Há improbidade por violação a princípios sem dano ao patrimônio público


Porbarbara_montibeller- Postado em 27 março 2012

Autores: 
SANTOS, Lyts de Jesus

SUMÁRIO

1. Introdução. 2. Da improbidade sem dano no texto legal. 3. Da evolução do entendimento nos tribunais. 4. Conclusão. 5. Referências.

RESUMO

O presente trabalho situa o ato de improbidade administrativa por violação aos princípios da administração pública dentre os tipos de improbidade. Analisa a forma como o legislador ordinário afastou a necessidade de demonstração do dano ao patrimônio público para a caracterização do referido tipo de improbidade. Aborda a mitigação ao texto legal imposta por alguns julgados que afastam a aplicação da lei quando o ato não acarreta dano ou enriquecimento ilícito. Finalmente, aponta a necessidade de construção de uma solução que permita o adequado funcionamento do sistema cunhado pelo legislador, que dispensa a caracterização do dano para ocorrência da improbidade, sem, por outro lado, incorrer no equívoco de aplicar a lei em sua literalidade, o que poderia supor que o ato meramente ilegal seria ímprobo.
PALAVRAS-CHAVE: Improbidade administrativa, violação a princípios, prescindibilidade do dano.

ABSTRACT

The present work places the act of administrative improbity by violating principles of public administration among the types of act of improbity. It analyses the way the legislator has refused the need of demonstrating the injury to the public goods for describing the type of act of improbity referred above. It handles the mitigation of these legal provision provided by some judgments that reject its incidence when the act does not imply neither injury nor illicit enrichment. Finally, it indicates the need of building a solution that allows the suitable functioning of the legal system - that dispenses with injury to comprehend the act of improbity - without wrongly applying the law literally, which could assume that the act merely illicit would be an act of improbity.
KEYWORDS: Administrative improbity, violation of principles, dispensability of injury.

1 INTRODUÇÃO

Os atos de improbidade administrativa podem ser classificados como de três ordens, conforme dispõe a Lei n.º 8.249/92: os que importam enriquecimento ilícito – art. 9º; os que causam prejuízo ao erário – art. 10; e os que atentam contra os princípios da administração pública – art. 11.
Interessa aqui o estudo do ato de improbidade capitulado no art. 11 da Lei n.º 8.429/92, ou seja, aquele que atenta contra os princípios que regem a administração pública.
Mais especificamente, o presente estudo objetiva analisar a forma como o referido ato de improbidade tem sido encarado por alguns julgados, que têm afastado o reconhecimento da improbidade quando não se vislumbra dano ao patrimônio público.
Da mera leitura da lei é possível concluir que não há necessidade de caracterização do dano. Se dano houvesse, ocasionado pela conduta do agente público, estar-se-ia diante do tipo de improbidade por caracterização do dano. Por mais forte razão, não há necessidade de configuração de enriquecimento ilícito, pois, na mesma linha de raciocínio, se enriquecimento ilícito houvesse, por parte do agente público, aplicar-se-ia o tipo do art. 9º.
De ver-se que a norma é absolutamente clara, mas o legislador não parou por aí. Talvez prevendo o surgimento de teses a esvaziarem a improbidade por violação a princípios, houve por bem estabelecer em artigo próprio que não há necessidade de dano para configuração da improbidade, art. 21, I.
Sendo a norma tão clara, a pergunta que titula o presente artigo não teria razão de ser, vez que haveria resposta óbvia: há improbidade por violação a princípio sem dano ao patrimônio público.
Todavia, não são raros os julgados que têm decidido em sentido inverso, chegando a conclusão oposta da que se depreende do texto legal: não há improbidade sem dano.
A pretensão deste artigo é enfrentar o problema acima de forma a colaborar com a construção de uma solução que permita o adequado funcionamento do sistema cunhado pelo legislador, que dispensa a caracterização do dano para ocorrência da improbidade, sem, por outro lado, incorrer no equívoco de aplicar a lei em sua literalidade, o que poderia supor que o ato meramente ilegal seria ímprobo, em prejuízo do adequado enfrentamento dos atos que verdadeiramente se revestem de improbidade administrativa.

2 DA IMPROBIDADE SEM DANO NO TEXTO LEGAL

Conforme referido no introito, o legislador entendeu por bem caracterizar os atos que atentam contra os princípios que regem a administração pública como atos de improbidade, nos termos do art. 11 da Lei n.º 8.429/92.
Os incisos do artigo mencionado são apenas elucidativos, numerus apertus, quis o legislador explicitar que quem age, por exemplo, de forma a frustrar a licitude do concurso público comete ato de improbidade. Não se pretendeu, pois, esgotar as hipóteses de improbidade por violação a princípios, o que seria impossível de fazê-lo.
Marcelo Figueiredo vê com bons olhos o fato de o legislador ter alçado a ato de improbidade a contrariedade dos princípios que regem a administração pública :
A preocupação do legislador é de ser aplaudida, porquanto coube à doutrina um esforço de décadas para demonstrar a importância dos princípios, sua eficácia e aplicabilidade. Assim, mais do que nunca, atual é a advertência já clássica de Celso Antônio: violar um princípio é muito mais grave do que violar uma norma isolada, porque as conseqüências do ataque são, sem dúvidas, muito maiores, devido à generalidade e raio de ação dos princípios.
Todavia, um pouco mais adiante, Marcelo Figueiredo critica a dicção legal que, no seu entender, praticamente elevou à improbidade qualquer violação da lei :
[...] a lei peca por excesso ao equiparar o ato ilegal ao ato de improbidade; ou, por outra, o legislador, invertendo a dicção constitucional, acaba por dizer que o ato de improbidade pode ser decodificado como toda e qualquer conduta atentatória à legalidade, lealdade, imparcialidade etc. Como se fosse possível, de uma penada, equiparar coisas, valores e conceitos distintos. O resultado é o arbítrio. Em síntese, não pode o legislador dizer que tudo é improbidade.
Será necessário esforço doutrinário para trazer aos seus limites o conceito de improbidade administrativa. O art. 11, caput, tal como está redigido, afirma o que constitui improbidade: é ato de improbidade praticar ações ou omissões que violem a... legalidade. Assim, temos que, em princípio (segundo a lei), improbidade = violação à legalidade. Não é correta a lei, e destoa dos conceitos constitucionais. Ademais, não pode o legislador, a pretexto de dar cumprimento à Constituição, juridicizar e equiparar legalidade a improbidade.
A preocupação tem razão de ser. De fato, a lei deve coibir o comportamento ímprobo, não o inábil, caberá ao interprete estabelecer temperamentos ao comando legal.
Contudo, não pode o judiciário desprezar o texto legal, quebrando a sistematização criada, como bem observa Fábio Medina Osório, tratando doutro assunto : “A solução para um problema de controle do eventual arbítrio jamais poderia passar pela eliminação dos textos democraticamente criados e organizados pelo legislador, é dizer, pelo esvaziamento, ainda que parcial, da LGIA, [...]”.
Destarte, embora alguns temperamentos sejam possíveis, necessários até, não se pode fazê-lo à custa do sistema criado para reprochar os atos ímprobos. Afastar a caracterização do ato de improbidade por violação a princípio quando não se detecta dano é impedir a punição das referidas condutas nos termos do que preconizou a lei.
Três são os fatores a desautorizar a interpretação restritiva.
O primeiro deles é o fato do art. 11 não se reportar ao dano. Mais que isso. Da leitura do dispositivo se pode concluir com facilidade que se destina à punição de atos que não necessariamente caracterizem dano.
O segundo fator decorre da própria sistematização dos atos puníveis eleita pelo legislador. Ora, havendo dano, ligado à atuação do agente público, tem lugar a aplicação do art. 10, com potenciais sanções mais severas, de forma que carece de sentido a interpretação que vincula a violação de princípio à ocorrência do dano.
Como se não bastasse, esse é o terceiro fator, o legislador estabeleceu expressamente, art. 21, I, da Lei n.º 8.429/92, que a aplicação das sanções previstas na lei prescinde da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público.
A redação do referido dispositivo foi alterada pela Lei n.º 12.120/2009, que acrescentou a expressão “salvo quanto à pena de ressarcimento”, o que, diga-se de passagem, sequer precisaria ser feito, porque se não há dano, logicamente, não há falar em ressarcimento. Se o dano detectado é zero, o valor a ser ressarcido também é zero.
Tanto é assim que, ao tratar das penas aplicáveis no caso de improbidade por violação a princípios, art. 12, III, a lei já dizia “ressarcimento integral do dano, se houver”, o mesmo consta do art. 12, I, só há falar em ressarcimento do dano, quando a improbidade for caracterizada por enriquecimento ilícito, se houver dano.
O art. 21, I, da Lei n.º 8.429/92, ao se referir à desnecessidade de configuração do dano ao patrimônio público para a caracterização do ato de improbidade, direcionava-se à improbidade por violação a princípios e à improbidade por enriquecimento ilícito, para a improbidade por dano ao patrimônio público, por óbvio, não se poderia aplicá-lo.
A contrario sensu, havendo improbidade por dano ao patrimônio público, a lei fala que referido dano deve ser ressarcido, art. 12, II, não tendo sido colocada a expressão “se houver”, diferentemente do que se sucedeu nos incisos I e III, tudo a configurar, portanto, que nem na improbidade por violação a princípio nem na improbidade por enriquecimento há falar na exigência do dano.
Excepcionalmente, porém, é possível a aplicação do art. 10 da lei de improbidade desassociada da sanção correspondente ao ressarcimento. Isso porque o dano ao qual se reporta a lei é ao patrimônio público, não ao erário. Não havendo dano ao erário, conforme já asseverado, não há o que ser ressarcido.
De fato, embora o caput do art. 10 fale em “dano ao erário”, é firme o entendimento doutrinário e jurisprudencial segundo o qual se entende que a expressão deve ser lida de forma a albergar o “dano ao patrimônio público” .
A noção de erário está ligada a tesouro, a patrimônio econômico-financeiro, enquanto a noção de patrimônio público se mostra mais abrangente, vez que alberga também valores estéticos, históricos e artísticos. A lei de improbidade administrativa, no entanto, não faz referida distinção.
No art. 5º da Lei n.º 8.429/92, por exemplo, assevera-se que da lesão ao patrimônio público deve decorrer o necessário ressarcimento. Tal se mostraria equivocado se a lei distinguisse o dano ao erário do dano ao patrimônio público, pois só há falar em ressarcimento se houve desfalque patrimonial (dano ao erário). Em verdade, o legislador acabou por equiparar, para efeito de aplicação da lei de improbidade, o dano ao erário ao dano ao patrimônio.
Noutras palavras, o legislador não estabeleceu distinção entre dano ao erário e dano ao patrimônio público – embora se trate de noções diversas, utilizando-se de uma expressão pela outra, vez que em diversas passagens fala em dano ao patrimônio público quando o mais adequado seria falar em dano ao erário. No caput do art. 10 se fez o inverso, falou-se em dano ao erário, com a intenção de coibir o dano ao patrimônio público.
Assim, é possível a aplicação do art. 10 sem dano ao erário se presente o dano ao patrimônio público, Rita Tourinho assevera :
Pensamos que a lei não pretendeu diferenciar erário de patrimônio público, tanto que os arts. 5°, 7° e 8º utilizam a expressão mais abrangente, qual seja, “prejuízo ao patrimônio público”, quando se referem ao ressarcimento de dano, a cautelar de indisponibilidade de bens e a responsabilidade do sucessor do agente ímprobo. Ademais, o inciso X, do art. 10 menciona o prejuízo causado pela conduta negligente no que diz respeito à conservação do patrimônio público, ou seja, deteriorização do patrimônio público como forma de prejuízo ao erário.
O Supremo Tribunal Federal já teve ocasião de decidir que a lesividade ao erário – embora parecesse mais adequado falar em lesividade ao patrimônio público – decorre da própria ilegalidade:
AÇÃO POPULAR - PROCEDENCIA - PRESSUPOSTOS. Na maioria das vezes, a lesividade ao erário público decorre da própria ilegalidade do ato praticado. Assim o é quando dá a contratação, por município, de serviços que poderiam ser prestados por servidores, sem a feitura de licitação e sem que o ato administrativo tenha sido precedido da necessária justificativa.
(RE 160381/SP - Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA Publicação DJ 12-08-1994).
A irregular dispensa do procedimento licitatório, por exemplo, que fere o art. 10, VIII, não requer a demonstração do efetivo dano ao erário. O mero fato de a Administração Pública não ter efetuado o procedimento exigível, que, dentre outras coisas, objetiva possibilitar a contratação pelo preço mais vantajoso, faz presumir o dano ao patrimônio público, vez que o proceder impossibilita que a Administração possa chegar ao melhor preço por meio de procedimento licitatório.
Voltando ao tema central do presente artigo, percebe-se que a sistematização criada permite caracterizar como improbidade a violação a princípio mesmo sem ocorrência do dano. Bem assim, há razão para que o seja, como observa Tiago Resende Botelho :
A essência do art. 21, I encontra-se na própria República, no anseio de desvincular qualquer ato que possa abalar o regime e prejudicar o bom andamento deste, mesmo que não exista dano patrimonial.
Este dispositivo busca então, não apenas proteger o patrimônio ou a administração pública, mas sim resguardar toda uma sociedade dos atos desmedidos que, por não trazerem danos materiais até antes desta lei, ficavam ilesos. Todavia, com a Lei de Improbidade, art. 21, I, muda este contexto. O legislador dá a este dispositivo uma carga valorativa de extrema importância, alargando assim o campo da improbidade, pois, ímprobo é não só o ato que gera dano, mas também é aquele que de maneira ardilosa e perspicaz aproveita da administração pública em seu favor ou de um terceiro, ainda que não provoque prejuízos ao erário.
Doutro lado, deve-se evitar que toda ilegalidade seja alçada a improbidade, porque, além de não ser razoável, acarretaria a banalização da lei, em prejuízo de todo o sistema.
Assim, como nem toda ilegalidade configura improbidade é necessário um plus, uma conduta que viole o dever de boa administração, a ser verificado no caso, mas que também não pode ser a exigência da caracterização do dolo.
O legislador apenas tratou do elemento subjetivo ao dispor do ato de improbidade que importe em dano ao patrimônio público, asseverando que este deve ser punido independentemente de dolo ou culpa. Tratando dos atos de improbidade que caracterizem enriquecimento ilícito ou que atentem contra princípios da administração pública, o legislador nada consignou.
No seio do Superior Tribunal de Justiça há julgados em ambos os sentidos , mas os que entendem só ser possível falar em culpa no caso de dano ao patrimônio público parecem ser maioria.
Também a doutrina majoritária parece se posicionar pela exigência da caracterização do dolo , posição não adotada por Fábio Medina Osório :
Os tipos culposos da improbidade descendem da própria Constituição Federal. Nesta, não há restrição alguma à improbidade culposa. Ao contrário, há reforço no sentido da necessária proteção dos valores “eficiência” ou “economicidade”, ao abrigo da moral administrativa e de princípios expressos nos arts. 37 ou 70 da CF. forte no princípio democrático, a LGIA optou pela eleição da improbidade culposa como modalidade de ilícito. Não desrespeitou o comando do art. 37, § 4º, da CF, que prevê uma série de sanções aos atos ímprobos, porque o castigo reservado ao ato ilícito culposo haverá, como ocorre com os demais tipos de ilícitos, de ser balanceado e ponderado, em consonância com o postulado ou princípio da proporcionalidade.
[...].
Segundo a melhor tradição do direito punitivo brasileiro, na tutela dos crimes contra a Administração Pública, é possível e recomendável apanhar condutas culposas, pois várias figuras delitivas são culposas, tais como o peculato e outras, para não falarmos dos de crimes de responsabilidade. Se resulta possível ao legislador penal tipificar condutas culposas de crimes contra o setor público, mais ainda resultaria legítimo ao legislador administrativo fazê-lo, dentro da escala valorativa e hierárquica que caracteriza as relações entre os legisladores, pela matéria tratada. Se pode haver crime culposo contra a Administração Pública, também pode haver improbidade culposa .
Lembremos que a improbidade administrativa tem inegavelmente cunho cível, não cabendo transportar a forma como trata o direito penal do sancionamento das condutas culposas. Querendo dizer, no processo civil não há que se perquirir se há ou não expressa previsão da culpa para o tipo.
Aliás, a responsabilização no direito civil cada vez mais se dissocia do elemento subjetivo, como bem observa Fernando Rodrigues Martins :
Ora, enfrentar o elemento subjetivo numa sociedade pós-moderna é sopesar aos operadores a entrada no estado anímico ou no ensimesmamento do agente público, indo contra a doutrina e as teorias mais avançadas da responsabilidade civil, que de há muito abandonaram a análise da vontade como pressuposto da responsabilidade.
Frise-se, aliás, que o próprio art. 4.º da Lei federal 8.429/1992 exige a estrita observância dos atores públicos dos princípios da administração. Portanto, não há espaços para voluntarismos, senão busca da boa-fé objetiva no âmbito do direito administrativo.
É dizer com apoio em Ruy Cirne Lima que “a administração é a atividade de quem não é senhor absoluto”, daí a clara razão de afastamento da vontade (ponto da pandectística) para avanço à finalidade (que é o fundamento do direito administrativo). Desnecessário, pois, comprovar-se dolo ou culpa, bem como a lesão ao erário, frente ao ethos que a lei defende (art. 21, I, da Lei 8.429/1992). Nesta esteira, compreende-se como adequada, ao invés da pesquisa ao estado anímico do agente, a investigação de seu comportamento de forma objetiva frente à situação concreta. Vale dizer: o comportamento foi adequado aos direitos fundamentais do patrimônio público, moralidade administrativa e boa administração?
Nada obstante se trate de discussão de extrema importância, além de polêmica , este trabalho não objetiva se debruçar sobre a necessidade ou não da ocorrência do dolo, mas parece ser mais consentâneo com a sistematização da lei que o plus a ser exigido para a caracterização da improbidade esteja relacionado à lesividade do ato ou intolerável incompetência, não necessariamente com o dolo .
Seja como for, o certo é que, na sistematização cunhada na lei, não há a necessidade de ocorrência do dano para a caracterização do ato de improbidade administrativa por violação a princípio, cuidando o próximo tópico da forma como alguns julgados vêm decidindo acerca da matéria.

3 DA EVOLUÇÃO DO ENTENDIMENTO NOS TRIBUNAIS

A Lei n.º 8.429/92, apesar dos inequívocos avanços, acabou por inquinar, se tomada literalmente, condutas de menor lesividade como ímprobas. Qualquer ato ilegal poderia ser enquadrado como ato de improbidade. Atento ao problema, o judiciário passou a estabelecer temperamentos à lei, resumidos no brocardo segundo o qual a inabilidade ou o despreparo não se constitui em improbidade.
As mitigações à aplicação literal da lei foram sendo ampliadas na medida em que os órgãos encarregados de combater os atos ímprobos se excediam na persecução da lei. Assim, uma jurisprudência conservadora foi se solidificando, e a efetividade das ações de improbidade se mostrou cada vez mais reduzida.
Dentre os temperamentos aplicados ao texto da lei, situam-se os julgados que afastam a caracterização de improbidade quando não se configura o dano ao patrimônio público.
Conforme asseverado no tópico anterior, do sistema cunhado pelo legislador decorre conclusão diversa, sendo fácil perceber que é perfeitamente possível a ocorrência de improbidade mesmo sem a constatação do dano ao patrimônio público.
Entretanto, algumas decisões passaram a exigir que o dano fosse demonstrado, exemplificativamente:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. OVERBOOKING. EMBARQUE DE PASSAGEIROS PRETERIDOS. ATO ÍMPROBO NÃO CARACTERIZADO. INICIAL DA AÇÃO DEVE SER REJEITADA. (...). Para ser considerado ímprobo, o ato do agente público deve não só ter como conseqüências o dano ao erário e/ou a obtenção de vantagem indevida a si próprio ou a outrem, como deve estar marcado pela desonestidade, pela intenção de ser desleal aos princípios que norteiam a Administração Pública. O agravante não obteve qualquer vantagem com a conduta descrita pelo Ministério Público Federal, nem causou qualquer dano ao erário. Seus comportamentos não passaram de revanchismo após a confusão causada no aeroporto pelo overbooking. Mesmo que tenha havido a ameaça, ela não é suficiente para a caracterização do ato ímprobo, já que não efetivada. As falas do agravante não passaram de mera ameaça, sem concretização. Agravo provido.
(Processo AI 200903000016343 AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO – 360588 Relator(a) JUIZ NERY JUNIOR TRF3 Órgão julgador TERCEIRA TURMA Fonte DJF3 CJ1 DATA:08/12/2009 PÁGINA: 361 Data da Decisão 12/11/2009 Data da Publicação 08/12/2009 – Destaques à parte).
A decisão acima citada restringe a caracterização do ato de improbidade às condutas que tenham como consequência o dano ao patrimônio público e/ou a obtenção de vantagem indevida.
Sucede que há, como cediço, um terceiro tipo de improbidade consistente na violação dos princípios que regem a administração pública, mas o julgado acima toma o terceiro tipo como integrante dos anteriores, a asseverar que para haver improbidade teria de se detectar dano ao erário ou enriquecimento ilícito, associado à desonestidade, à intenção de ser desleal aos princípios que norteiam a administração pública. Data maxima venia, não foi esse o sistema criado pelo legislador.
Mais adiante, afirma-se no decisum citado que o acionante não teria demonstrado que o réu auferira qualquer vantagem ou causara dano ao erário, como se isso fosse suficiente para afastar a aplicação da Lei n.º 8.429/92.
No tópico anterior se procurou demonstrar que a exigência do dano não decorre do texto legal, porque os arts. 9º e 11 não se reportam ao dano, porque a lógica do sistema enquadrou as situações nas quais ocorre o dano, ligado a atuação do agente público , noutro dispositivo, o art. 10, e, por fim, porque o art. 21, I, expressamente, dispensa a efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público para a aplicação das sanções da lei de improbidade.
As decisões judiciais que afastam a caracterização do ato de improbidade quando não se detecta dano destoam do regramento vigente, prestando verdadeiro desserviço ao combate dos referidos atos. Decisões desse jaez sinalizam que o administrador pode agir como quiser, ainda que ao arrepio da lei, desde que não cause prejuízo ou aufira vantagem indevida.
O Magistrado deve aplicar a lei vigente, somente lhe sendo dado recusar aplicação se julgá-la inconstitucional. Aliás, o Supremo Tribunal Federal, a contrario sensu, consolidou entendimento de que se equipara ao reconhecimento de inconstitucionalidade o simples afastamento do dispositivo legal aplicável à espécie, conforme Súmula Vinculante n.º 10.
De ver-se que as decisões que afastam a aplicação do art. 21, I, da Lei n.º 8.429/92 representam, ainda que implicitamente, verdadeira declaração de inconstitucionalidade.
Nem se diga que se trata de interpretação da norma, pois não há o que ser interpretado. A norma traz uma regra clara, que dispensa a exigência do dano, daí por que exigi-lo é afastar a aplicação da norma, não interpretá-la.
Criticando decisão da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, exarada no recurso especial n.º 147.260/MG, posicionou-se Emerson Garcia :
O acórdão proferido pela 1ª Turma do STJ associou institutos distintos e que possuem pressupostos diversos, culminando em implementar uma verdadeira simbiose entre a Lei n.º 4.717/1965 e a Lei n.º 8.429/92. O que inviabilizou a aplicação deste último diploma no caso examinado. Em prevalecendo entendimentos como este, a aplicação da Lei de Improbidade será seriamente comprometida, inviabilizando a consecução do ideal de probidade na administração, isto sem contar com a negativa de vigência do art. 21, I, deste diploma legal.
O modelo cunhado na Lei n.º 4.717/65, lei da ação popular, diferentemente do da lei de improbidade, exige a lesão ao patrimônio, daí a incompatibilidade da associação, no ponto, dos regramentos legais, como observou Emerson Garcia.
O julgado acima criticado tem a seguinte ementa:
AÇÃO CIVIL PUBLICA - ATO LESIVO AO ERARIO. A AÇÃO CIVIL PUBLICA, PARA RECUPERAR DANO AO ERARIO, HA DE ENFRENTAR ATO ILEGAL LESIVO AO PATRIMONIO PUBLICO. OS BENS ADQUIRIDOS E PAGOS SEM EMPENHO PREVIO FORAM INCORPORADOS AO PATRIMONIO MUNICIPAL, NÃO HAVENDO PREJUIZO.
RECURSO IMPROVIDO.
(REsp 147260 / MG RECURSO ESPECIAL 1997/0062862-0 Relator(a) Ministro GARCIA VIEIRA (1082) Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 02/04/1998 Data da Publicação/Fonte DJ 11/05/1998 p. 18).
Noutras palavras, entendeu-se que o mero fato de os bens terem sido incorporados ao patrimônio da municipalidade, afastando a caracterização do dano, seria suficiente para impedir o sancionamento pelo art. 11 da lei de improbidade.
Hodiernamente, contudo, as decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça têm dispensado a ocorrência do dano para aplicação da Lei n.º 8.429/92:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO COMPROVAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. NÃO CONFIGURAÇÃO. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 11 DA LEI 8.429/92. ELEMENTO SUBJETIVO. CONDUTA DOLOSA. NÃO COMPROVAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, PROVIDO.
(...).
5. Efetivamente, a configuração do ato de improbidade administrativa por lesão aos princípios da Administração Pública não exige prejuízo ao erário, nos termos do art. 21 da Lei 8.429/92. Entretanto, é indispensável a presença de conduta dolosa do agente público ao praticar o suposto ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, elemento que não foi reconhecido pela Corte a quo no caso concreto.
6. Tais considerações, ainda que se trate de ilegalidade ou mera irregularidade, afastam a configuração de ato de improbidade administrativa, pois não foi demonstrado o indispensável elemento subjetivo, ou seja, a prática dolosa da conduta de atentado aos princípios da Administração Pública, nos termos do art. 11 da Lei 8.429/92. É importante ressaltar que a forma culposa somente é admitida no ato de improbidade administrativa relacionado a lesão ao erário (art. 10 da LIA), não sendo aplicável aos demais tipos (arts.9º e 11 da LIA).
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.
(REsp 1036229/PR RECURSO ESPECIAL 2008/0047830-6 Relator(a) Ministra DENISE ARRUDA - Órgão Julgador - PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 17/12/2009 Data da Publicação/Fonte DJe 02/02/2010 – negritos à parte).

ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – NEPOTISMO – VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – OFENSA AO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 – DESNECESSIDADE DE DANO MATERIAL AO ERÁRIO.
1. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em razão da nomeação da mulher do Presidente da Câmara de Vereadores, para ocupar cargo de assessora parlamentar desse da mesma Câmara Municipal.
2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o ato de improbidade por lesão aos princípios administrativos (art. 11 da Lei 8.249/1992), independe de dano ou lesão material ao erário.
3. Hipótese em que o Tribunal de Justiça, não obstante reconheça textualmente a ocorrência de ato de nepotismo, conclui pela inexistência de improbidade administrativa, sob o argumento de que os serviços foram prestados com dedicação e eficiência.
4. O Supremo Tribunal, por ocasião do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade 12/DF, ajuizada em defesa do ato normativo do Conselho Nacional de Justiça (Resolução 7/2005), se pronunciou expressamente no sentido de que o nepotismo afronta a moralidade e a impessoalidade da Administração Pública.
5. O fato de a Resolução 7/2005 - CNJ restringir-se objetivamente ao âmbito do Poder Judiciário, não impede – e nem deveria – que toda a Administração Pública respeite os mesmos princípios constitucionais norteadores (moralidade e impessoalidade) da formulação desse ato normativo.
6. A prática de nepotismo encerra grave ofensa aos princípios da Administração Pública e, nessa medida, configura ato de improbidade administrativa, nos moldes preconizados pelo art. 11 da Lei 8.429/1992.
7. Recurso especial provido.
(REsp 511095 / RS RECURSO ESPECIAL 2003/0008438-1 Relator(a) Ministro LUIZ FUX (1122) Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 04/11/2008 Data da Publicação/Fonte DJe 27/11/2008 – negritos à parte).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO IRREGULAR DE SERVIDORES. EMBARGOS INFRINGENTES. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 282/STF. DANO AO ERÁRIO. CARACTERIZAÇÃO. DISSENSO. SÚMULA 83/STJ. PENALIDADE. ARTIGO 12, DA LEI Nº 8.429/92. PROPORCIONALIDADE. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ.
I - Cuida-se de ação civil por improbidade administrativa contra ato relativo à contratação irregular de servidores, por meio da qual, a despeito da inexistência de dano ao erário, foi determinada a aplicação de penalidade de ordem administrativa em razão da infringência aos princípios administrativos.
II - No que diz respeito à alegação recursal de que teria que haver a comprovação da má-fé do administrador, ausente o necessário prequestionamento, incidindo o óbice sumular 282/STF.
III - Enquadrando-se o ato atacado nos termos do artigo 11, da Lei nº 8.429/92, ou seja, atentatório aos princípios da Administração Pública, não há falar-se em necessidade de caracterização de dano ao erário para os fins das respectivas cominações legais. Precedentes: REsp nº 604.151/RS, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 08.06.2006; REsp nº 711.732/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 10.04.2006 ; REsp nº 650.674/MG, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ de 01/08/06 e REsp nº 541.962/SP, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 14/03/07. Súmula 83/STJ.
IV - Inviável, em sede de recurso especial, pretender discutir a proporcionalidade da penalidade aplicada pela instância ordinária, sob pena de inserir-se na seara fático-probatória dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ.
V - Recurso não conhecido.
(REsp 971737/PR Relator(a) Ministro FRANCISCO FALCÃO Órgão Julgador PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 04/12/2007 Data da Publicação/Fonte DJe 10/03/2008 – negritos à parte).
Embora o Superior Tribunal de Justiça, última instância no que se refere à interpretação da norma infraconstitucional, pareça se consolidar no sentido da prescindibilidade do dano, conforme preconiza a lei, ainda há julgados que afastam a improbidade quando não detectado enriquecimento ilícito do administrador nem prejuízo ao patrimônio público:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO.
1. É cediço que não havendo prova de dano ao erário, afasta-se a sanção de ressarcimento prevista na primeira parte do inciso III do art. 12 da Lei 8.429/92. As demais penalidades, inclusive a multa civil, que não ostenta feição indenizatória, são perfeitamente compatíveis com os atos de improbidade tipificados no art. 11 da Lei 8.429/92 (lesão aos princípios administrativos). (REsp nº 880.662/MG, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ de 01/03/2007, p. 255).
2. Isto por que à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, impõe-se a mitigação do preceito que preconiza a prescindibilidade da ocorrência do dano efetivo ao erário para se infligir a sanção de ressarcimento: a hipótese prevista no inciso I do artigo 21, que dispensa a ocorrência de dano para aplicação das sanções da lei, merece meditação mais cautelosa. Seria inconcebível punir-se uma pessoa se de seu ato não resultasse qualquer tipo de dano. Tem-se que entender que o dispositivo, ao dispensar o dano ao patrimônio público utilizou a expressão patrimônio público em seu sentido restrito de patrimônio econômico. Note-se que a lei de ação popular (Lei nº 4717/65) define patrimônio público como os bens e
direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico (art. 1º, § 1º), para deixar claro que, por meio dessa ação, é possível proteger o patrimônio público nesse sentido mais amplo. O mesmo ocorre, evidentemente, com a ação de improbidade administrativa, que protege o patrimônio público nesse mesmo sentido amplo. (Maria Sylvia Zanella di Pietro in Direito Administrativo, 13ª Edição, pág. 674, in fine). Precedentes do STJ: REsp 291747/SP, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, DJ de 18.03.2002; REsp 213994/MG, Relator Ministro Garcia Vieira, Primeira Turma, DJ de 27.09.1999; REsp 261691/MG, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ de 05.08.2002.
3. In casu, o Tribunal a quo, calcado no conjunto probatório, decidiu que a servidora foi contratada pelo Município para a prestação de assessoria técnica e administrativa do balcão de empregos da prefeitura local, tendo laborado no período de 01/02/2.000 até 31/12/2.000, não se comprovando qualquer prejuízo ao erário municipal. (fl. 159, grifamos)
4. Conseqüentemente, decidiu com acerto que uma vez não configurado o enriquecimento ilícito do administrador público e nem prejuízo ao erário municipal, mas inabilidade dele, incabíveis as punições previstas na Lei nº 8.429/92.
5. Recurso Especial do Ministério Público Estadual desprovido.
(REsp 917437/MG - Relator Ministro FRANCISCO FALCÃO Relator p/ Acórdão Ministro LUIZ FUX - Órgão Julgador PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 16/09/2008 Data da Publicação/Fonte DJe 01/10/2008 – negritos à parte).
Sem adentrar nas peculiaridades do caso acima, é defensável o afastamento da aplicação da lei de improbidade por se considerar que o administrador agiu por mero despreparo, mas condicionar a improbidade por violação a princípios à ocorrência do dano ou ao enriquecimento ilícito é minar a efetividade de todo o sistema.
O art. 21, I, da Lei n.º 8.429/92 é absolutamente claro ao estabelecer a prescindibilidade da demonstração do dano. Admitir que o Magistrado possa simplesmente desprezar o texto legal – repita-se que não se trata de interpretação, mas de afastamento da regra, seria fazer do judiciário legislador.
Embora existam diversas normas inúteis, de ordinário elas têm alguma razão de ser, e no caso tem. Há comportamentos que precisam ser afastados ainda que deles não decorra dano, até mesmo porque as fraudes apresentam aparência de legalidade.
As construções teóricas que objetivam garantir direitos individuais são sempre louváveis. Todavia, in casu a finalidade não é atingida. Pior, cria-se um estado de coisas insustentável e altamente prejudicial à moralidade administrativa, desestabilizando o sistema. Soa vanguardista, soa em defesa dos direitos fundamentais, mas é conservador e, sobretudo, perigoso, na medida em que se sinaliza para o administrador que pode agir como quiser, desde que não se enriqueça ilicitamente nem cause dano ao patrimônio público.
Merece menção comentário de Fábio Medina Osório :
[...]. Um agente público que, atropelando fórmulas ético-normativas, consegue obter resultados econômicos favoráveis não será um sujeito eficiente na perspectiva ético institucional aqui defendida. Sob essa perspectiva, pelo contrário, deve-se ter bem presente que os resultados de uma conduta carecem de valorações globais e que, portanto, o dever ético de eficiência funcional não representa somente a ambição por concretos e pragmáticos resultados políticos ou econômicos.
Se resultasse necessário tolerar condutas imorais ou antiéticas para justificar resultados econômicos ou administrativos, então nos encontraríamos com algo em si mesmo impossível: o paradoxo da eficiência que destrói o dever de obediência à honestidade funcional. Os princípios e deveres públicos hão de interpretar-se harmonicamente. Se é certo que do agente público são cobrados resultados, não menos correto que dele se cobram parâmetros éticos no agir administrativo. Tais parâmetros integram o conjunto de resultados obrigatórios.
Ainda que se reconheça a necessidade de temperamentos ao texto legal, de forma a evitar que qualquer ato ilegal seja tido por ímprobo, é certo que na sistematização cunhada na lei não há a necessidade de ocorrência do dano para a caracterização do ato de improbidade administrativa por violação a princípio, e essa exigência, além de desrespeitar o texto da lei e a lógica do sistema criado, é nociva ao combate da improbidade administrativa, permitindo que diversos atos reprováveis estejam salvaguardados da Lei n.º 8.429/92.

4 CONCLUSÃO

A lei de improbidade pode não ser um primor de técnica, mas criou um sistema lógico no que respeita à tipificação das condutas, elencando os atos de improbidade, de três ordens, e indicando suas possíveis sanções.
Dentre os tipos, encontra-se a improbidade por lesão a princípios da qual, naturalmente, decorrem sanções menos graves do que aquelas aplicáveis à improbidade por dano ao erário ou enriquecimento ilícito.
O escopo do legislador, no art. 11, é sancionar as condutas que revelem falta de retidão no tratar da coisa pública. Aliás, no art. 4º, já dispunha a lei que os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos. Referida disposição legal guarda perfeita consonância com o que estabelece a Constituição Republicana, em seu art. 37.
De nada adiantaria que o constituinte elencasse a necessidade de obediência a determinados princípios, se não houvesse forma de repudiar os atos que lhes contrariassem, daí por que é perfeitamente razoável a estipulação do art. 11 da Lei n.º 8.429/92.
Caso o Magistrado se depare com ato de improbidade no qual se identifique menor lesividade e do qual não decorra dano, deverá sopesar a circunstância na imposição das sanções, não afastar a aplicação da lei. O ressarcimento do dano nessas hipóteses, não será aplicável como decorre de expressa disposição legal e da lógica.
Exigir a ocorrência do dano é esvaziar o comando legal, não só do art. 11, como de outros artigos da lei, quebrando a lógica sistêmica prevista pelo legislador, e, o que é pior, sinalizando para o administrador que pode agir como bem lhe aprouver, desde que evite a ocorrência de dano ou não aufira renda indevida.
Os abusos eventualmente praticados no passado por parte dos órgãos que cuidavam da persecução dos atos de improbidade não podem obstar a adequada aplicação da lei, sob pena de total desvalorização dos princípios que regem a administração pública.
A lei de improbidade merece sofrer certos temperamentos, mas não no que respeita à prescindibilidade do dano para a caracterização do ato violador dos princípios que regem a administração pública.

5 REFERÊNCIAS

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GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

MARTINS, Fernando Rodrigues. Improbidade administrativa à luz da hermenêutica constitucional. Revista de Direito Constitucional, São Paulo, n. 69, p. 110-134, out./dez. 2009.

MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

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PAZZAGLINI FILHO, M.; ROSA, M.; FAZZIO JÚNIOR, W. Improbidade administrativa. São Paulo: Atlas, 1997.

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TOURINHO, Rita. Dispensa, inexigibilidade e contratação irregular em face da Lei de Improbidade Administrativa. Jus Navigandi, n.º 1.160, set. 2006. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8896>. Acesso em: 24 abr. 2010.

ESCOLA DA ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. Procedimentos de iniciativas administrativas e judiciais para atuação pró-ativa. Brasília, 2009.