A exceção da verdade dos crimes contra a honra e a Lei n° 11.313/06


PorPedro Duarte- Postado em 19 novembro 2012

Autores: 
Lucas Tadeu Lourencette

Trata da redação da Lei n° 11.313/06, que uniformizou o entendimento de "menor potencial ofensivo" das leis n° 9.099/95 e 10.259/01. Mas essa mesma lei não pacificou um detalhe nos crimes contra a honra: como ficará a exceção da verdade?

Com o advento da Lei n° 11.313/06, o conceito de "menor potencial ofensivo" foi uniformizado - Lei n° 9.099/95 e a Lei n° 10.259/01, as quais antes causavam algumas discussões e polêmicas. Para salientar, colocaremos a seguir os três artigos da lei n° 11.313, de 28 de junho de 2006:

Art. 1° Os arts. 60 e 61 da Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995, passam a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis. Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa”.

Art. 2° O art. 2° da Lei n° 10.259, de 12 de julho de 2001, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 2o Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrente da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis”.

Art. 3° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

A mencionada Lei, foi publicada no dia 28 de junho de 2006, portanto está em pleno funcionamento.

Nesta reportagem iremos abordar os crimes contra a honra e a exceção da verdade com o advento da lei n° 11.313 de 28 de junho de 2006. Para isso, vamos elucidar alguns pontos, a seguir:

Crimes Contra a Honra Como nos ensina Gustavo Octaviano Diniz Junqueira, os crimes contra a honra são um "conjunto de atributos morais, físicos e intelectuais da pessoa, que lhe conferem auto-estima e reputação".

Podemos ter a honra objetiva e a honra subjetiva: A primeira refere-se à reputação e, a segunda, à auto-estima.

Ainda nas palavras de Gustavo O. D. Junqueira – "Honra objetiva pode ser compreendida como o juízo que terceiros fazem acerca dos atributos de alguém. Honra subjetiva, o juízo que determinada pessoa faz acerca de seus próprios atributos".

Há três crimes contra a honra, elencados no Código Penal, que são: Injúria, Calúnia e Difamação. A primeira relaciona-se com a honra subjetiva, e, as demais, com a honra objetiva. Conforme acima, existem também outras leis que mencionam outros crimes contra a honra (ex.: Lei de Imprensa – Lei n° 5.250/67), além do Código Penal, mas eles não fogem dessas três figuras típicas supra mencionadas.

A Lei n° 11.313/06 e os Crimes Contra a Honra Sob Análise do Código Penal.

Com a nova redação dada pela Lei n° 11.313/06, podemos entender que todos os crimes contra a honra, exceto a injúria qualificada (art. 140, §3°, CP), são crimes de menor potencial ofensivo e devem ser processados perante os Juizados Especiais Criminais, já que as penas máximas abstratas não ultrapassam 2 (dois) anos.

A já citada, injúria qualificada (art. 140, §3°, CP), conforme dito, continua no procedimento especial adotado pelo Código de Processo Penal – arts. 519 a 523, pois sua pena máxima abstrata é 3 (três) anos, sob o regime de reclusão, sendo assim, não há como cogitar, neste caso, os juizados especiais criminais. Até nesse ponto tudo é pacífico, sem problema algum. Porém...

Há ainda uma controvérsia sobre o tema: A exceção da verdade. – Veremos a seguir:

Exceção da verdade (ou notoriedade)

Poderá o acusado alegar que é verdadeiro ou alegar que todos tenham conhecimento de que o fato imputado à vítima é verdadeiro, se a lei o permitir (nunca caberá na injúria). No primeiro caso é a exceção da verdade, no segundo, da notoriedade. Essas exceções são processadas simultaneamente com a ação, inclusive, neste mesmo ato, serão ouvidas as testemunhas, tanto de acusação, quanto as de defesa da ação e as da exceção.

Essas exceções só são admitidas na calúnia e na difamação.

Na calúnia a exceção não é admitida:

  • Se o crime for de ação penal privada – o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;

  • Se o fato imputado for contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro, e;

  • Se o crime, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.

Na calúnia, é admitida a exceção por causa do próprio tipo penal. Vejamos:

"Art. 138. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime". (grifo nosso)

O tipo penal é claro ao dizer "imputar falsamente", sendo assim, para que se configure crime de calúnia, o fato imputado à eventual vítima, necessariamente, deve ser FALSO. Caso seja comprovado que o fato imputado é verdadeiro, o tipo penal não estará com seus requisitos preenchidos, portanto não será crime.

Na difamação, a exceção é admitida somente se o ofendido for funcionário público e a ofensa for relacionada com suas funções públicas. É possível a exceção neste caso, pois a Administração Pública tem interesse em apurar o fato depreciador por ele cometido nas suas funções ou em razão delas. Como Fernando da Costa Tourinho Filho diz – "A indevassabilidade da honra, nessa hipótese, por razões óbvias, encontra uma exceção".

Como é o procedimento da exceção? a) intimação do autor para contestar: Através de despacho, o juiz irá declarar se aceita ou não a exceção. Caso aceite, mandará intimar o querelante ou o MP para contestar a exceção em 2 dias, caso achem necessário (art. 523, CPP). b) Contestação do autor: Nesta contestação, o autor (querelante ou MP) poderá alterar o rol de testemunhas da petição incial, ou seja, poderá substituir ou completar o rol de testemunhas até então arroladas, não podendo, é claro, ultrapassar o limite legal de 8 (oito) testemunhas.

A oportunidade do acusado em argüir a exceção da verdade será logo após o Interrogatório, precisamente na Defesa Prévia (no procedimento especial dos crimes contra a honra). O acusado só pode argüir nessa oportunidade, sob pena de ter seu direito precluso. Em outra situação, o acusado não poderá argüir a exceção.

Para ressaltar, a "Exposição de motivos da parte especial do código penal", diz:

49. (...) A fides veri ou exceptio veritatis é admitida, para exclusão do crime ou de pena, ...

Pronto! Está instalado o problema.

E o problema não é só nos crimes comuns (Código Penal), mas também nos crimes de imprensa (Lei n° 5.250/67), especificamente na difamação – nesta lei, a pena máxima abstrata deste crime é de 18 (dezoito) meses – Art. 21, Lei n° 5.250/67, então se enquadraria também a um crime de menor potencial ofensivo. No caso da calúnia de imprensa, é também admitida a exceção da verdade (prova da verdade – Art. 20, Lei de imprensa), porém a pena máxima abstrata, neste caso, é 3 (três) anos, incabível portanto, o rito no Juizado Especial (a exceção, na lei de imprensa, será processada igualmente ao dos crimes comuns – art. 48, Lei n° 5.250/67).

Como processar a exceção da verdade na Lei n° 9.099/95 ???

A redação da Lei n° 11.313/06 é clara em afirmar que todos os crimes com pena máxima abstrata não superior a dois anos será, obrigatoriamente, processada pelos juizados especiais criminais.

Eu digo serem procedimentos incompatíveis, uma vez que a Lei n° 9.099/95 não comporta essa exceção, vejamos:

"Art. 2°. O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade..."

"Art. 62. O processo perante o Juízado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade..."

"Art. 65. Os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais foram realizados, atendidos os critérios indicados no art. 62 desta (9.099/95)". (adição e grifo nosso).

Estamos diante um conflito direto de normas, qual prevalece? A lei específica ou a lei nova?

A exceção da verdade (ou notoriedade) é um procedimento incidental (não é regra absoluta), sendo assim, os princípios da celeridade, simplicidade e economia processual, como a lei dos Juizados requer, não poderão ser cumpridas. Assim, a exceção da verdade não poderá ser processada no rito imprimido pelos Juizados Especiais Criminais, sob pena de não serem válidos (art. 65 da lei, exposto acima).

Então como ficará o direito, expresso na norma penal, do acusado?

Conclusão

Entendo que deve ser desconsiderada a Lei dos Juizados Especiais Criminais nos casos em que são admitidas as exceções da verdade (ou notoriedade – prova da verdade etc.).

Ao meu ver, se por qualquer motivo, os princípios da Lei dos Juizados não puderem ser cumpridas integralmente, será incompatível a adoção deste procedimento. Destarte, será necessário analisar qual é o procedimento adequado, seja ele especial ou não, que neste caso, ora estudado, é a do rito especial do código de processo penal – arts. 519 a 523.

Essa medida será possível, já que a regra dos arts. 2°, 62 e 65 da Lei n° 9.099/95 dão essa possibilidade, uma vez que são claras em não comportar um procedimento incidental. Se houver incidentes, conforme já explicitado, a lei dos Juizados Especiais se tornará incabível. A lei específica sempre deverá prevalecer sobre a lei nova, uma vez que a lei nova, nem sempre trata precisamente do assunto da lei específica, que por muitas vezes, requerem uma atenção especial – É o caso dos crimes contra a honra e a exceção da verdade.

Portanto, uma medida razoável dos operadores do Direito, nos casos em que exista qualquer incidente que não permita que se aplique, efetivamente, os princípios dos Juizados Especiais, é descartar esse rito e "voltar" ao que era anteriormente, mesmo com a obrigatoriedade da Lei 11.313/06. Assim, também, uma possível argüição de violação do Princípio do Contraditório estaria plenamente afastada.