A Formação do Estado


Porvinicius.pj- Postado em 06 dezembro 2011

Autores: 
CALEGARI, Luciano Robinson

 

De proêmio, é de suma relevância constar que constitui veementemente numerosas teorias sobre o momento da constituição do Estado, porém mostra-se admissível reuni-las em três grandes grupos distintos entre si. Vejamos a seguir.

Na mesma esteira de pensamento em uma orientação preliminar sob o tema sub judice, o Estado e a Sociedade, entidades distintas que são, far-se-iam presentes já nos primórdios da civilização humana; uma vez que, desde o surgimento do homem, este se encontraria inserido em uma organização social munida de um poder central, coercitivo e competente para controlar as relações sociais. Adeptos dessa teoria são Eduard Meyer, historiador das sociedades antigas, e Wilhelm Koppers, etnólogo, ambos afirmando categoricamente que o Estado seria um elemento universal na organização social humana.

Eduard Meyer expõe seu pensamento a respeito deste assunto em sua obra denominada de História da Antiguidade, publicada entre 1921 e 1925. A sustentação dessa tese por Wilhelm Koppers é mais recente, constando de seu trabalho L’ Origine de l’État, apresentado ao VI Congresso Internacional de Ciências Antropológicas e Etnológicas, realizado em Paris, no ano de 1960.

Pedra angular que nos norteia tange, a respeito do pensamento desses autores, A Formação do Estado, de Lawrence Krader, consta preemente nas páginas 26 e 167. Hermann Heller condena a amplitude dada por Meyer ao conceito de Estado, dizendo que, com tão ilimitada extensão, o conceito histórico de Estado se desnatura por completo e se torna de impossível utilização.

De outra via, há aqueles que preconizam a existência da organização humana de forma amplamente independente à formação do Estado.

Outrossim, a criação do Estado teria sido motivada por fatores outros que não a necessidade de convivência dos homens entre si, pois esta existia previamente; mas sim, a complexidade crescente das relações sociais, bem como dos conflitos de interesses que eclodiam no seio da sociedade que, desse modo, ameaçavam a paz social.

Afirmam ainda, que o surgimento do ente estatal não se deu de forma uniforme, tampouco simultânea nas diversas sociedades humanas. Obedeceu-se sim, a uma natural e gradativa necessidade humana de agir nesse sentido, observou-se que não mais seria possível conviver sem uma estrutura central e competente para compor os mencionados litígios, a fim de preservar a paz social e buscar o bem comum.

O sustentáculo de fundamentação deste tema em fulcro partindo-se de uma terceira corrente doutrinária, encontram-se aqueles autores que somente admitem a existência do Estado sob o manto das sociedades políticas dotadas de características muito bem estruturadas e diferenciadas. Explica-se.

É clarividente que para Karl Schmidt, somente se torna possível falar em Estado com o surgimento da idéia de soberania aliado a seu efetivo exercício, o que ocorre somente em meados do século XVII; não se tratando, portanto, de um conceito universal e atemporal. Nessa mesma linha, mostram-se os estudos de Balladore Pallieri ao dizer que “a data oficial em que o mundo ocidental se apresenta organizado em Estados é a de 1648, ano em que foi assinada a paz de Westfália”[1][1]. Nesse ponto, o renomado jurista Dalmo Dallari discursa que:

“A paz de Westfália, indicadas por estes autores como o momento culminante na criação do Estado, e que muitos outros consideram o ponto de separação entre o Estado Medieval e o Estado Moderno, foi consubstanciada em dois tratados, assinados nas cidades westfalianas de Munster e Onsbruck. Pelos tratados de Westfália, assinados no ano de 1648, foram fixados os limites territoriais resultantes das guerras religiosas, principalmente da Guerra dos Trinta Anos, movida pela França e seus aliados contra a Alemanha. A França, governada então pelo Rei Luiz XIV, consolidou por aqueles tratados, inúmeras aquisições territoriais, inclusive a Alsácia. A Alemanha, territorialmente prejudicada, beneficiou-se, entretanto, como todos os demais Estados, pelo reconhecimento de limites dentro dos quais teria poder soberano.”

Assim, conclui-se que permanece a discussão doutrinária sobre o momento exato do surgimento do Estado, se antes ou depois da organização do homem em sociedades, bem como as causas que levaram-no a agir nesse sentido. Contudo, importante dizer que o tema não se exaure aqui.

Em paralelo mostra-se a espécie do processo de formação do Estado. Os estudos apontam para dois tipos de formação, a saber: a originária, onde se parte de agrupamentos humanos ainda não organizados e, a derivada, onde ocorre a formação de novos Estados a partir de outros já existentes.

Aos adeptos da teoria da formação originária imputa-se uma primeira classificação em dois grupos:

a)     Teoria da Formação Natural: afirma-se que o Estado formou-se naturalmente e não impulsionado por um ato voluntário do homem. Esta corrente também recebe a denominação de “não contratualista”.

b)     Teoria da Formação Contratual: aqui, sustenta-se que o Estado teria sido criado pela manifestação volitiva dos homens nesse sentido, face às dificuldades crescentes da convivência social e a maior complexidade dos problemas e conflitos de interesses, inerentes às sociedades da época.

Dentre os adeptos da teoria não contratualista, identificam-se vários tipos de origem na formação do Estado. Senão vejamos.

Há aqueles que defendem uma origem familial ou patriarcal, tendo como seu expoente Robert Filmer. Aqui, as famílias se expandiram com o passar dos anos, edificando-se em verdadeiros complexos organizacionais, dotados de uma estrutura social e funcional, dividindo-se as atividades entre seus membros de acordo com a aptidão de cada um. Para esta corrente, a família seria o núcleo social principal do Estado.

Por outro lado, há aqueles que defendem que a origem do Estado se encontra em uma relação de força e dominação. Fala-se, portanto, em uma origem em atos de força, de violência ou de conquista. Aqui, os grupos sociais mais fortes conquistavam e subjugavam os mais fracos; valendo-se do poderio militar e utilizando-se da guerra como principal meio de desenvolvimento, dominavam os povos menos desenvolvidos, assumindo o controle sobre suas terras e riquezas naturais. Oppenheimer afirma que a criação do Estado foi motivada para um melhor controle do povo dominante sobre o povo dominado, atentando a finalidade máxima de exploração econômica do grupo vencido.

Há uma terceira teoria que fundamenta a formação do Estado em uma origem econômica. Diante do progressivo aumento das necessidades materiais de sobrevivência do homem, bem como da complexidade dos conflitos de interesses que existiam, os grupos sociais organizaram-se de tal forma a aproveitar os benefícios advindos da divisão do trabalho e da produção organizada, gerando assim um maior aproveitamento dos produtos obtidos na natureza e uma melhor distribuição desses produtos entre os membros da sociedade. Fala-se que Platão foi o defensor primeiro desta formação originária do Estado, ao expor em sua obra “A República” que: “Um estado nasce das necessidades dos homens; ninguém basta a si mesmo, mas todos nós precisamos de muitas coisas”[2][2].

Ainda sob a ótica da teoria da origem econômica do Estado, encontram-se os estudos de Marx e Engels, em “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, quando disserta que Estado “é antes um produto da sociedade, quando ela chega a determinado grau de desenvolvimento”[3][3].

Em uma quarta visão sobre a formação do Estado, aderindo-se à teoria não contratualista, estão aqueles que afirmam haver uma origem no desenvolvimento interno da sociedade, onde somente nas sociedades com um grau elevado de desenvolvimento haveria a real e irrefutável necessidade de se criar o Estado, agindo esta como órgão controlador das condutas sociais e defensor da paz social.

Enfim, estas são as principais teorias sobre a formação originária do Estado, sendo elas contratualistas ou não. No entanto, ainda há um processo paralelo de formação da figura estatal, denominado de formação derivada, onde se cria um Estado a partir de outros já existentes.

Têm-se como principais exemplos de formação derivada do Estado o fracionamento, onde apenas uma parte do território original do Estado se rompe, formando-se um ente estatal totalmente independente e livre de qualquer influência daquele estado original, processo este visível nos territórios coloniais que adquiriram independência política e financeira das antigas metrópoles.

De outra via, a união de Estados pré-existentes que formam uma nova figura política e econômica no cenário mundial, atendo-se sempre nessas hipóteses à supressão das diferenças étnicas, econômicas e culturais que eventualmente existam nos Estados originais.


Notas
[1][1] PALLIERI, Giorgio Balladore. A Doutrina do Estado, vol I. Coimbra, Ed. Coimbra, 1969.
 

[2][2] PLATÃO, A República.

[3][3] ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Ed. Vitória, Rio de Janeiro, 1980. p. 102 – 160.