Do Momento para o Recebimento da Denúncia ou Queixa


PorFernanda dos Passos- Postado em 31 outubro 2011

Autores: 
PAULA, Juliana Gazzi Veiga de

A reforma do Código de Processo Penal, trazida pela Lei n. 11.719/2008, como de praxe, gerou diversas discussões acerca mudanças ocorridas, dentre as quais é importante destacar o momento do recebimento da denúncia ou queixa. A referida reforma trouxe dois dispositivos que prevêem o recebimento da denúncia ou queixa, o que levou à dificuldades de interpretação. Eis a nova redação dada pela Lei n. 11.719/2008, aos art. 396 e 399, ambos do Código de Processo Penal:

Art. 396.  Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.

(...)

Art. 399.  Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente.

O novo texto do CPP dividiu opiniões, pois, aparentemente introduziu dois momentos para o recebimento da denúncia, sendo um, logo após o seu oferecimento e antes da citação, e o outro, após a citação e a defesa preliminar, na qual o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa (art. 396-A).

Alguns doutrinadores têm sustentado que o recebimento da denúncia ocorreria após um contraditório prévio, entendendo que embora o legislador tenha utilizado o mesmo termo em ambos os artigos, eles teriam funções diversas. O primeiro recebimento (art. 396) estaria ligado à não rejeição liminar da denúncia ou queixa, ou seja, quando não houvesse razão para repelir-se a acusação, como se fosse um recebimento provisório. Em seguida, o acusado seria citado para apresentar resposta, podendo, inclusive, postular pela rejeição da acusação ou por sua absolvição sumária. O segundo recebimento ocorreria se, apresentada a defesa preliminar, os argumentos não fossem acolhidos, sendo o processo encaminhado para a fase de julgamento.

Tal entendimento deriva da divergência entre os textos aprovados e os constantes do Projeto n. 4.207/2001, que deu origem à Lei n. 11.719/2008. A intenção original do projeto era criar a possibilidade da apresentação de defesa pelo acusado antes do recebimento ou rejeição da peça acusatória, nos moldes do procedimento especial previsto para os crimes praticados por funcionário público. Entretanto, sofreu alterações pelo Congresso Nacional e a redação originalmente pretendida restou alterada para aquela hoje estampada no CPP.

A propósito, sobre o tema mister a transcrição de excerto da lição do autorizado processualista Cézar Roberto Bittencourt, em seu artigo "O recebimento da denúncia segundo a Lei n. 11.719/08":

 "Também não é de hoje que se discute a possibilidade de haver contraditório em momento anterior ao juízo de admissibilidade (recebimento da denúncia ou queixa); há vantagens nisso, tanto para o acusado (possibilidade de demonstrar desde logo que a ação é infundada) quanto para o próprio Estado Jurisdição (possibilidade de abreviar demandas inúteis e/ou aglutinar atos instrutórios).

(...)

Pois é justamente quanto ao recebimento da denúncia ou queixa que a Lei 11.719/08 enseja, a nosso sentir, maior controvérsia. O PL 4.207/01, que deu origem à lei, chegou ao Congresso Nacional com a proposta de uma uniformização dos procedimentos e, fora de qualquer dúvida, pretendendo um modelo de contraditório antecipado, em que o juízo de admissibilidade só aconteceria depois da manifestação defensiva;"

 

Em que pese o entendimento do renomado Professor, registre-se que outros doutrinadores defendem que, de acordo com o art. 396 do CPP, o recebimento ou não da denúncia deve se dar logo após o seu oferecimento. Ato contínuo o Juiz determinará a citação do acusado, para apresentar defesa preliminar. Tal posicionamento, deve-se à uma interpretação sistêmica e histórica do Código de Processo Penal, que permite concluir que foi acertada a emenda proposta pela Câmara dos Deputados – que mudou a inicial intenção do legislador de criar um contraditório prévio – , a qual consubstanciou-se na atual redação do CPP.

Diante da alteração do conteúdo original da norma, poder-se-ia inferir que, a princípio, o legislador pretendia que o recebimento da denúncia fosse precedido de contraditório, no entanto, essa vontade teria desaparecido a partir do acolhimento da emenda supracitada. Vê-se que mesmo após a reforma do CPP, o legislador continuou a entender que o contraditório somente viria depois de recebida a denúncia.

Observa-se que o legislador utilizou no art. 396 expressões como "recebê-la-á", "citação" e "acusado", que esclarecem a sua intenção ao determinar este como o momento inicial da relação processual. Saliente-se, que o citado dispositivo não deixa dúvidas ao afirmar que se o Juiz singular não rejeitar a denúncia ou queixa liminarmente, ele a receberá e ordenará a citação do acusado para responder à acusação.

Ressalta-se que segundo o art. 363 do mesmo texto normativo: "O processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado", ou seja, o processo criminal será instaurado quando o acusado for citado para apresentar a resposta preliminar, e não após esta. Seria até impossível conceber uma citação por edital para oferecer uma defesa preliminar – cujo termo inicial começa a correr com a apresentação do acusado em juízo – já que a denúncia sequer teria sido recebida.

Se forem analisados, ainda, os requisitos do mandado de citação, da carta precatória e do edital de citação (art. 352, 354 e 365 do CPP), observa-se que tais documentos deverão mencionar o juízo e o dia, a hora e o lugar em que o réu deve comparecer.  Considerando que estes documentos são expedidos somente após o recebimento da denúncia, e que neles deve conter a data da audiência, conclui-se que esta data deverá constar do despacho de recebimento da denúncia.

O promotor de justiça Norberto Avena, entende ainda que:

"Ora, compreender que o recebimento da peça vestibular somente ocorre na fase do 399 importa em concluir, também que será possível ao magistrado absolver sumariamente com base no art. 397 antes de recebida a denúncia ou a queixa e antes de se ter, propriamente, um processo, o que se afigura juridicamente impossível. (..) Portanto, parece-nos evidente que o verdadeiro recebimento da inicial ocorrerá logo depois de oferecida essa peça, caso não seja hipótese de rejeição liminar.

Vale destacar, ainda, que entre os problemas alhures levantados, o recebimento da denúncia após o exame da defesa preliminar, geraria uma instabilidade jurídica, uma vez que seria possível o Juiz analisar o mérito de um processo sem que este exista no mundo jurídico, já que a denuncia ainda não teria sido recebida. Não existiria sentença, afinal não houve processo, mas poderia essa decisão fazer coisa julgada material? Este o problema paira também sobre o rito especial para Funcionário Público, regulado pelos arts. 513 a 518, do CPP.

Diante do exposto, ressalte-se que, a fim de assegurar a regular tramitação processual, o recebimento da denúncia deve se dar após seu oferecimento, conforme determina o art. 396 do Estatuto Instrumentário Penal, haja vista que embora o art. 399, do mesmo ordenamento jurídico fale em recebimento da denúncia, está, apenas, remetendo àquele recebimento anterior (art. 396, CPP), já que, se não tivesse sido recebida, não poderia haver, sequer, audiência de instrução.

 

Bibliografia:

AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. São Paulo. Editora Método, 2011, 3ª edição. Localização: Acervo Particular.

BITTENCOURT, Cezar Roberto. O recebimento da denúncia segundo a Lei n. 11.719/08. Localizado em:

http://www.conjur.com.br/2008-set-29/recebimento_denuncia_segundo_lei_1171908

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo. Editora LT, 2010 10ª Edição. Localização: Acervo Particular.

RAFFAELE, Mário Savéri Liotti Duarte. Notas de Aula. Aula Ministrada na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – Campus Praça da Liberdade. Dia 19/10/2011. Acervo Particular.

VAZ, Daniel R. Recebimento da denúncia – Momento. Localizado em:

http://danielvazmsn.blogspot.com/2011/02/recebimeto-da-denunciamomento.html