Histórico do inquérito policial no Brasil


PorThais Silveira- Postado em 29 maio 2012

Autores: 
Marcelo Mazella de Almeida

 

A importância do inquérito policial não deixa dúvidas, uma vez que serviu, ao longo da história, de subsídio para a maioria das ações penais ajuizadas e para as inúmeras sentenças prolatadas.

Não se pode olvidar que, embora tenha trazido discussões acerca de sua eficiência, transparência e até mesmo paridade com o sistema constitucional, uma peça tão importante tem sua eficiência atestada na medida em que sofreu poucas alterações legislativas ao longo do tempo.

No sistema vigente, há duas etapas da persecução penal: o inquérito policial e a ação penal. O primeiro serve para colher elementos aptos a ensejarem o oferecimento de uma ação penal, estruturando e dando justa causa à propositura desta, servindo para fundamentá-la.

Para execução do mister de apurar, para garantir a punição ou evitar o cometimento de uma injustiça, o Estado precisa socorrer-se de princípios e normas específicas.

O poder de policia foi criado pelo Estado sob a forma de um poder-dever denominado “polícia”, sendo característico que a intervenção se dê diretamente na esfera dos governados. Tem como finalidade assegurar a segurança e o bem-estar social, sendo ligado à atuação administrativa do Estado.

O poder de polícia é uma das ferramentas utilizadas pelo Estado para assegurar a liberdade dos indivíduos na sociedade e, da mesma forma, impor limites a essa liberdade para que vontades individuais não se sobreponham à organização da coletividade.

Denotam-se, assim, duas vertentes do poder de polícia, sendo uma referente às limitações administrativas ao exercício das liberdades. A outra trata da regulamentação legislativa, controlando também a aplicabilidade do poder de polícia.

Entretanto, deve-se bem delinear a diferença entre poder de polícia administrativo e poder de polícia judiciária, que consiste basicamente na modalidade do ilícito que será combatido.

A entidade policial administrativa tem como escopo o impedimento de atividades que afetem a paz social e pode ser exercida por diversos órgãos da Administração Pública, podendo ser a direta ou a indireta.

A atividade de polícia judiciária é exercida constitucionalmente pelas Polícias Civil ou Federal, que possuem atribuições de polícia administrativa, além de serem auxiliares do Poder Judiciário.

Teve início em Roma a investigação promovida pelos agentes do Estado, onde não se encontravam quaisquer obstáculos. Considerando que o poder de julgar era ilimitado, além de dar azo a arbitrariedades, bastava a notitia criminis para que o próprio julgador fizesse determinações para diligências visando ao esclarecimento dos fatos com a indicação de autoria.

O nome dado a tal fase persecutória, de caráter investigativo, era “inquisitio”, e, após o esclarecimento baseando-se em critérios da época, passava-se de imediato ao processo cognitio, sem que existisse uma formal fase de acusação, e, consequentemente, se apenava o acusado.

Mais adiante, surgiu a possibilidade de poder o réu recorrer da sentença, através da Lex Valaria de Provocatione, a um órgão colegiado denominado “Comitium”. Foi permitida, no final da República, a possibilidade de cidadãos livremente acusarem, fazendo postulações, as quais, se recebidas pelo órgão julgador, iniciariam um processo, não podendo mais, desde que recebidas, serem retiradas. Cabia ao postulante a prova de suas alegações, sendo que este deveria acompanhar o processo até o final. Estavam impedidos de postular denúncias aqueles que eram possuidores de maus antecedentes, os menores de idade e os magistrados, sendo que, para estes últimos, tinha-se como justificativa a manutenção da imparcialidade.

Ao longo do tempo, houve, com a evolução do sistema penal, a especialização e, consequentemente, a divisão das funções necessárias à aplicação da Justiça Criminal. Nesse contexto, surgiu em Roma um grupo de funcionários incumbidos de fazerem o levantamento das circunstâncias dos fatos e da sua autoria, pelo denominado “Cognitio Extra Ordinem”.

Tal sistema serviu de base para as Polícias Judiciárias existentes em todo o mundo, devido à independência do sistema de apurações, pois, segregado, mostrou-se mais eficiente. Essa divisão ainda trouxe, também, maiores e melhores garantias aos direitos fundamentais do ser humano, ainda mais quando os investigados eram vítimas de denúncias infundadas ou até mesmo inverídicas.

No Brasil, a atividade policial judiciária é presidida por uma autoridade civil, bacharel em Direito, denominada “delegado de polícia”, e essa atividade tem previsão constitucional que restringe às Polícias Judiciárias sua execução. Tem-se ainda que o procedimento de polícia judiciária deve ser escrito e formal, o qual recebe a denominação de “inquérito policial”.

O termo “delegado de polícia” vem de as atribuições investigativas terem como origem uma delegação de funções e atribuições dos juízes municipais, também chamados de “juízes de paz”, que existiam antes do século XX, os quais exerciam as funções inerentes de polícia judiciária cumulativamente com as funções judiciais. Devido ao aumento da população das cidades, houve também o crescimento dos problemas intrínsecos aos agrupamentos urbanos ou rurais, entre os quais o pior deles: a criminalidade. Com o aumento da marginalização e, consequentemente, dos ilícitos, para tentar evitar que se perdesse o controle da situação e se mergulhasse num caos social, foram delegadas as atribuições dos magistrados para que estes se dedicassem apenas às funções judiciais, de maneira a permitir maior celeridade e eficácia tanto aos julgamentos quanto às investigações.

Dessa maneira, surgiu a figura da autoridade policial como “delegado” de polícia, função para a qual se exige o bacharelado em Direito, sendo que, no Estado de São Paulo, esta imposição vige desde 1905, ano de criação da instituição que, após algumas alterações, é conhecida atualmente como “Polícia Civil do Estado de São Paulo”.

Havia, nas Ordenações Filipinas e no Código de Processo de 1832, comandos legais que previam o procedimento informativo inquisitivo, sem, entretanto, denominá-los de “inquérito policial”.

O nome que é utilizado hoje veio na esteira do Decreto nº 4.824, de 28 de novembro de 1871, que, por seu turno, regulamentou a Lei nº 2.033, de 1871. Determinava o artigo 42 do aludido Decreto que o inquérito policial consistia em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, suas circunstâncias, seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito.

Com a ocorrência de um ilícito penal, surge para o Estado o poder-dever de apurar os fatos, identificar a autoria de forma a promover um imparcial julgamento, exercendo, assim, seu direito de punir. Lembrando-se que a pacificação social é basicamente a finalidade do direito exteriorizado na garantia da ordem pública em benefício do bem comum, pela qual se impõe ao Estado o exercício de jurisdição. A busca das provas, a persecução penal pelo Estado visando uma finalidade prevista em lei deve, obrigatoriamente, seguir princípios basilares que não venham a chocar-se com a síntese criadora de um Estado de Direito, possibilitando a garantia de defesa de quem é apontado pelo órgão estatal como infrator da lei.

A investigação estatal se exterioriza, quando da ocorrência de um ilícito penal, pelos atos de poder de polícia que, incondicionalmente, combatem a criminalidade sustentando a denúncia criminal e colhendo de forma cautelar as provas de autoria e materialidade delitiva, que poderiam perecer até o momento da instrução processual em juízo.

Não há, para o inquérito policial, ao contrário dos procedimentos judiciais, um codex acerca dos ritos a serem seguidos, de forma pormenorizada, envolvendo os atos a serem praticados; o Código de Processo Penal indica providências que deverão ser seguidas no curso da peça informativa.

A primeira, e que deveria ser imprescindível à elucidação dos fatos, é a diligência da autoridade até o local dos fatos de maneira a providenciar que não haja alteração no sítio dos acontecimentos. Com a redação dada pela Lei nº 8.862, de 28 de março de 1994, a autoridade policial deverá (imposição) dirigir-se ao local — e não apenas quando possível, como era anteriormente —, e preservará o estado e a conservação das coisas até a chegada dos peritos, não mais se afigurando a expressão “enquanto necessário”. A partir do momento que os peritos assumirem o local dos fatos, deverão fazer constar do laudo as alterações do estado das coisas e discutir-se-ão, no relatório, as consequências das mudanças na dinâmica dos fatos.

A única exceção feita à regra se dá nos casos de crimes de trânsito: para evitar que o acidente atrapalhe o fluxo no leito carroçável, o que, atualmente, nas grandes cidades com vias cada vez mais congestionadas, é algo comum, pode o agente ou a própria autoridade policial autorizar, independente de haver exame do local, a remoção dos veículos e das pessoas envolvidas.