As cortinas da Súmula Vinculante n° 11 do Supremo Tribunal Federal


Porvinicius.pj- Postado em 06 dezembro 2011

Autores: 
PENHA, Marcos Andre Gomes da

 

RESUMO

Este trabalho tem o propósito de advertir sobre os motivos, recursos e pressupostos que envolvem a súmula vinculante n° 11, editada pelo Supremo Tribunal Federal em 13 de agosto de 2008, a qual determina que o uso de algemas passe a não ser mais a regra, mas sim a exceção, expondo ao risco todos que estiverem ao derredor do preso.

Ora, o fato de alegar que muitos presos são soltos durante o processo investigativo, alguns comprovadamente inocentes, não exime o risco de haver uma reação inesperada e sem dimensão por parte daquele que tem, temporariamente, sua liberdade cerceada.

Concernente ao poder de editar normativo vinculativo - mesmo que criticado por diversos magistrados - está devidamente consagrado na Constituição Federal, porém, cabe-se salientar que, até o presente momento, revela-se, em verdade, a forma legiferante do Poder Judiciário, ficando evidente o total desrespeito ao Estado Democrático de Direito.

Palavras-Chave: Artigo Científico. Conduta Policial. Direitos Humanos. Estado Democrático de Direito. Presunção da Inocência. Segurança Pública. Súmula Vinculante n° 11. Supremo Tribunal Federal.

THE CURTAINS OF BINDING ABRIDGEMENT N º 11OF THE SUPREME FEDERAL COURT

ABSTRACT

This work has the intention to warn on the reasons, resources and estimated that they involve binding abridgement n º 11, edited by the Supreme Federal Court in 13 of August of 2008, which more determines that the use of handcuffs pass not to be the rule, but yes the exception, displaying to the risk all that they will be to around of the prisoner.

However, the fact to allege that many prisoners are untied during the investigative process, some proven innocent, does not exempt the risk to have an unexpected reaction and without dimension on the part of that it has, temporarily, its curtailed freedom.

It withhold the power to edit normative moored - exactly that criticized for diverse magistrates - duly is consecrated in the Federal Constitution, however it is fit to point out that, until the present moment, one shows, in truth, the form legislator of the Judiciary Power, being evident the total disrespect to the Democratic State of Right

Word-Key: Scientific Article. Police Behavior. Human Rights. Democratic State of Right. Swaggerer of the Innocence. Public Security. Binding Abridgement n º 11. Supreme Federal Court.

 


INTRODUÇÃO

 

No Brasil, fundamentado em seu texto constitucional como um Estado Democrático de Direito[1], motivo pelo qual os direitos sociais e trabalhistas seriam tratados como direitos fundamentais, é uma apologia utópica governamental dizer que se respeitam os direitos da pessoa humana, pois não há como esperar ou querer que esta cumpra com seus deveres se o próprio governo utiliza-se de subterfúgios pra interpretar a Lei, utilizando-se desta para legislar em interesse próprio.

Como frisam SILVA & MAIOR (2008)[2] “Com efeito, o § 1º do art. 103-A, da Constituição, com a redação que lhe fora dada pela Emenda Constitucional n. 45, é claro ao fixar que: “A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.””

Ao vincular uma matéria conflituosa, que envolve diretamente Direitos Humanos, como é o caso em voga, o Supremo Tribunal Federal desrespeita a previsão legal descrita no caput e no § 1°, do Art 103-A da Constituição Federal Brasileira, não consultando, sequer, especialistas e organismos envolvidos, alegando-se apenas ser necessário conter a forma pela qual órgãos policiais conduzem as prisões efetuadas e, ressalta-se, que na maioria das vezes envolvem pessoas conhecidas na sociedade por utilizarem um “colarinho branco”.

DESENVOLVIMENTO

Ao desrespeitar os pressupostos do artigo 103-A da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal ameaça a conquista do Estado Democrático de Direito, que tem como princípios essenciais a legalidade, a justiça social, a igualdade e a segurança jurídica, não se desejando retrogradar ao Estado Policial nem a nenhuma outra forma de supremacia ditatorial de poder.

 

A súmula vinculante[3], orientação jurisprudencial obrigatória, via de regra, tem por finalidade avigorar uma determinada posição a qual exista uma controvérsia entre juízes de instâncias inferiores e o Supremo Tribunal Federal, que, em virtude do referido normativo vinculante, impõe o seu entendimento a estes.

Insta salientar que o estabelecimento de uma inclinação jurisprudencial vinculante permite deduzir que a Lei não possui esta mesma eficácia. Ora, a Lei, que possui sua gênese no desejo da coletividade, ratificada pelos representantes do povo no congresso nacional, pode, então, dobrar-se à pronúncia dos juízes da Corte Suprema, dando nova conotação à democracia.

Policiais, que já enfrentam as mazelas de um Estado falido, no que tange a segurança pública, péssimas condições materiais e de investimento em recursos humanos, têm sobre si mais um óbice: antes de algemar um cidadão, deverão verificar e analisar minuciosamente o seu nível de periculosidade, tendo que, ainda, elaborar um relatório detalhado, onde justificará o motivo pelo qual necessitou utilizar-se desta ação, pois caso não o faça, corre-se o risco de vermos o facínora sair solto e o policial, pasmem, preso.

A súmula adverte que, caso ocorra descumprimento ao texto emanado, aplicar-se-á pena ao infrator, ou seja, o nexo de causalidade para a aplicação da penalização na esfera civil, administrativa e penal consiste, diretamente, na inobservância do que fora determinado pela Suprema Corte.

“Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros,justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.[4]

Ora, pelo princípio da legalidade, somente mediante lei ordinária pode-se criar crimes e preceitos secundários (cominação de pena), entretanto, sem tomar conhecimento deste quesito, a Egrégia Corte, da noite para o dia, determinou a mudança material da ação, quando, em verdade, deveria sim adotar modificações na formalidade desta, a qual instintivamente provocaria alteração na conduta policial, desrespeitando, desta forma, os requisitos contidos no Art 103-A da Carta Magna.

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (grifamos)

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. (grifamos)

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

Substancialmente, o receio básico do Supremo Tribunal Federal é significativo e extremamente valoroso: dar magnitude aos direitos do preso, a começar pela presunção de inocência até o direito de ver sua dignidade humana e sua privacidade protegidas.

Nota-se que se buscou empecer o sensacionalismo exacerbado, impulsionado pela imprensa, a qual depreende todos os meios disponíveis para divulgar a prisão de cidadãos considerados de “grande magnitude”.

É verossímil dizer que o Supremo Tribunal Federal acertou ao reprimir com impetuosidade esse exagero, eis que o direito de informar não pode sobrepor-se ao direito à intimidade e à imagem do preso.

A pirotecnia que envolveu nos últimos tempos as ações policiais deu subsidio a grupos interessados em minar a ação repressiva do Estado, uma vez que em diversas oportunidades, a própria imprensa chegava aos endereços onde seriam efetuadas as prisões primeiro que os próprios policiais, exibindo o “candidato” a infrator como um prêmio, ferindo a presunção de inocência consagrada em nosso ordenamento maior.

Que se apurem os excessos e punam-se os responsáveis pelo “show”. Contudo, aproveitar esse fato para justificar o injustificável não é uma atitude que a sociedade espera da Egrégia Corte.

Ao invés de punir quem comete os abusos e os meios de comunicação, aproveita-se a oportunidade para, mais uma vez, criar regalias para uma “nova classe de presos”: os presos da alta sociedade, afinal nem todos são iguais perante a Lei, pois somente alguns usam colarinho branco.

CONCLUSÃO

Assim como chamou-nos a atenção o uso desregrado de Medidas Provisórias por parte do Poder Executivo, nos vemos, também, a mercê de Súmulas Vinculantes do Supremo Tribunal Federal, levando-nos a crer que uma ditadura com aparência democrática está presente em nosso Estado Democrático de Direito.

Utilizar-se da algema não caracteriza uso abusivo de força, mas, sim, um mecanismo legal cautelar da força policial, a qual além de ter sob sua tutela o preso, visa minimizar o risco a integridade deste, de terceiros e da própria equipe de policiais, face à reação de alarme[5], que ocorre instintivamente, pois conforme cita (BRAGA & LAGE, 2008) “é impossível prever acertadamente o comportamento de uma pessoa, de sua reação diante de uma situação de estresse agudo como no momento de uma prisão. Além disso, o próprio policial, encontra-se num estado de alerta, o que pode interferir na decisão do melhor procedimento a ser adotado”.

De qualquer forma, parafraseando as palavras do colunista da Revista Veja, André Petry, “(...) é cômico que no país da impunidade se tornem às algemas assunto de relevante interesse nacional (...)” (2008 p.67).

 


 REFERÊNCIAS

 

BRAGA, Miriam Regina; LAGE, Mariana Neffa Araujo. Parecer

psicológico encomendado pela Academia Nacional de Polícia. Brasília, 2008.

           

FUDOLI, Rodrigo de Abreu. Uso de algemas: a Súmula Vinculante nº 11, do STF. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1875, 19 ago. 2008. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11625. Acesso em: 16 set. 2008.

MAIOR, Jorge Luiz Souto; SILVA, Alessandro da. Súmula vinculante: um poder vinculado. o caso da súmula nº 4 do Supremo Tribunal Federal.Disponível em http://ww1.anamatra.org.br/sites/1200/1223/00000383.doc, acesso em  13 set 2008.

PETRY, André. A revolta das algemas.Veja.São Paulo, ano 41, n. 32, p.67, 13 agosto 2008.

RONCAGLIA, Daniel. STF restringe uso de algemas a situações excepcionais. http://www.damasio.com.br/?id_noticia=1054, acesso em 13 set 2008.

 


REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS

 

Constituição Federal de 1988, art. 1º, III, art. 5º, III, X , XLIX e LVII

Código Penal, art. 350.

Código de Processo Penal, art. 284.

Código de Processo Penal Militar, art. 234, §1º.

Lei nº 4898/1965, art. 4º .


NOTAS:

[1] qualquer Estado que se aplica a garantir o respeito das liberdades civis, ou seja, o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, através do estabelecimento de uma protecção jurídica. Em um Estado de Direito, as próprias autoridades políticas estão sujeitas ao respeito da regra de direito

[2]  Disponível em http://ww1.anamatra.org.br/sites/1200/1223/00000383.doc, acesso em  13-09-2009, às 11h55min.

 

[3] A medida, a princípio, visa a celeridade processual e segurança jurídica, já que com o vinculo, toda decisão proferida pelo Supremo torna-se uma espécie de lei, que deve ser seguida pelos demais órgãos do poder judiciário e administração pública em geral, acabando desta forma com as divergências entre os próprios órgãos. Vendo-se por este ângulo a alteração constitucional é positiva, no entanto, assim como as Medidas Provisórias editadas pelo poder executivo, pode haver uma distorção do verdadeiro sentido desta medida.

[5] O acionamento da reação de alarme pode ser tanto físico, como no caso de um ataque direto, quanto psicológico, como em um evento que é interpretado como ameaçador à integridade física, moral ou psicológica da pessoa, seja essa ameaça real ou imaginada. Lazarus RS (1993). "From psychological stress to the emotions: a history of changing outlooks". *Annual Review of Psychology* *44*: 1-22.