A constitucionalidade da concessão de liberdade provisória aos delitos de tráfico de drogas


PorFernanda dos Passos- Postado em 31 outubro 2011

Autores: 
MOURA, Amanda Raquel

A constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XLIII, previu tratamento rigoroso aos delitos de tráfico de drogas, sendo estes equiparados aos crimes hediondos e terrorismo, no que concerne à restrição de direitos, considerando-os, ainda, inafiançáveis.  Neste diapasão, a Lei 8.072 (lei dos crimes hediondos) foi aplicada extensivamente aos delitos de tráfico de drogas.

Em 2006, adveio a Lei 11.343/06, substituindo a Lei 6368/76, antiga lei de tráfico de drogas, sendo mais benéfica em alguns aspectos, tais como a previsão de uma causa especial de diminuição de penas aos delitos de tráfico de drogas, criando uma espécie de "tráfico privilegiado", bem como a aplicação de penas restritivas de direito ou advertência aos condenados pelo crime de uso de drogas.

 No entanto, a Lei 11.343/06, tratou com severidade a concessão da liberdade provisória e a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direito, proibindo-as expressamente, em seu artigo 44, nos casos previstos no artigo 33, caput e §1º, e artigos. 34 e 37, do referido diploma legal.

Em 2007, a Lei 11.464/07, de cunho geral, deu redação nova ao art. 2º, inciso II, da Lei 8.072, e excluiu a vedação da concessão de liberdade provisória aos crimes de natureza hedionda e a eles equiparados.

Com isso, surgiu a discussão acerca da constitucionalidade da concessão de liberdade provisória aos delitos de tráfico de drogas.

A vedação é sem dúvidas, inconstitucional, pois, vejamos.

Como já mencionado, a Carta Magna prevê, em seu art. 5º, que aos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, será vedado o direito à fiança e serão insuscetíveis de graça ou anistia. Logo, percebe-se que a Constituição Federal de 1988 não veda a aplicação da liberdade provisória, nesses casos.

Os arts. 33, § 4º e art. 44, ambos da lei 11.343/06, apresentam vedação à concessão da liberdade provisória, e o renomado autor Guilherme de Souza Nuccientende pela inconstitucionalidade de referida proibição: "A alegação de que o tráfico é crime equiparado a hediondo e que a Constituição Federal o considera inafiançável, com a data vênia, não é sólida. Lembremos que o legislador constituinte sempre tratou o termo inafiançável com leviandade, pois sempre se permitiu, quando se encaixasse na situação do art. 310, parágrafo único, do CPP, a liberdade provisória sem fiança, desde que não estivessem presentes os requisitos da prisão preventiva. A doutrina, praticamente inteira, terminou por concluir ser a fiança um instituto morto no Brasil, de acordo com a sua atual inutilidade. Se aos mais graves crimes pode-se conceder liberdade provisória sem fiança, naturalmente, aos mais brandos não se pode fixá-la, pois seria ilógico. Diante disso, o fato dos crimes hediondos serem inafiançáveis não tem impedido a soltura dos réus, pois tais delitos processados, em virtude de liberdade provisória sem fiança. Por que justamente com o tráfico de drogas, crime equiparado a hediondo, haveria de existir um sistema bem mais rígido, fora da realidade cotidiana? Somente porque a lei ordinária impediu a liberdade provisória, com ou sem fiança? Este último argumento não é válido, pois há algum tempo o STF declarou inconstitucionais vários dispositivos do Estatuto do Desarmamento, que simplesmente impediam a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança. A única força efetiva a ser movida contra os desmandos demagógicos do Legislativo, que vez ou outra, ao sabor da mídia, quer impedir a liberdade provisória de réus, ferindo a presunção de inocência, pois a prisão se torna obrigatória e não fundamentada pelos requisitos do art. 312 do CPP, é o Poder Judiciário...". (Página1146/1148 – Tratado Jurisprudencial e doutrinário – volume II parte especial e Legislação Penal Especial).

Ressalta-se, ainda, que recentemente, o Supremo Tribunal Federal se manifestou sobre o assunto (HC 97.256 – RS),  sendo declaradas inconstitucionais a expressão "vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos", constante do artigo 44, da Lei nº 11.343/06, bem como a expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos", inserta no § 4º, do artigo 33, da lei 11.343/06, sendo que após tal julgado, começou a ser possível a aplicação do regime aberto e substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, o que torna desproporcional o acautelamento antes do trânsito em julgado da sentença, sendo, portanto, cabível a concessão da liberdade provisória.

Nesse sentido, encontra-se a jurisprudência de Minas Gerais:

 

HABEAS CORPUS - TRÁFICO ILÍCITO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE - PRISÃO EM FLAGRANTE - PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA - DECISÃO NÃO FUNDAMENTADA - CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. A Lei nº 11.464/07 que deu nova redação ao art. 2ª, inc. II, da Lei nº 8.072/90, afastando o óbice à concessão da liberdade provisória, é a norma aplicável por ser mais benéfica que a nova Lei Antitóxicos. O art. 44 da Lei 11.343/06, não é suficiente para impedir a concessão da liberdade provisória. A decisão que decreta a prisão preventiva ou indefere a liberdade provisória, que deve estar atrelada aos requisitos previstos no artigo 312 do Código de processo penal, sendo imperiosa a necessidade de fundamentação da decisão, com base em fatos que efetivamente justifiquem a excepcionalidade da medida. (HC nº 1.0000.08.481906-9/000(1), Des. Paulo Cézar Dias, Julgado em 14/10/2008, Publicado em 19/11/2008).

 

Tratar da inconstitucionalidade da proibição prevista no art. 44 da Lei 11.343/06 é de fundamental relevância, visto que é um direito individual importante que se encontra cerceado, qual seja a liberdade física do indivíduo, sendo certo que uma norma, se apresentar confronto com a Constituição Federal, não pode ter validade no mundo do jurídico.

Por fim, salienta-se que a novel Lei 12.403/11, trouxe a possibilidade de concessão de liberdade provisória, com aplicação de medidas cautelares diversas da prisão.

Conclui-se, que, nos dias atuais, a prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória é uma exceção, e não regra, sendo que preenchidos os requisitos, a liberdade provisória é cabível também aos delitos de tráfico de drogas, sendo que a vedação significa uma afronta a nossa própria Constituição.

 

  • REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

1. MARCÃO, Renato. Tóxicos. Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006. Nova Lei de Drogas. Editora Saraiva, 2009.

 

2. NUCCI, Guilherme de Souza. Tratado Jurisprudencial e doutrinário – Parte Especial e Legislação Penal Especial. Volume II. Editora Revista dos Tribunais.

 

3. BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Nova Prisão Cautelar, Doutrina, Jurisprudência e Prática. Editora Impetus.

 

4. Site tjmg.jus.br/jurisprudência