A desaposentação sem restituição do valor recebido durante a aposentadoria e o julgamento do Recurso Especial 1334488


Porwilliammoura- Postado em 13 maio 2013

Autores: 
CARDOSO, Oscar Valente

 

O STJ decidiu que é possível a desaposentação pelo INSS, mesmo sem devolução prévia dos valores recebidos na aposentadoria.

 

No dia 8 de maio de 2013, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (competente para uniformizar as decisões das 1ª e 2ª Turmas sobre benefícios previdenciários, conforme os arts. 9º, § 1º, XIII, e 12, IX, do RISTJ), decidiu no REsp 1334488/SC que é possível a desaposentação no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) brasileiro e que esse ato não é condicionado pela devolução prévia dos valores recebidos na aposentadoria.

 

A desaposentação é, basicamente, a abdicação da aposentadoria, com o objetivo de substituí-la por uma nova, aproveitando o tempo de contribuição e os salários-de-contribuição posteriores ao início daquela. Logo, é diferente da renúncia à aposentadoria, consistente no pedido de encerramento sem o interesse na concessão de outra. A desaposentação compreende necessariamente a substituição de uma aposentadoria por outra, e pode resultar no acréscimo de tempo de contribuição posterior ao início do benefício, ou somente o aumento da idade (e redução de expectativa de sobrevida), para a ampliação do fator previdenciário e da renda mensal do segurado aposentado.

 

Esse instituto é polêmico, por não ter previsão legal expressa, e possui duas controvérsias essenciais: (a) a existência – ou não – de um direito à desaposentação; (b) e a obrigatoriedade – ou não – da restituição dos valores recebidos na aposentadoria de que se abre mão.

 

Sobre a primeira discussão, o art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, prevê que “o aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado”.

 

 

Com base nessa norma, defende-se que, após o início de aposentadoria, não é permitido o retorno como beneficiário (além das exceções referidas), mas somente como contribuinte do RGPS. Em consequência, o ato de aposentação é irreversível, conforme prevê o art. 181-B do Decreto nº 3.048/99: “As aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social, na forma deste Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis”.

 

Também se afirma que, com fundamento no princípio da legalidade (administrativa), a falta de autorização legal expressa impede a desaposentação. Sustenta-se ainda que a aposentadoria é uma relação jurídica bilateral, entre o segurado e a Previdência Social, razão pelo qual a desconstituição do ato deve ser condicionada à aceitação das duas partes. Acrescenta-se que há uma burla ao fator previdenciário, pois o segurado pode se aposentar e manter o benefício até que o fator lhe seja favorável (igual ou superior a 1), pelo recolhimento posterior de contribuições ou apenas pelo aumento de sua idade, e pleitear o novo benefício.

 

Acerca da questão, o Enunciado nº 70 das Turmas Recursais do Rio de Janeiro dispõe que “é inviável a desaposentação no Regime Geral da Previdência Social para fins de aproveitamento do tempo de contribuição anterior para uma nova aposentadoria neste mesmo regime”.

 

Por outro lado, afirma-se que a aposentadoria é um ato voluntário, logo, o segurado pode desistir da continuidade dela, e que a proibição à renúncia é uma medida que protege o segurado, portanto, não pode ser interpretada no sentido de prejudicá-lo.

 

O princípio da legalidade também é utilizado como argumento, considerando que, aos particulares, o que não é expressamente proibido por lei é permitido.

 

Ao privilegiar a segunda corrente da primeira controvérsia, a 1ª Seção do STJ entendeu que a aposentadoria é um direito patrimonial disponível, o que autoriza a desistência por seu titular, independentemente de justificativa.

 

A segunda controvérsia diz respeito aos efeitos da desaposentação, ou seja, se o segurado retorna à situação jurídica anterior à aposentadoria, e deve restituir a quantia recebida (ex tunc), ou se incidem apenas a partir do pedido, dispensando-se a devolução dos valores (ex nunc).

 

Para quem segue a primeira posição, a indenização dos valores recebidos é imprescindível para a preservação do equilíbrio atuarial do sistema previdenciário, pois o INSS efetuou o pagamento do benefício durante determinado período, e não há no sistema previsão para, posteriormente, se conceder nova aposentadoria, em valor maior do que a cancelada.

 

De outro lado, quem defende o segundo entendimento afirma que, se não houve ilegalidade na concessão do benefício, não há razão para o reembolso. Ainda, sustenta-se que não ocorre prejuízo ao equilíbrio atuarial, tendo em visa que as contribuições posteriores à aposentadoria não são projetadas pelo sistema.

 

Conforme a Súmula nº 3 das Turmas Recursais do Rio Grande do Sul, “o tempo de serviço prestado após a aposentação somente poderá ser contado para concessão de nova aposentadoria se houver renúncia ao benefício ou desaposentação, com restituição de todos valores já recebidos”.

 

Complementando a concepção da aposentadoria como um direito patrimonial disponível, decidiu-se no REsp 1334488 que o direito de abdicar ao benefício não pressupõe a restituição do que foi recebido.

 

Logo, a decisão do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 1334488: (a) reconhece a existência de um direito à desaposentação; (b) e dispensa a necessidade de devolução da quantia recebida durante a aposentadoria.

 

Ainda, aplicou-se ao processo o rito dos recursos repetitivos previsto no art. 543-C do Código de Processo Civil, que, apesar de não ser vinculante, limitará o uso de recurso especial contra as decisões judiciais que não seguirem o julgado do STJ.

 

Porém, o assunto não foi definitivamente resolvido, considerando-se que o Supremo Tribunal Federal começou a decidir o assunto, no julgamento do RE 381367, em 16/09/2010. O relator, Min. Marco Aurélio, deu provimento ao recurso (dos segurados) e decidiu ser possível a desaposentação, com o fundamento principal de que o art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, não pode ser interpretado no sentido de vedá-la, sob pena de contrariar o art. 201 da Constituição. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do Min. Dias Toffoli e ainda não foi retomado.

 

Ressalva-se que a autorização da desaposentação, independentemente da devolução dos valores, deve conter regras e limites mínimos ao seu exercício, com a resolução de algumas questões: quantas desaposentações são permitidas para o mesmo segurado, uma ou mais? Sendo possível mais de uma, o segurado pode se desaposentar indefinidamente, em quantas oportunidades tiver interesse, ou isso deve ser limitado a um número máximo? No direito civil, a renúncia é um ato irrevogável, ou seja, uma vez realizado, não se admite a “renúncia da renúncia”; porém, considerando que é concedido um novo benefício, não há impedimento legal para a renúncia a ele, e sucessivamente para outros benefícios concedidos após novas desaposentações. Entretanto, isso pode criar situações abusivas (desaposentações mensais, anuais, etc.), sendo recomendável o estabelecimento (por lei, ou mesmo a uniformização pelos Tribunais) de limites objetivos para sua utilização pelos segurados do RGPS.




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