Emendas constitucionais: uma abordagem crítica


Porvinicius.pj- Postado em 06 dezembro 2011

Autores: 
SOUZA, Cleverton Cremonese de

 

INTRODUÇÃO

            Estamos vivenciando um período de profundas alterações na ordem constitucional. A todo instante surgem novos projetos de alteração do texto constitucional. Todos os anos diversas emendas constitucionais são promulgadas, traduzindo a sensação de uma profunda instabilidade social e governamental.

            Diversas normas constitucionais são criadas, enquanto outras sequer tiveram sua regulamentação concretizada. A tônica contemporânea são as constantes reformas que a todo o momento emergem do Congresso Nacional.

Estaria a sociedade passando por um período tão conturbado, a ponto de necessitar uma radical alteração em suas leis, principalmente as constitucionais, ou será que a ânsia governamental, movida a interesses secundários, está ofuscando o brilho da democracia?

Primeiramente, partindo de uma recapitulação teórica do Poder Constituinte, procuraremos abordar a titularidade do povo no poder, para em seguida, com maior ênfase, tratar das emendas constitucionais e suas particularidades.

Ao final procuraremos tecer uma crítica ao atual momento vivenciado pelo país e às constantes alterações na Constituição Federal.

1. Constituição

            Antes de passarmos a debater o poder constituinte, necessário se faz uma breve conceituação do que seja constituição.

            No dicionário, a palavra constituição quer dizer ação ou efeito de constituir; compleição física; organização, natureza particular; formação; lei fundamental que regula os direitos, natureza do governo de um país; estatuto, norma, regra; colecção de regras que regem uma corporação, uma instituição.[1]

Na doutrina o termo não tem conceituação muito diferente. Citamos o conceito de José Afonso da Silva, que em seu Curso de Direito Constitucional Positivo, foi extremamente feliz em sua explicação:      

            A constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais. um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as suas respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado.[2]

A Constituição, conforme leciona de forma sucinta Maximilianus, é norma de ordem superior que dispõe sobre a organização do Estado, sobre direitos e garantias individuais e sobre outros assuntos considerados de especial relevância para uma determinada sociedade, em determinada época.[3]

            Celso Ribeiro de Bastos, apesar de esmiuçar o termo (constituição em sentido material, formal e substancial), o que não nos é interessante no presente trabalho, formalizou um conceito amplo de constituição:

            ...mesmo tendo em conta a sua acepção ambígua, a constituição parece ter um núcleo ou um centro que é comum a todos os conceitos, quer a tomemos pelo sentido formal, quer pelo substancial, ou até mesmo pelo material. Apesar das diferenças existentes entre eles, (...) cada um guarda para sai a mesma idéia, de que a Constituição é a estrutura íntima de um ser. (...) constituição significa a maneira de ser de qualquer coisa, sua particular estrutura. Nesse acepção, todo e qualquer ente tem a sua própria constituição. [4]

No direito estrangeiro, o notável doutrinador português José Gomes Canotilho, entende que constituição é uma ordenação sistemática e racional da comunidade política, registrada num documento escrito, mediante o qual garantem-se os direitos fundamentais e organizam-se, de acordo com o princípio da divisão de poderes, o poder político.[5]

Assim, a constituição, deve ser entendida como a lei basilar e superior de qualquer Estado. É ela que estabelece as diretrizes funcionais, estruturais e organizacionais do Estado, devendo apresentar, dentre outras coisas, os direitos, deveres e garantias dos cidadãos em relação ao Estado.

Podemos dizer, em sentido genérico, que todos os Estados possuem uma constituição, seja ela escrita ou costumeira, pois todo ente deve, de alguma forma, ter uma formação política.

E é neste contexto que podemos falar em Poder Constituinte, pois antes do surgimento de qualquer constituição, é necessária a organização de um povo no sentido de por em vigor, criar, ou até mesmo constituir normas jurídicas, que em momento posterior, formarão a constituição e regerão o Estado.

2 Poder Constituinte

Em breve conceituação, o Poder Constituinte pode ser definido como o poder de elaborar uma constituição.

Para Alexandre de Moraes, é a manifestação soberana da suprema vontade política de um povo, social e juridicamente organizado.[6]

O Poder Constituinte, na maior parte do tempo, não é exercitado, permanecendo inerte nas mãos do povo.

Como aduz Celso Ribeiro de Bastos, só é exercitado em ocasiões excepcionais. Mutações constitucionais muito profundas marcadas por convulsões sociais, crises econômicas ou políticas muito graves, ou mesmo por ocasião da formação originária de um Estado, não são absorvíveis pela ordem jurídica vigente. Nesses momentos, a inexistência de uma Constituição (no caso de um Estado novo) ou a imprestabilidade das normas constitucionais vigentes para manter a situação sob a sua regulação fazem eclodir ou emergir este Poder Constituinte, que, do estado de virtualidade ou latência, passa a um momento de operacionalização do qual surgirão as novas normas constitucionais.[7]

Ao longo do tempo, muitas teorias surgiram para explicar o poder constituinte, no entanto, a de Sieyès, elaborada no século XVIII, pouco antes da deflagração da Revolução Francesa, foi a que melhor explicou o assunto.

Emmanuel Sieyès, inconformado com o clero e com a nobreza francesa, que detinham os privilégios do Estado Francês, elaborou um panfleto intitulado de Qu’est-ce que lê tiers État?[8] (O que é o terceiro Estado?), que acabou se tornando um verdadeiro manifesto de reivindicações da burguesia na luta contra o privilégio e o absolutismo na época da revolução. Para ele, a nação (povo), que se identificava com o Terceiro Estado (burguesia), suportava todos os trabalhos particulares (a atividade econômica exercida na indústria, comércio, agricultura, profissões científicas e liberais, serviços domésticos, etc) e ainda exercia quase que a totalidade das funções públicas, excluídos apenas os lugares lucrativos e honoríficos, que eram ocupados pelos dois outros Estados (nobreza e clero), mas não detinham poder algum no Estado.

Embora possuíssem todo arcabouço necessário para constituir uma nação, eles não tinham poder de representação nenhum perante o Estado francês, enquanto que a nobreza, que detinha o poder, constituía um corpo estranho à nação, representando uma minoria, mas que possuía os privilégios e funções essenciais da máquina pública.

Assim, cobrando uma participação no poder, é que foi desenvolvida a teoria de Sieyès. Partindo de uma forma representativa de governo, em que a nação teria direitos iguais aos das ordens privilegiadas, ele distinguiu poder constituinte de poder constituído.

O poder constituinte seria inicial, autônomo e incondicionado. Inicial em razão de que não existe, antes dele, nem de fato nem de direito, qualquer outro poder. Autônomo em função de que somente a ele compete decidir se, como e quando deve se outorgar uma constituição à nação. É incondicionado porque não está subordinado a qualquer regra.

Quis Sieyès, na verdade, demonstrar que a nação (povo) seria a titular do poder constituinte. A vontade do povo, independentemente da existência de um poder anterior, deveria prevalecer na constituição de um Estado. A vontade constituinte deveria reproduzir fielmente a vontade do povo, pois só assim, poderíamos falar em uma Constituição legítima.

Ao revés das características que denotam o poder constituinte, os poderes constituídos são limitados e condicionados, sendo que suas organizações e atribuições são fixadas de acordo com a constituição.

Uma vez criada uma nova constituição, repisa-se, que deve refletir os desejos do povo, surge o poder constituído, em que é delegado a uma minoria (representantes do povo), que é incumbida de exercer da melhor forma e em prol do povo, o governo do Estado.

Por derradeiro, a teoria de Sieyès salientava ainda que o povo, nunca poderia perder a titularidade do poder. Se isto ocorresse, a constituição criada poderia ser alterada ou destituída por inteiro, a depender do grau de ferimento do poder usurpado.

A nação não pode perder o direito de querer e de mudar à sua vontade; não está submetida à Constituição por ela criada nem a formas constitucionais; seu poder constituinte permanece depois de realizada a sua obra, podendo modifica-la, querer de maneira diferente, criar outra obra, independentemente de quaisquer formalidades.[9]

Hoje, a doutrina, seguindo os ensinamentos de Sieyès, continua com o entendimento de que a titularidade do poder continua nas mãos do povo. A vontade constituinte é a vontade do povo, expressa por meio de seus representantes.[10]

Manoel Gonçalves Ferreira Filho ressalta que o povo pode ser reconhecido como titular do Poder Constituinte mas não é jamais quem o exerce. É ele um titular passivo, ao qual se imputa uma vontade constituinte sempre manifestada por uma elite. [11]

O Poder Constituinte costumeiramente é classificado como Originário e Derivado, no entanto, há uma outra corrente doutrinária que inclui o Poder Constituinte Decorrente na classificação.

2.1 Espécies de Poder Constituinte

Como já salientado, hodiernamente a doutrina tem classificado o Poder Constituinte como Originário e Derivado.

O primeiro seria o encarregado de produzir, de forma primitiva, o texto constitucional, enquanto que o segundo, seria aquele instituído na própria Constituição para o fim de proceder à sua reforma.

Luiz Gurgel de Faria, Desembargador Federal da 5a Região, esclarece que a(ou, já adiantando o expediente que será tratado ao final, quando o interesse dos governantes se sobrepõe ao do povo, e mudam a Constituição de acordo com seus planos de governo), a exigirem uma correspondente mudança na Carta, de acordo com as normas previamente ditadas, que limitam e condicionam o exercício desse poder.[12] (comentário nosso) produção originária se dá na hipótese da primeira Constituição de um Estado ou no caso de modificação revolucionária da ordem jurídica, quando não há continuidade do ordenamento constitucional anterior. Já a derivada ocorre nas hipóteses de necessidade de alteração da Lei Maior, em face de modificações existentes na sociedade

O Poder Constituinte Originário, direto ou de primeiro grau, como escreve Führer é aquele que elabora Constituição nova, sendo por isso inicial, autônomo e incondicionado, não se limitando por quaisquer conceitos anteriores. Tal poder é exercido por uma autoridade inicial de um Estado, por uma Assembléia Constituinte ou por movimento revolucionário vitorioso.[13]

O derivado, indireto ou de segundo grau, é o Poder Constituinte que reforma uma Constituição já existente, dentro das regras e matérias por ela previstas. Tal poder é subordinado e condicionado, tendo que obedecer aos procedimentos e limites constitucionais que lhe foram traçados, sob pena de inconstitucionalidade.[14]

Percebe-se claramente que o Poder Constituinte Originário, comentado pela doutrina contemporânea, assemelha-se em muito ao Poder Constituinte imaginado por Sieyès no século XVIII, enquanto que o Poder Constituinte Derivado, se equipararia ao Poder Constituído, também comentado por ele na ocasião.

3 O Poder Constituinte Derivado

Para retomarmos o rumo a ser debatido no presente trabalho, temos que focar nossas atenções no Poder Constituinte Derivado, também chamado por muitos de Poder Reformador, haja vista sua característica principal, que é a de reforma da Constituição.

Antes de mais nada, é necessário salientar que o Poder Constituinte Derivado se expressa somente nas Constituições ditas rígidas, que por conseqüência também são escritas, pois nestas Constituições, as reformas só podem ocorrer desde que previstas e encartadas em texto constitucional, exigindo-se, para se proceder as alterações, certos requisitos específicos. É o caso da nossa Constituição Federal (veremos adiante).

Uma vez estabelecida pelo Poder Constituinte Originário, num primeiro momento, acreditava-se que a Constituição seria eterna, que a vontade do povo sempre seria abarcada pela Lei Maior. Entretanto, passados os anos, verificou-se uma intensa mutabilidade social, marcada por guerras, revoluções, evoluções científicas e tecnológicas, o que obrigou os textos constitucionais a seguirem a mesma linhagem.

Mas como fazer para acompanhar o desenvolvimento do povo? De tempos em tempos extirpar a Constituição vigente e criar uma outra?

Já vimos que a resposta é negativa, não seria possível aclamar ao Poder Constituinte Originário cada vez que a sociedade apresentasse algum tipo de alteração que necessitasse de abrigo constitucional. O Poder Constituinte Originário é ilimitado e autônomo, não mantendo relações com o direito anterior.

Por isso é que se passou a falar em Poder Constituinte Derivado. Sem a necessidade de romper com os laços constituintes presentes, mantendo-se a ideologia, seria possível alterar o texto da Carta Magna.

Percebe-se então, que o Poder Constituinte Derivado está inserido na própria Constituição, pois decorre de uma regra jurídica de autenticidade constitucional[15], tendo suas limitações postas de forma expressa, ou até mesmo implícita, no próprio corpo Constitucional.

Apresenta como características, ser derivado, subordinado e condicionado. É derivado porque retira sua força do Poder Constituinte originário; subordinadocondicionado porque seu exercício deve seguir as regras previamente estabelecidas no texto da Constituição Federal.[16] (grifo nosso). porque se encontra limitado pelas normas expressas e implícitas do texto constitucional, às quais não poderá contrariar, sob pena de inconstitucionalidade; e, por fim,

A doutrina trata o Poder Constituinte Derivado como sendo de duas formas:

O Poder Constituinte Derivado Decorrente, consiste nos poderes constituintes que a Constituição Federal atribuiu aos Estados Federados, para que, dentro dos limites fixados, se auto-organizarem por meio de suas constituições estaduais. São poderes, por óbvio, subordinados e condicionados aos preceitos constitucionais.[17]

O Poder Constituinte Derivado Reformador, consistente na possibilidade alterar-se o texto constitucional, respeitando-se a regulamentação especial prevista na própria Constituição Federal e será exercitado por determinados órgãos com caráter representativo. No Brasil, pelo Congresso Nacional.[18]

Para os fins deste trabalho, apenas a segunda categoria nos interessa.

Por ocasião da Constituição Federal de 1988, o Poder Constituinte Originário conferiu ao Congresso Nacional a competência para alterar o texto constitucional. Essas alterações são feitas através das chamadas emendas constitucionais, que parecem ter virado moda perante o Congresso, haja vista a grande quantidade de emendas que entraram em vigor desde a promulgação da Carta de 1988 (48 num total).

4 Emendas Constitucionais

A emenda constitucional é o caminho normal que a Constituição Federal estabelece para a introdução de novas regras e preceitos no texto constitucional. O estatuto supremo tem nesse instrumento do processo legislativo o meio apropriado para manter a ordem normativa superior adequada com a realidade e as exigências revisionistas que forem se manifestado.[19]

Consta na história romana que havia um deus de nome Janus, que tinha duas faces voltadas em sentidos opostos (Janus Bifrons). Era ele o senhor das portas, com visão para o passado e para o futuro, para direita e para a esquerda, para a paz e para a guerra, rio acima e rio abaixo.[20]

Para uma melhor compreensão, podemos dizer que assim é a emenda constitucional. Bifronte. Olhada de um lado, ela é a própria Constituição modificada, mas se observada por outro ângulo, ela se subordina à Constituição, podendo ser invalidada se não estiver de acordo com os ditames constitucionais.

Temos que ter em mente que não só pelas emendas constitucionais a Constituição Federal pode ser alterada. Com o desenvolvimento progressivo da jurisprudência e da doutrina, dos usos e costumes, os conceitos expressos na Lei Maior são alterados, sem a necessidade de alteração do texto constitucional. As leis hierarquicamente inferiores também, de certa forma, por regularem texto constitucional, como longa manus da própria Constituição, também refletem alterações no berço constitucional.

A Constituição Federal não é um sistema fechado, e por conseqüência, sofre efeitos externos, emanados do povo. Quando estes efeitos acabam por ocasionar uma mutação mais intensa, que recai sobre o texto constitucional, as emendas constitucionais entram em ação.

Diz o artigo 60 da Constituição Federal que a Constituição Federal poderá ser emendada por proposta de iniciativa de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, do Presidente da República, ou de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

Art. 60 - A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II - do Presidente da República;

III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. 

Além dos legitimados acima expostos, por muito tempo perdurou nas constituições brasileiras, o povo como expressamente legitimado para propor uma emenda constitucional. Desde a Constituição de 1891 havia a regra de que por iniciativa popular poderia ser proposta uma emenda constitucional, entretanto, a partir de 1969, esse texto foi suprimido.

Embora não tenha previsão expressa na atual Constituição, é claro e praticamente unânime o entendimento da doutrina e dos tribunais, de que o povo pode, assim como acontece com as leis complementares e ordinárias (art. 61, §2º, CF), propor um projeto de emenda constitucional, desde que o projeto seja subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.

Como o povo é o titular do Poder Constituinte, nada mais justo que ele possa participar de forma ativa nos projetos de emenda da Constituição.

A elaboração de emendas à constituição, não apresenta maiores dificuldades. É apresentada uma proposta pelos legitimados acima expostos, e em seguida, será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada quando obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos membros de cada uma delas (art. 60, §2º, CF).

Uma vez aprovada, a emenda constitucional será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem, passando a integrar o texto constitucional e a ter a mesma natureza e força hierárquica das demais normas constitucionais. Perceba que as emendas não estão sujeitas à sanção presidencial.

Se rejeitada ou havida prejudicada, não poderá mais ser objeto de nova proposta na mesma seção legislativa (art. 60, §5º, CF).

Elaborada com desrespeito ao procedimento especial estabelecido na Constituição, ou se ferir preceito que não possa ser objeto de emenda, poderá ser declarada a inconstitucionalidade da emenda pelo Poder Judiciário, assim como acontece com as leis ordinárias.

Toda a Constituição pode ser emendada, exceto algumas limitações de natureza material, circunstancial e formal, que servem para preservar os valores essências previstos pelo constituinte originário.

As limitações de natureza material ou substancial, são as chamadas cláusulas pétreas, previstas pelo artigo 60, §4º da Constituição Federal, que prevêem que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais.

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

Como tais matérias são o cerne da Constituição Federal, possibilitar emendas constitucionais tendentes a abolir os direitos ali elencados, seria o mesmo que desvirtuar a Constituição Federal e retirar da esfera do povo a legitimidade e o poder constituinte.

É de se salientar, que ao contrário do que muitos pensam, o rol do artigo 5º da Constituição Federal, não esgota os direitos e garantias individuais (art. 60, §4º, IV, CF) previstos na Constituição, sendo que o Supremo Tribunal Federal[21] já considerou como cláusula pétrea vários outros dispositivos dispersos no texto da Carta Magna, como por exemplo o artigo 150, III, b, que trata do princípio da anterioridade tributária.

Os limites circunstanciais das emendas são aqueles que evitam modificações na Constituição em certas ocasiões anormais e excepcionais do país. Assim, durante a vigência de estado de sítio, estado de defesa ou intervenção federal, não poderá o texto constitucional sofrer alterações (art. 60, §1º, CF). Se já houver alguma proposta em tramitação, seu andamento ficará suspenso até que o país volte à normalidade.

Não podemos confundir limitações circunstanciais com limitações temporais. As chamadas limitações temporais, não foram consagradas por nossa Constituição Federal e eram  consistentes na vedação, por determinado lapso de tempo, de alterabilidade das normas constitucionais.[22]

Os limites formais, são os limites referentes ao procedimento legislativo especial que deve ser adotado para a emenda da Constituição. Já tratamos sobre o assunto.

Existem ainda certas limitações que estão implícitas na Constituição. Não estão dispostas no texto da Constituição, mas devem ser observadas pelo Poder Constituinte Derivado, pois em caso contrário, de nada adiantaria o estabelecimento das vedações expressas.

 No dizer de José Afonso da Silva, são elas:

(1) “as concernentes ao titular do poder constituinte”, pois uma reforma constitucional não pode mudar o titular do poder que cria o próprio poder reformador;

(2) “as referentes ao titular do poder reformador”, pois seria despautério que o legislador ordinário estabelecesse novo titular de um poder derivado só da vontade do constituinte originário;

(3) “as relativas ao processo da própria emenda”, distinguindo-se quanto à natureza da reforma, para admiti-la quando se tratar de tornar mais difícil seu processo, não aceitando quando vise atenua-lo.[23]

Assim, é impossível a reforma da Constituição no que concerne às limitações expressas do artigo 60, como por exemplo a proibição de abolição das cláusulas pétreas ou então da titularidade do Poder Constituinte Derivado. Não porque há uma cláusula constitucional expressa neste sentido, mas sim porque implicitamente, se a Constituição elaborada pelo Poder Constituinte Originário assim dispôs, não seria possível que uma emenda constitucional contrariasse a vontade do legislador primário. Isto iria contra os princípios da própria constituição, ferindo-a profundamente. Não pode o delegado invadir a esfera de poder do delegante.

No direito estrangeiro, encontramos procedimentos muito diferentes de emenda constitucional. Por exemplo nos Estados Unidos da América, o sistema é chamado de constitutional emendments e prevê que os órgãos legislativos estaduais podem iniciar o procedimento de emenda:

O Congresso, sempre que dois terços de ambas as Câmaras julgarem necessário, proporá emendas a esta Constituição, ou, por solicitação dos órgãos legislativos de dois terços dos Estados, convocará uma convenção para propor emendas, que em qualquer dos casos serão válidas para todos os efeitos e fins, como parte desta Constituição, depois de ratificadas pelos órgãos legislativos de três quartos de todos os Estados, ou por convenções reunidas em três quartos deles, conforme um ou outro modo de ratificação seja proposto pelo Congresso, desde que nenhuma emenda feita antes do ano de mil oitocentos e oito afete de qualquer maneira a primeira e a quarta cláusulas da seção nove do artigo primeiro, e nenhum Estado, sem o seu consentimento, seja privado de voto igual no Senado.[24]

Na Suíça, além da aprovação de emenda pela Assembléia Nacional (Congresso Federal), deverá ainda ser ratificada por referendo popular, admitindo-se ainda a iniciativa popular (art. 118 a 123 da Constituição Suíça).

Na Argentina, o artigo 30 da Constituição mais antiga da América do Sul dispõe sobre reforma constitucional:

A Constituição pode ser reformada no todo ou em qualquer de suas partes. A necessidade de reforma deve ser declarada pelo Congresso com o voto de dois terços, ao menos, de seus membros: mas não se efetuará senão por uma Convenção convocada para esse fim.

Embora não exista previsão expressa de participação popular, a Constituição argentina exige para qualquer reforma, a convocação de uma Assembléia com poderes específicos.

5 Conclusão Crítica

Superados os períodos conturbados na história, em que a grande massa populacional era tratada como subalterna dos grandes líderes que habitavam o poder, chegou o momento do povo retomar as rédeas do poder.

Foram tempos de muito sofrimento, muitas guerras, muito sangue derramado para que o povo chegasse lá. Mas ele chegou firme e forte. É tempo de democracia. Aleluia!!!!

Com a promulgação da Carta Constitucional de 1988, o povo brasileiro se viu aliviado. A chamada Constituição do povo, fez o povo emergir ao poder. Ganhamos igualdade, liberdade de expressão, direito de voto, eleições livres, maior participação no poder da nação. Ufa! Quanta coisa que nem sabemos o que podemos fazer com elas.

Passamos a comandar o país!

É, mas o que se viu, ou melhor, passou batido por debaixo de nossas narinas, era o cheiro de corrupção que rodeava o Palácio do Planalto. Collor, PC Farias e Cia...

Era a primeira experiência democrática de nosso país, que acabou resultando no impeachment do presidente.

A tão sonhada democracia sentia os impactos de um país despreparado, que vivia em conflito consigo mesmo.

Desigualdades sociais, miséria, fome, analfabetismo, desemprego e baixo crescimento econômico eram as vertentes do poder.

Mas enfim, o que isso tem a ver com as emendas constitucionais?

Pois bem, a resposta para isso se encontra no próprio texto constitucional.

Por ocasião da promulgação da Constituição de 1988, o constituinte estabeleceu nos Atos das Disposições Transitórias[25], um período de atualização e adaptação da Constituição Federal, em que ocorreria uma facilitação nas mudanças constitucionais.

O Congresso Nacional se reuniria em sessões unicamerais e votaria em único turno os projetos de emenda à Constituição, tendo que respeitar somente o quorum de maioria absoluta, ao invés dos três quintos exigidos em duplo turno em cada uma das Casas para uma reforma ordinária. Perceba que seria uma maneira muito mais fácil de se emendar a Constituição.

Entretanto, esgotado o prazo de revisão (ano de 1993), o que se viu foi que esta passou praticamente em branco, tendo sido aprovadas apenas sete emendas, sendo que nenhuma foi tão importante quanto as que são aprovadas agora. As emendas revisionais aprovadas criaram o Fundo Social de Emergência, que era provisório, alteraram a questão da nacionalidade e criaram algumas regras políticas e eleitorais novas.

Esse fracasso político ocorreu devido aos problemas políticos e sociais que o país presenciava. Ocorreu grande mobilização civil, que ocasionou grande número de propostas de emendas de várias entidades e segmentos sociais ao Congresso Nacional. Este, por sua vez, em virtude da frágil situação política assistida, encerrou abruptamente o período revisional, ignorando as contribuições que ele poderia ter ofertado.

Superado este período, que deveria ter sido o período de atualização da Constituição, aí sim começaram a chover as emendas constitucionais.

Nos cinco anos subseqüentes, o que se viu foi a aprovação de quase 20 emendas constitucionais. No total, até agora já são 64 emendas, sendo que muitos projetos estão à beira da aprovação no Congresso Nacional.

São tantas emendas que temos a sensação de que a Constituição elaborada pelo Poder Constituinte de 1988 já não é mais a mesma.

É natural que com o passar dos anos, no mundo globalizado que vivemos, com a evolução científica e tecnológica, com o aperfeiçoamento da doutrina e da jurisprudência, o texto constitucional sofresse algumas alterações para se igualar ao direito público moderno, no entanto, será que seriam necessárias tantas alterações assim?

Se no período estabelecido pela Assembléia Constituinte, quando a possibilidade de alteração era muito mais viável, a Constituição Federal não foi praticamente modificada,  porque é que agora, com um procedimento muito mais penoso, ela sofre constantes alterações?

Ao meu ver, o povo, representado pela Assembléia Constituinte de 1988, desejou que passados 05 anos da promulgação, a Constituição fosse alterada para acompanhar a evolução que naturalmente o povo brasileiro sofreria após o decurso do prazo turbulento que tomava conta do país.

Como era um período litigioso que o Brasil vivenciava, estávamos saindo da ditadura militar e partindo para o campo desconhecido da democracia, nada mais natural do que o idealismo brasileiro sofrer alterações. Essas alterações no seio do povo brasileiro foram previstas pelo legislador de 1988, e ele quis, que decorrido o quinqüênio da vigência constitucional, ela sofresse alterações para acompanhar esse evolucionismo.

Entretanto, esgotado o prazo, a Constituição pouco foi alterada neste sentido, e ela continuou com o idealismo arcaico da época de sua promulgação.

Aos poucos, o Congresso Nacional tenta consertar os furos constitucionais existentes, porém, em meio ao percurso, muitas vezes retira o foco de suas atenções da sociedade, e passa a enxertar normas que não deveriam ser constadas no diploma constitucional.

É esta a razão de tantas emendas constitucionais que brotam do Congresso Nacional. Muitas são realmente necessárias, são provas reais da mudança ideológica do país, no entanto, outras, retratam o visionismo arcaico de certos congressistas, que ao invés de lutarem pelo bem da democracia, se prendem a interesses estranhos ao da nação, buscando muito mais o bem de certa porção que detém o poder, do que o da massa populacional.

A respeito disso, vide o termo “mensalão” no jornal nacional em horário nobre. São tantos interesses alheios que são debatidos, que temos a impressão de que o povo já não detém mais o poder.

A Constituição é do povo. É ele quem detém o Poder Constituinte, por isso, todas as normas que são adicionadas ao texto constitucional, teoricamente devem passar pelo crivo da população, sob pena de estarmos ofendendo e retirando a legitimidade do povo frente ao Estado. No século XVIII Emmanuel Sieyès já previa isso.

Não ousaremos entrar no mérito das emendas constitucionais até aqui promulgadas, para dizer se são ou não de interesse do povo, se representam ou não as aspirações coletivas, mas fica aqui o nosso protesto para que o Congresso Nacional siga seu trabalho sempre focado no fim precípuo a que foi designado, ou seja, ser o reflexo do povo no poder.

Analisando ainda por outro ângulo, temos que ter a exata noção de que com a inserção de muitas normas no texto constitucional, ela se torna demasiadamente analítica e específica, engessando-a, pois se tudo passar a integrar o texto constitucional, com a evolução e o passar dos tempos, a manutenção destas normas aprisionarão o legislador infraconstitucional, coibindo-o de acompanhar o desenvolvimento.

As alterações no texto constitucional são extremamente necessárias para que o ordenamento jurídico brasileiro acompanhe as evoluções naturais do povo, todavia, temos que pautar o conteúdo das informações inseridas, para que amanhã, ou depois, não sejamos enteados pela nossa própria teia.

Por fim, queremos ressaltar a importância de ficarmos atentos ao que acontece no país, pois foram mais de 20 anos de luta do povo brasileiro para chegarmos ao poder democrático, e não podemos deixar que sorrateiramente este domínio fuja de nossas mãos, pois quando nos dermos conta, podemos partir de dominantes, para verdadeiros manipulados pelo poder da minoria.

 


REFERÊNCIAS

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1994.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Coimbra Editora, 1994.

FARIA, Luiz Alberto Gurgel. O direito adquirido e as emendas constitucionais. Disponível em . Acesso em 29 ago 2005.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O poder constituinte. São Paulo: Saraiva, 185.

FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Resumo de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.

LOPES, Maurício Ribeiro Antonio. Poder constituinte e reformador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003. [1]SIEYÈS, Emmanuel. Que es el tercer estado? MadridL Aguilar, 1973.

PRIBERAM, Dicionário da Língua Portuguesa On-Line. Disponível em: . Acesso em 28 ago 2005.

SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998.


Notas:

[1] PRIBERAM, Dicionário da Língua Portuguesa On-Line. Disponível em: . Acesso em 28 ago 2005.

[2] SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998. p. 39/40.

[3] FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Resumo de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 36.

[4] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. p. 59.

[5] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Coimbra Editora, 1994. p. 151.

[6] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 54.

[7] BASTOS, op. cit.,  p. 27.

[8] SIEYÈS, Emmanuel. Que es el tercer estado? MadridL Aguilar, 1973.

[9] BASTOS, op. cit.,  p. 30/31.

[10] MORAES, loc. cit.

[11] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O poder constituinte. São Paulo: Saraiva, 185. p. 15.

[12] FARIA, Luiz Alberto Gurgel. O direito adquirido e as emendas constitucionais. Disponível em . Acesso em 29 ago 2005.

[13] FÜHRER, op. cit.,  p. 39.

[14] Ibid.

[15] LOPES, Maurício Ribeiro Antonio. Poder constituinte e reformador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 134.

[16] MORAES, op. cit., p. 55.

[17] Para boa parte da doutrina o Poder Constituinte Derivado Decorrente seria autônomo em relação ao Poder Constituinte Derivado. Figuraria como mais uma forma de Poder Constituinte.

[18] MORAES, loc. cit.

[19] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1994. p. 184.

[20] FÜHRER, op. cit.,  p. 42/43.

[21] Adin 939-7/DF

[22] MORAES, op. cit., p. 526.

[23] SILVA, op. cit., p. 70.

[24] Art. V da Constituição Federal Norte Americana de 17 de setembro de 1787.

[25] Art. 3º. A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.