcedência por qualquer outro fundamento, haverá coisa julgada.
O artigo 103, § 2º, da Lei n° 8.078/90 determina que os interessados não intervenientes no processo como litisconsortes ativos poderão ajuizar nova ação a título individual na hipótese de improcedência do pedido. Com base em interpretação a contrario sensu, a redação desse dispositivo legal significa que a coisa julgada produzirá efeitos para as partes do processo, bem como para os indivíduos intervenientes.
No que diz respeito à irradiação dos efeitos da coisa julgada erga omnes sobre as ações individuais, cujos interessados são intervenientes nas demandas coletivas, o artigo 103, § 3º, do CDC estabelece a coisa julgada in utilibus. Trata-se do transporte da coisa julgada do processo coletivo para o processo individual.
O autor da ação a título individual poderá beneficiar-se da coisa julgada coletiva se proceder a liquidação da sentença coletiva e promover sua execução. Cabe ressaltar que a liquidação da sentença coletiva é denominada de liquidação imprópria, traduzindo-se como a fase intermediária entre a fase cognitiva e a fase executiva do processo, em que ocorre a discussão sobre o que é devido e a quantidade devida, devendo cada autor, individualmente, requerer a sua liquidação, enquanto a execução é a fase do processo que busca o cumprimento da obrigação determinada na sua fase de conhecimento.
A liquidação e a execução da sentença coletiva pode ser promovida tanto na qualidade individual como na coletiva, conforme artigos 97 e 98, do CDC, observados os legitimados para tais fins.
O mecanismo da coisa julgada in utilibus tem o fim de amparar os direitos subjetivos fundamentais dos interessados e dirimir a repetição de litígios individuais que podem ser resolvidos no itinerário coletivo, sem a instauração de processo novo para liquidar e executar a sentença. Assim, a sentença coletiva valerá como titulo executivo judicial (dever jurídico de indenizar), na mesma lógica que se atribui à sentença penal condenatória transitada em julgado para fins de execução na seara cível (artigo 475 – N, II, do CPC). Também, segundo artigo 103, § 4º, do CDC, essa regra esboçada no artigo 103, § 3º, da Lei n° 8.078/90 aplica-se à sentença penal condenatória.
É importante assegurar que no caso de improcedência o titular do direito individual homogêneo não é impedido de ajuizar a sua ação individual no caso de improcedência tanto por insuficiência de prova como por suficiência de prova, não obstante esta última hipótese operar coisa julgada material no processo coletivo. A sistemática da coisa julgada in utilibus existe apenas para favorecer os sujeitos titulares dos direitos individuais, pois mesmo que a sentença seja de improcedência no processo coletivo, em tese, não haverá prejuízo algum para o ajuizamento da ação individual que se fundamente nas mesmas causas de pedir remota ou próxima da demanda coletiva para a tutela de seus direitos individuais e divisíveis, na qualidade de legitimados ordinários (representantes de interesses próprios).
O artigo 104, do CDC dispõe que não induz litispendência as ações coletivas para as ações individuais concernentes a direitos individuais homogêneos. Para que os titulares de direitos coletivos e individuais homogêneos se beneficiem dos efeitos da coisa julgada de sentença de procedência, entretanto, deverão, conforme também o mesmo dispositivo, requerer a suspensão dos processos instaurados por ação a título individual no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência nos autos de ajuizamento da propositura da ação coletiva.
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2009, p. 329) criticam a redação desse dispositivo legal, sob a alegação de que o mesmo abrange direitos coletivos e individuais homogêneos, bem como os direitos difusos.
O artigo 94, do CDC dispõe que ajuizada a ação, será publicado edital no órgão oficial, sem prejuízo de ampla divulgação por outros meios de comunicação social acerca da mesma, para fins de ciência dos interessados.
Aldo Ferreira da Silva Jr. (2009, p. 104-105) afirma que o autor da ação individual apenas terá prejuízo nas hipóteses de sentença coletiva de improcedência se interferiu como assistente, devendo a demanda individual ser extinta sem resolução do mérito ou ser desistida, e de não ter requerido a suspensão do processo a título individual no prazo de 30 dias a contar da ciência da ação coletiva para valer-se da sentença desta demanda, não podendo se beneficiar da sentença coletiva se não lograr êxito na ação individual.
As normas relativas à coisa julgada dispostas no CDC são aplicáveis também às outras demandas coletivas e em relação a outros direitos transindividuais. O artigo 21, da Lei n° 7.347/85 prevê expressamente que as normas do CDC aplicam-se, no que couber, à defesa dos direitos metaindividuais, até mesmo tutelados pela via da ação civil pública. Também as normas do CDC se aplicam à coisa julgada e à litispendência em mandados de segurança coletivo disciplinado na Lei n° 12.016, de 7 de agosto de 2009.

6 CONCLUSÃO

Deduz-se que a magnitude dos processos coletivos em razão de sua tutela aos direitos e garantias fundamentais do povo reclama a existência de uma resposta judicial justa, eficaz, oportuna e adequada mediante um regime distinto de coisa julgada de acordo com o resultado do processo, ou seja, a coisa julgada deve representar o conteúdo de uma tutela jurisdicional de otimização diante das relações jurídicas que envolvem direitos e interesses sociais de alta relevância, fundados não somente na dignidade da pessoa humana do indivíduo, mas também na dignidade da coletividade, sob pena de supressão destes novos direitos e interesses.
Infelizmente, a limitação territorial dos efeitos erga omnes da coisa julgada da sentença da ação civil pública, instituída pela Lei n° 9.494/97 no artigo 16, da Lei n° 7.347/85, trata-se de mais uma positivação de medida restritiva e desprotetora ao direito fundamental de acesso à justiça e ao exercício dos direitos metaindividuais. A limitação territorial da coisa julgada coletiva esta intrinsecamente vinculada à extensão do dano ou do potencial dano, e não à competência do órgão prolator da decisão judicial, como determinou o legislador de 1997. Em apertada síntese, o vigente artigo 16, da Lei da Ação Civil Pública representa mais um rompimento prejudicial e esdrúxulo ao sistema dos processos coletivos, ferramentas legítimas de defesa da sociedade de massa, na qual todos nós vivemos.

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