"(IM) Possibilidade de aplicação da Liberdade Provisória nos crimes hediondos e seus equiparados"


Porgiovaniecco- Postado em 22 outubro 2012

Autores: 
PESSOA, Ivaneida Barreto.

 

 

INTRODUÇÃO

 

A liberdade provisória é uma garantia ao acusado, para que ela possa aguardar em liberdade o restante do processo até sua conclusão, e nesse período deve obedecer a certas obrigações, estando ainda vinculado ao processo sob pena de revogação da liberdade provisória, caso essas obrigações sejam descumpridas. Com a publicação da Lei nº 11.464/ 2007, que dentro outras mudanças a Lei dos Crimes Hediondos, trouxe a vedação a proibição da liberdade provisória sem fiança, buscando o presente artigo demonstrar, através de entendimentos doutrinários e julgados, se tal mudança está compatível a certos direitos fundamentais consagrados em nossa Carta Magna e ao caráter exceptivel das prisões processuais ou se seria ela de total inconstitucionalidade devido à própria inafiançabilidade imposta pela Constituição, que quis dar maior rigor a estes crimes, além da questão controvertida a cerca da lei de drogas, que também veda a liberdade provisória. A metodologia utilizada no artigo foi a pesquisa exploratória envolvendo levantamento bibliográfico. Todo artigo foi submetido a um plano de leitura sistemática, acompanhado de anotações e fichamentos sobre as diversas opiniões doutrinárias, para posteriormente serem confrontadas perfazendo assim o método dialético, juntamente com o dedutivo. Os resultados indicaram uma preferência, por boa parte dos doutrinadores e escritores, pela possibilidade da concessão da liberdade provisória, apesar de fortes argumentos, assim demonstrados no artigo, que prevêem o contrário, baseados até mesmo na própria Constituição Federal.

1 LIBERDADE PROVISÓRIA: NOÇÕES GERAIS

A liberdade provisória não é um instituto moderno, ela retoma os povos antigos, como gregos e romanos, que já faziam uso do instituto. Os gregos permitiam a liberdade de um cidadão se outros três prestassem caução (assemelha-se a fiança atual) e se obrigassem a garantir a presença do acusado em todos os atos processuais, só não sendo aplicado aos casos de conspiração política e peculato.

Dessa forma, os romanos passaram a prever a liberdade provisória e a dar contornos mais definidos a ela, com a Lei das Doze Tábuas, a primeira legislação escrita dos romanos datada do século V a.C (por volta do ano 451) inspirada nas leis do grego Sólon que reconheceu a liberdade cívica entre patrícios e plebeus. Aquela fixava que o imputado, quando chamado, se deixasse de comparecer ao processo, finda restaria à liberdade provisória e o réu retornaria ao cárcere.TOURINHO FILHO(2003)

1.1 Definições

A prisão representa um dos institutos mais antigos empregado pela humanidade com o intuito de punir aquele que cometeu um crime, retirando-o do convívio social. Ela teve início como uma ante-sala para aplicação da pena capital, como penas infames, de morte e corporais, pois servia basicamente para a guarda dos réus até o julgamento final ou execução. A partir do século XVI a prisão-custódia se transmudou para uma forma de punição, que demonstrou na época ser o meio mais eficaz de controle social. Muitos juristas e sociólogos debatem o seu valor, suas características e se seria realmente eficaz ao fim que se destina, já que apesar de toda evolução ela dificilmente consegue atender as necessidades atuais de ressocialização.

De acordo com NUCCI (2008, p. 573), prisão, “É a privação da liberdade, tolhendo-se o direito de ir e vir, através do recolhimento da pessoa humana ao cárcere”.

Segundo CAPEZ (2006, p.228), o conceito de prisão consiste, “na privação da liberdade de locomoção determinada por ordem escrita da autoridade competente ou em caso de prisão em flagrante”. Tal conceito nos traz uma definição importante para o estudo da prisão no Brasil, pois só pode ocorrer, de maneira legal, quando efetuada mediante ordem escrita do juiz competente ou através da prisão em flagrante, conforme o artigo 5º inciso LXI da Carta Magna.

Convém destacar, que a prisão procedente de condenação em processo criminal difere intrinsecamente da prisão cautelar. Pois esta última, sendo atendidos os seus pressupostos fáticos de existência, ou seja, que decorrem da adequação fática do agir humano, só vigorará até o trânsito em julgado da sentença criminal condenatória.

Obtemperam MENDES, COELHO e BRANCO (2008, p. 658):

Tendo em vista o valor primacial da liberdade, a Constituição estabelece condições especiais para a decretação da prisão, bem como para sua mantença. A prisão somente se dará em flagrante delito ou por ordem escrita e devidamente fundamentada pela autoridade judiciária competente, ressalvados os casos de transgressão militar ou crime propriamente militar (CF, art. 5º, LXI). A análise das normas constitucionais pertinentes – art. 5º, LXI, LXV e LXVI – assinala não só a possibilidade de prisão provisória (prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão decorrente de pronúncia e de sentença condenatória recorrível), mas também a necessidade de concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, devendo, em qualquer hipótese, dar-se o relaxamento da prisão ilegal.

Para analisar o instituto jurídico da liberdade provisória faz-se necessário, primeiramente, a definição de cada modalidade da prisão cautelar.

A prisão temporária, prevista na Lei nº 7.960 de dezembro de 1989, consiste em uma medida acauteladora de restrição da liberdade locomoção, mas por tempo determinado, que tem por finalidade a garantia da investigação policial, utilizada em crimes graves, não necessária após a instauração da ação penal, sendo exclusiva da fase inquisitorial. Conforme o artigo 1º desta lei é cabível a prisão temporária se indispensável para as investigações do inquérito policial, ou se o indiciado não possuir residência fixa ou não ficar clara sua identidade, podendo ainda, quando houverem fundadas razões de autoria ou participação no inciso III, desse artigo, dentre eles os crimes hediondos e assemelhados, quais sejam, tráfico, tortura e terrorismo, mesmo os não contemplados no rol do art. 1º, por força do § 4º do artigo 2º da Lei nº 11.464 de 2007 (Lei de Crimes Hediondos), são suscetíveis de prisão temporária.

Sendo que para os casos de crimes hediondos e equiparados o tempo de prisão temporária é diferente da regra geral de 5 dias prorrogados por mais 5 dias, para eles é de 30 dias prorrogados por mais 30 dias em caso de comprovada e extrema necessidade, conforme previsão dada pela Lei  nº11.474/2007 , artigo 2º:

§4º. A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei n. 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovável necessidade.

Quanto à decretação, esta não pode ser de ofício pelo Juiz, e, conforme disposto também no artigo 2º da Lei nº 7.960/1989, somente pode ser decretada pela autoridade judiciária, mediante representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público. Esta prisão pode suceder a prisão preventiva, caso preencha os requisitos e por decisão fundamentada.

Já a prisão preventiva, nos termos do artigo 312 do CPP, será decretada para a garantia da ordem pública, ou ainda da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, em havendo prova da existência do crime e indício suficiente de sua autoria. A garantia da ordem pública se fundamenta num risco a sociedade caso o individuo se livrasse solto, pois provavelmente voltaria a delinquir, se dá pela análise dos antecedentes associados a forma de execução do crime. Em relação a garantia da ordem econômica, visa evitar que se o indivíduo solto estivesse cometesse novas infrações que afetem a ordem econômica, no caso do agente ter causado abalos a econômico-financeiros em uma empresa privada ou até mesmo aos cofres públicos, como nos crimes de colarinho branco. Quanto à conveniência da instrução criminal, ela serve para garantir o livre prosseguimento da instrução, para que não comprometa a livre produção probatória. Já quanto à garantia da lei penal, diz respeito a possibilidade do a gente tentar escapar de cumprir a pena, empreendendo fuga, possibilitando que o Estado exerça seu direito de punir.

As causas legitimadoras da preventiva estão no artigo 313 do CPP, onde reza que só será decretada em crimes dolosos que tenham pena privativa de liberdade máxima superior que quatro anos, ou se reincidente em crime doloso com sentença transitada e julgado, ou ainda para garantir a execução de medidas protetivas de urgência em crimes que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, idoso, enfermo, adolescente ou pessoa com deficiência. Também será admitida quando houver dúvidas sobre a identificação do acusado, não fornecendo elementos para o seu esclarecimento, devendo ser posto em liberdade depois de identificado.

A prisão preventiva, nos termos do novo texto do artigo 311 do CPP, pode ser decretada a requerimento do Ministério Público, autoridade policial, querelante ou assistente, ou ainda pelo juiz de ofício se no curso da ação penal.

A prisão em flagrante é um ato administrativo que independe de ordem judicial, previsto no artigo 5º, LXI da Constituição Federal de 1988, formalizado pela autoridade policial através da lavração do auto de prisão em flagrante e confirmado pelo órgão judiciário.  E uma vez confirmado, torna-se efetivamente prisão cautelar. Esta prisão pode ser feita por qualquer do povo e deve ser feita pela autoridade policial e seus agentes, nos termos do artigo 301 do CPP, a quem esteja em flagrante delito, ou seja, o cidadão comum pode prender, apesar de não ter a obrigação de fazê-lo em casos de flagrância, pois devido a situação de flagrância desnecessária se faz a análise de um Juiz de direito para se dá a prisão. Estes casos estão contidos no artigo 302 do CPP.

Existem algumas espécies de prisão em flagrante, como o flagrante próprio, caracterizado quando o agente está cometendo (artigo 302, inciso I, CPP) ou acaba de cometer a infração penal( artigo 302, inciso II, CPP), devendo ser logo preso.

O flagrante impróprio, que ocorre no momento em que o agente é perseguido, ainda após o crime em situação tal, que faça presumir que ele é autor da infração (artigo 302, inciso III, CPP), também chamado de quase-flagrante.

O flagrante presumido, quando, logo após o fato, o agente é encontrado com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser autor da infração (artigo 302, inciso IV, CPP). E diferente da anterior não exige a perseguição.

Fala-se em flagrante preparado, quando há indução ou provocação para que cometa o delito e logo em seguida é preso. Ressalta-se que a Súmula 145 do STF dispõe: “Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.

O flagrante esperado, em que não há provocação ou indução, mas sabendo com antecedência que o crime ocorrerá, os policiais mantém guarda e esperam o crime ocorrer para logo em seguida efetuar a prisão. Mas não impede que seja feita por particular.

Já o flagrante retardado, ou diferido, ocorre quando a policia retarda a prisão para obter maiores informações sobre os criminosos, na legislação pátria só é admitida na Lei de Crimes Organizados e na Lei de Antidrogas, pois ajudará no fornecimento de provas e demais informações.

A prisão em decorrência de pronúncia é modalidade de prisão cautelar aplicável àquele que é pronunciado para ser submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, como incurso em crime sujeito a pena privativa de liberdade, em regime fechado ou semi-aberto. O STF, 1ª Turma decidiu que não é automática esta prisão, ou seja, para que o Juiz possa prender alguém se impõe a observância do artigo 312 do CPP, devendo assim, demonstrar um dos motivos presentes neste artigo além da necessidade da prisão. Parte da doutrina tem entendido que essa forma de prisão desapareceu, o que existe é que em qualquer momento do processo se surgir os motivos da preventiva deve ser decretada a prisão e não por conta da prisão de pronúncia. Com isso o artigo 583 também do CPP está derrogado implicitamente.

Quanto à prisão em decorrência de sentença condenatória recorrível, é espécie de prisão cautelar imposta a quem é condenado a pena privativa de liberdade, em regime fechado ou semi-aberto, e também apenas quando demonstrado os requisitos da prisão preventiva, pois pode haver desnecessidade da prisão para se recolher, já que existem benefícios que concedidos tornam inviável a prisão.

Por fim, NUCCI (2008, p. 574), analisa a condução coercitiva do réu, vítima, testemunha, perito ou outra pessoa que se recusem, injustificadamente, a comparecer perante o juízo ou a autoridade policial, in verbis:

[...] por se tratar de prisão (quem é conduzido coercitivamente pode ser algemado e colocado em cela até que seja ouvido por autoridade competente), defendemos que somente o juiz pode decretá-la. Aliás, nessa ótica, cumpre ressaltar o disposto no art. 3º da Lei 1.579/52 (modificado pela Lei 10.679/2003): ‘Indiciados e testemunhas serão intimados de acordo com as prescrições estabelecidas na legislação penal. §1º. Em caso de não comparecimento da testemunha sem motivo justificado, sua intimação será solicitada ao juiz criminal da localidade em que resida ou se encontre, na forma do artigo 218 do Código de Processo Penal’. Demonstra-se, pois, que as Comissões Parlamentares de Inquérito, cujo poder investigatório, segundo a Constituição Federal (art. 58, §3º.), é próprio das autoridades judiciais, não devem ter outro procedimento senão o de requerer ao magistrado a intimação e condução coercitiva da testemunha para prestar depoimento. Logo, nenhuma outra autoridade pode prender a testemunha para conduzi-la à sua presença, sem expressa, escrita e fundamentada ordem da autoridade judiciária competente (art. 5º., LXI, CF).

MORAES (2004, p. 198) observa que a prisão cautelar, em cada uma de suas espécies, serve:

[...] para fins processuais, ou seja, para ser utilizada apenas como instrumento de garantia e proficuidade do processo penal. Não pode ser medida de antecipação de eventual e incerta pena futura, também não serve para dar satisfação à sociedade, à opinião pública. Tem caráter essencialmente processual, enquanto a prisão-pena, diversamente, tem matriz penal.

Dessa forma, de natureza cautelar, como mostra a citação acima, é essencialmente processual, que visa assegurar o bom andamento do processo e a aplicação da lei penal.

No entanto a prisão, no Brasil, por força constitucional (artigo 5º, inciso LXVI, da CRFB/88) é medida de exceção cuja regra é a liberdade, enquanto não houver sentença condenatória com trânsito em julgado, emanado do princípio da presunção de inocência.

Assim a liberdade provisória é instituto compatível com a prisão em flagrante e com a resultante de sentença condenatória recorrível, mas não com a preventiva ou temporária, em virtude da natureza jurídica dessas últimas.

COSTA (1997, p. 34), conceitua a liberdade provisória como sendo:

[...] uma medida contracautelar que, tomando por escopo elidir os efeitos deletérios defluentes de um trancafiamento precipitado e desnecessário, é concedida ao indiciado ou réu com a imposição de deveres processuais, os quais, uma vez descumpridos, provocam a sua revogação e o emprisionamento do seu beneficiário.

A liberdade provisória pode ser também entendida como o meio encontrado pelo legislador para mitigar os gravames de uma prisão cautelar, criando assim, um vínculo entre réu e o processo ao amarrar aquele à imposição de determinados ônus, como exemplo obrigando-o a comparecer periodicamente perante a autoridade, impedindo-o de sair da comarca ou, até mesmo, exigindo-se, em alguns casos, que venha a prestar fiança, sem, contudo, mantê-lo no cárcere.

1.2 Natureza Jurídica

Quanto à natureza jurídica da liberdade provisória, não há que se falar em dissidência doutrinarias. Este instituto tem previsão constitucional, com previsão dentro dos direitos fundamentais individuais do artigo 5º, inciso LVXI, por tanto, cláusula pétrea. Além disso, também tem natureza cautelar e processual, tendo em vista que tem aplicação processual penal.

Na natureza jurídica processual da liberdade provisória, o adjetivo processual deve-se porque surge quando da existência de relação processual, sendo decretada por juiz criminal no exercício da sua jurisdição. Diferente do aspecto cautelar que estará ligado à regularidade processual e á defesa do réu ou indiciado. A liberdade provisória atuaria, então, cautelarmente, para evitar os inconvenientes de um cárcere, mas sob certas condições impostas.(COSTA,1997)

Sua previsão está no Código de Processo Penal, cuidando desta matéria os artigos 310 e 321, que tratam da liberdade provisória vinculada e sem vinculação.

A natureza jurídica da norma disciplinadora da liberdade provisória é processual e de aplicação imediata, conforme dispõe o artigo 2º do CPP. E que embora processuais, as disposições constitucionais relativas aos direitos individuais, como no caso da liberdade provisória, deverão retroagir ou ultra-agir, de acordo com a conveniência do benefício do réu.(JESUS,2002)

O grande objetivo da liberdade provisória quando dá ônus e impõe restrições, é o de assegurar o livre e tranquilo andamento do processo, e caso haja algum descumprimento, revoga-se o benefício. Aqui bem se delineiam as duas características clássicas da liberdade provisória, ou seja, a precariedade e a substitutividade do instituto. Assim demonstra MARQUES (1997, p.121):

A cautela penal tendente a assegurar o bom andamento do processo ou a execução da pena, com a prisão do réu, fica substituída pelas restrições e pelos ônus contidos na liberdade provisória, a qual, por isso mesmo, assume o aspecto de ‘un sostitutivo affievolito’, ou sucedâneo enfraquecido da prisão provisória.

O fundamento da liberdade provisória é a proteção à liberdade de locomoção do indivíduo, fazendo-se presente, como medida excepcional, para substituir, quando verificados os seus requisitos, as prisões em flagrante e a mais comum advinda de sentença condenatória recorrível.

A liberdade individual é agora culminante à categoria de inconcusso princípio de Direito Público, justificando-se pelo uso das prisões cautelares apenas nas circunstâncias extremamente indispensáveis. TOURINHO FILHO (2003, p.513), ao analisar que a liberdade provisória substitui a prisão provisória, alega que seu alicerce “repousa na circunstância de que ela também assegura a presença do réu ao processo, sem o vexame, a humilhação ou mesmo o sacrifício da cárcere” .

A liberdade provisória faz continuar as causas do encarceramento, substituindo este por aquela, quando houver previsão legal, estabelecendo ao acusado certos compromissos e ônus que, quando descumpridos, sujeitarão o acusado a sanções ou até mesmo o encarceramento. Por tanto, a liberdade provisória não mune o acusado de liberdade plena, já que é vinculada a certas circunstâncias a serem satisfeitas pelo réu. Tais vínculos, impostos, explicam-se pela probabilidade de uma condenação ao final do processo.

2 CRIMES HEDIONDOS

O crime é um fato típico, antijurídico e culpável. No seu sentido analítico, ele pode ser dividido em duas vertentes, clássica e finalística.

A finalística, vertente mais aceita pelos doutrinadores, conceitua crime como sendo um fato antijurídico e típico, apenas, pois diz ser a culpa não mais requisito para existência do delito, só necessário para aplicação da pena. Já a clássica, diz ser crime um fato típico, antijurídico e culpável, sendo esta ultima um vinculo entre ação e resultado.

O Brasil é adepto da teoria bipartida da infração penal, onde o crime é uma espécie do gênero infração, o qual compreende tanto os delitos, já referidos crimes, como também as contravenções, sendo estas, aquelas infrações, ou condutas, em que, por uma medida de política criminal, o Estado resolveu coibir de uma forma mais amena. Assim como podemos perceber tal diferença no artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei 3.914/41):

 

Art. 1º - Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, penas de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

O conceito finalístico mais aceito no Brasil e no mundo é tripartido. Fato típico e antijurídico e culpável. Somente o Damásio, Capez e Dotti adotam a teoria bipartida (fato típico e antijurídico).

A diferença entre a teoria clássica e a finalística consiste no fato do dolo e a culpa para a teoria causalista encontra-se na culpabilidade, já para a teoria finalista na tipicidade.

2.1 Conceitos

Ouvisse diariamente falar em Crime Hediondo, e apesar de não possuir significado dentro da técnica do direito penal, ele caracteriza-se por ser um dos aspectos mais polêmicos deste e do Processo Penal.

A razão de existir do crime hediondo é a existência de um maior desvalor da ação e desvalor do resultado.

Por desvalor da ação deve ser entendido um juízo negativo na conduta que infringe a norma de determinação imperativa da norma penal.

Por desvalor do resultado deve ser entendido um juízo negativo da conduta que produz um resultado lesivo ao bem jurídico protegido, ou seja, conduta que infringe a norma valorativa da norma penal.

Esse tipo de crime encontra previsão constitucional, no artigo 5º, inciso XLIII, da Carta Magna, que diz:

LXIII- a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

Da simples leitura deste inciso, podemos diferenciar os Crimes Hediondos, que são os definidos pelo legislador como hediondos, e os equiparados a hediondos, que são: a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo. Tanto os equiparados, quanto os hediondos merecem tratamento diferenciado, ou seja, mais rigoroso, tal premissa é da própria previsão constitucional, que veda a graça e anistia para tais crimes. O grande problema reside na forma de tratamento e em definir quais são os Crimes Hediondos.

A Lei nº 8072 de 1990 veio definir os Crimes Hediondos e nos dá as consequências deles serem hediondos. O rol está no artigo 1º desta lei, é um rol taxativo, ou seja, somente o que está no rol do artigo é considerado hediondo e não pode o magistrado ampliar esse rol.  Diante dessa taxatividade, percebe-se que o legislador excluiu os crimes não enumerados, como o roubo qualificado pelo emprego de arma de fogo e sequestro, e também agiu de forma discricionária na avaliação da conduta, cabendo ao magistrado, apenas, adequar o caso a figura típica e aplicar as conseqüências previstas.

Percebe-se que o ordenamento jurídico brasileiro adotou o critério legal, em que é de competência apenas do legislador definir, a partir de um rol taxativo, quais os delitos que considerará hediondos. Diferente do critério judicial, em que o juiz no caso concreto deve afirmar se é hediondo ou não, ou seja, ele é autorizado para taxar o crime como hediondo, a partir da gravidade do crime, a forma como foi praticado e a repercussão que gerou na sociedade, passando aplicar todas as conseqüências penais e processuais. E também distinto do critério misto, onde primeiro o legislador elabora um rol exemplificativo de crimes hediondos, permitindo ao juiz, em segundo plano, ao analisar o caso concreto fazer uma interpretação analógica.

Segundo CUNHA (2009, p.385)

Para nós nenhum dos critérios é justo: o primeiro (legal) trabalha somente com gravidade do fato em abstrato, desconsiderando, lamentavelmente, o caso concreto; o segundo (judicial) deixa ao exclusivo império do juiz a análise da hediondez, ferindo, consequentemente, o mandamento da certeza e segurança jurídica (um comportamento tido como hediondo para um juiz pode, nas mesmas circunstâncias, não ser para outro); o terceiro ( misto), a exemplo do anterior, não garante a necessária segurança ao cidadão, partindo de exemplos dado pelo legislador, podendo o magistrado encontrar outros casos semelhantes(ignora a taxatividade). Diante desse quadro, sugerimos um quarto sistema, mais justo (e seguro), no qual o legislador, num primeiro momento, enuncia num rol taxativo (por tanto sem possibilidade de ampliação) os crimes hediondos, cabendo ao juiz apenas conformar, na análise do caso concreto, a hediondez do fato praticado (assim por exemplo, nem todo homicídio qualificado será, em concreto, hediondo).

A expressão crime hediondo, dentro da linguagem popular, é definido como aquele crime praticado com requintes extremos de perversidade, revelando frieza, bem como falta de sensibilidade do agente, mas em verdade, hediondo é o crime rotulado como tal pelo legislador (FRANCO, 2007).

2.2 Contexto Histórico no Brasil

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Brasil passou a vivenciar uma onda generalizada de sequestros. O sequestro do empresário Roberto Medina foi considerado a Gota D’água desta situação. O clima emocional pressionava o Congresso Nacional, no sentido da criação de dispositivos mais duros.

O clamor de uma sociedade apavorada levou a implementação de medidas mais drásticas quanto ao combate da criminalidade. Com efeito em 25 de julho de 1990, promulgou-se a Lei nº 8072, a Lei de Crimes Hediondos.

Em 28 de Dezembro de 1992, no Rio de Janeiro, foi assassinada a golpes de punhal, a atriz Daniela Perez. Julgados e condenados por homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e impossibilidade de defesa da vítima, os dois que mataram cumpriram apenas seis anos dos dezenove anos da pena imposta. Pelo esforço de Glória Perez (mãe da vítima), formulou-se um projeto de lei, de iniciativa popular, para os Crimes Hediondos. O projeto foi aprovado, dando origem à Lei nº 8.930/94, que incluiu o homicídio simples, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio e qualificado no rol dos Crimes Hediondos. As mudanças na lei não atingiram os assassinos de Daniela, mas a parti de então o homicídio passou a ser punido com mais rigor.

Todo esse rigor objetivava prevenir a ocorrência de casos como o de Daniela Perez, contudo percebe-se que não foi à solução, tantos outros casos foram se seguindo, um dos mais populares ocorreu no dia 31 de outubro de 2002, em que Suzane Von Richthofen assassinou os próprios pais com a ajuda de seu namorado e do cunhado. Suzane e seu namorado foram condenados a trinta e nove anos e seis meses, enquanto o seu cunhado foi condenado a trinta e oito anos e seis meses. Mesmo tendo sido os três condenados por crime hediondo, havia possibilidade de progressão de regime, que seria com 1/6 da pena, e houve o pedido de seus advogados da liberdade provisória mesmo a lei então em vigor não permitindo, alegando constrangimento ilegal.

Somente após a comoção causada pela morte do menino João Hélio em 2007, foi aprovada a Lei nº 11.464. Por esta lei, só poderá pleitear a progressão o acusado condenado que cumprir 2/5 da pena, ou 3/5 se reincidente, contudo possibilitou a liberdade provisória sem fiança, dando uma benesse ao acusado.

Leis como a de crimes hediondos são criadas do afogadilho, visando abafar os reclames da sociedade. É uma lei desarrazoada, criada de improviso, sem a patente e o crivo pericial dos juristas e da sociedade civil como um todo. Em suma a lei de crimes hediondos trouxe muita polêmica e pouca eficácia.

2.3 Tipos

O rol do artigo1º foi alterado por duas leis posteriores, a primeira, Lei nº 8.930/94 acrescentou ao rol o homicídio simples, praticado em atividade típica de grupo de extermínio e o qualificado, e aboliu do rol o crime de envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal qualificada pela morte, constante nos artigos 270 cumulado com o 285 do CP. A segunda lei, Lei nº 9.695/98, somou ao rol os delitos de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produtos que tenham finalidades medicinais ou terapêuticas, presentes no artigo 273 do CP. No projeto dessa ultima lei, previa também a corrupção, adulteração, falsificação ou alteração de substâncias ou produtos alimentícios, desde que o torna-se prejudicial a saúde ou reduzi-se seu valor nutritivo, contudo foi vetado pelo Presidente da República, pois feria a razoabilidade e proporcionalidade, o que distorceria e banalizaria este construção constitucional, e desenvolvida pelo legislador ordinário, para oprimir delitos cuja própria sociedade quer dar tratamento mais severo.

Dentro do artigo 1º da Lei nº 8.072/90 encontramos os tipos definidos como hediondos, eles são oito, sendo que sete deles estão no Código Penal e um, o genocídio, em lei penal especial. Além dos equiparados também presentes em leis especiais.

2.4 Ação Penal nos Crimes Hediondos

A ação penal, nos crimes hediondos, é a ação pública incondicionada, tendo como exceção a regra, os crimes de homicídio simples em atividade típica de grupo de extermínio e homicídio qualificado, que são de competência do Tribunal do Júri, ou seja, juiz singular.

De acordo com o artigo 225 do Código Penal, a ação penal privada se tornará ação penal pública condicionada à representação, para os crimes sexuais, e se a vítima é menos de 18 anos ou vulnerável a ação penal privada se tornará pública incondicionada. E ainda se o estupro é cometido com o uso de violência real, a ação será pública incondicionada, segundo a Súmula 608 do STF. LEAL (2007, p. 152), ressalta que:

[...] a ação penal privada deveria ser abolida, salvo nos casos de ação subsidiária, por inércia do promotor de justiça. Para atender ao interesse de se evitarem ações penais que possam causar desnecessários danos à reputação do ofendido, bastando condicionar à representação deste, o exercício da ação penal pública.

 

O ofendido tem a faculdade de propor ou não a ação penal privada, de acordo com a sua conveniência, ao contrário da ação pública, informada que é pelo princípio da legalidade, segundo o qual não é dado ao seu titular, quando da sua propositura, ponderar qualquer critério de oportunidade e conveniência.

3 LEI Nº 11.464/07: DESCRIÇÃO E ANÁLISE

A nova Lei nº 11.464 de 28 de março de 2007, tendo sido publicada e vigente em 29 de março de 2007, estabeleceu um novo preceito de execução pra condenados por Crimes Hediondos e equiparados. Devendo ser aplicada a parti da sua vigência, mas também aqueles casos que estão em processamento ou vierem a se desenvolver se o crime foi cometido antes da vigência, segundo o princípio da retroatividade benigna, constante no artigo 2º, parágrafo único, do CP.

3.1 Principais alterações quanto à lei nº 8.072/90

A lei 11.464/07 dá nova redação ao artigo 2º da Lei 8.072/90, publicada, em edição extra do Diário Oficial da União, analisa-se a Lei dos Crimes Hediondos pela visão do novo diploma.

Redação anterior:

Art. 2º - Os crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

I - Anistia, graça e indulto;

II - Fiança e liberdade provisória.

§ 1º. A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado.

§ 2º. Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.

§ 3º. A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

Dada nova escrita, foi conservado o caput e o inciso I, mas tendo sido modificado o inciso II; o § 1º foi revogado, e em se lugar sugiram dois novos parágrafos; e tendo sido mantidos os parágrafos 2º e 3º estes conseqüentemente, passaram a ser 3º e 4º:

II - fiança.

§ 1º. A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.

§ 2º. A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.

§ 3º. Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.

§ 4º. A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei no 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

Percebe-se que as mudanças na lei dizem respeito ao abrandamento dado a estes crimes, com a vedação da impossibilidade da liberdade provisória e a possibilidade da progressão de regime, até antes impossível.

3.1.1 Argumentos favoráveis e contrários a liberdade provisória

A grande inovação está na possibilidade de liberdade provisória, tendo o novel legislador tirado do texto à restrição desta, mas manteve o inciso II, que veda a fiança. Sendo assim o legislador passou a permitir a liberdade provisória sem fiança, restringindo tão somente a liberdade provisória mediante fiança, mas nada especificou tendo somente se omitido a respeito. Apesar disso, tal omissão foi intencional, pois adveio da vontade do legislador, ration legis.

E com a reforma em 2011 do CPP, o legislador achou por bem, adotar um modelo de individualização para as medidas provisionais, de acordo com o caso concreto, e assim poder conceder ao acusado a liberdade provisória sem fiança, com a imposição de algumas medidas cautelares, previstas no artigo 319 do CPP diferentes do encarceramento.

Ou seja, tirou um ônus a mais das costa do acusado de crime hediondo, não tendo este sequer que recolher valores para aguardar em liberdade, beneficiou e muito o acusado e deixou amarradas as mãos dos Juízes.

Atingir de maneira econômica o acusado seria o mínimo a se esperar do legislador, já que tais crimes tão reprováveis pela sociedade se fossem cobrada a fiança compatível, daria uma espécie de severidade e punição diferenciada aos criminosos. Além do que o legislador preferiu seguir a regra Constitucional, em que a prisão provisória é medida de exceção, e seguindo tal premissa a liberdade provisória não pode ser defesa em lei.

Tal impossibilidade também se estende aos crimes equiparados a hediondo, tal como o Tráfico de Drogas, contudo vai de encontro ao artigo 44 da Lei 11.343/2006, pois tal artigo proíbe a liberdade provisória aos crimes do art.33, ou seja, o trafico de drogas. Contudo, ao analisar a nova Lei dos Crimes Hediondos e a Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso XLIII, conclui-se pela possibilidade da liberdade provisória, mesmo para o crime de tráfico de drogas, mas devendo cada fato ser analisado pelo magistrado, outrossim, apreciar o previsto no artigo 312 do CPP. Mas ainda há julgados que entendem pela impossibilidade da liberdade provisória nestes casos, pois afirmam ser uma lei especial em relação à dos crimes hediondos, que não proíbe, não havendo qualquer antinomia, sendo motivo suficiente para proibir tal benefício. Conforme julgado recente.do STJ, HC 215884/SP, rel. Min. Gilson Dipp, j. 08.11.2011, 5ª Turma:

CRIMINAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DECRETO CONDENATÓRIO. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE NEGADO.  LIBERDADE PROVISÓRIA. ARTIGO 44 DA LEI Nº 11.343/06. VEDAÇÃO LEGAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. SUBSTITUIÇÃO DA REPRIMENDA CORPORAL POR RESTRITIVA DE DIREITOS. ART. 44 DA LEI 11.343/06. INCONSTITUCIONALIDADE DO ÓBICE DECLARADA PELO PLENÁRIO DO STF. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

I. Hipótese em que o paciente foi condenado pela prática do delito

de tráfico de drogas para tal fim, tendo sido negado o direito de

recorrer em liberdade.

II. A Lei n.º 11.343/2006 veda a concessão de liberdade provisória

aos acusados de tráfico de drogas e condutas afins.

III. Em que pese o STF, nos autos do RE n.º 601.384/RS, ter se

manifestado pela existência de repercussão geral, a

constitucionalidade do art. 44 da Lei nº 11.343/06 ainda não foi

dirimida, devendo prevalecer o entendimento consolidado no âmbito

desta Turma até o julgamento final da matéria pelo Pretório Excelso,

no sentido da existência de vedação expressa à concessão de

liberdade provisória aos acusados pela prática do delito de tráfico

de entorpecentes. Precedentes[…]

 E assim sendo se para o tráfico de drogas que é equiparado a hediondo há vedação a liberdade provisória, não seria ilógico deixar solto o acusado de práticas tão mais severas?

Na perspectiva garantista, que atua de certa forma em defesa do acusado, esta mudança na lei de crimes hediondos é perfeitamente aceitável, visto que a pena para ser justa deve ser imposta de fronte aos princípios constitucionais, como a legalidade e a presunção de inocência, e não apenas como uma forma de retribuir o mal causado. Nesse sentido o legislador constitucional preferiu deixar impune quem talvez seja culpado, do que punir um inocente, seguindo o princípio da presunção de inocência, que é cláusula pétrea, não podendo o cidadão já ser considerado culpado, antes do trânsito em julgado da sentença penal.

Quem defende esse abrandamento do legislador, afirma que ela deriva do próprio texto constitucional, pois no seu artigo 5º, inciso XLIII, admite a inafiançabilidade de tais crimes, assim como o inciso LXVI do mesmo artigo, que só permite a prisão em flagrante ou por ordem da autoridade judiciária. Defende-se, pois, a liberdade individual do abuso de poder. O caso do jornalista Pimenta Neves[1], que aguardou seu processo em liberdade é o exemplo mais usado, visto que não havia motivos para mantê-lo encarcerado, pois não apresentava perigo à sociedade como um todo. Porém, seria ilógico assim pensar, pois, se a própria Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XLIII não permite a liberdade provisória mediante fiança, pudesse permitir ela sem fiança. Nesse sentido o HC nº92924 / SP , cujo relator Min. Carlos Brittode 01de abril de 2008, 1ª Turma, assim dispõe:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE. PACIENTE PRONUNCIADA PELO CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (CRIME HEDIONDO). CUSTÓDIA CAUTELAR MANTIDA. OBSTÁCULO DIRETAMENTE CONSTITUCIONAL: INCISO XLIII DO ART. 5º (INAFIANÇABILIDADADE DOS CRIMES HEDIONDOS). SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 11.464/2007. IRRELEVÂNCIA. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF. 1. Se o crime é inafiançável e o acusado foi preso em flagrante, o instituto da liberdade provisória não tem como operar. O inciso II do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, quando impedia a "fiança e a liberdade provisória", de certa forma incidia em redundância, dado que, sob o prisma constitucional (inciso XLIII do artigo 5º da CF/88), tal ressalva era desnecessária. Tal redundância foi reparada pelo legislador ordinário (Lei nº 11.464/2007), ao retirar o excesso verbal e manter, tão-somente, a vedação do instituto da fiança. 2. Manutenção da jurisprudência desta Primeira Turma, no sentido de que "a proibição da liberdade provisória, nessa hipótese, deriva logicamente do preceito constitucional que impõe a inafiançabilidade das referidas infrações penais: (...) "seria ilógico que, vedada pelo art. 5º, XLIII, da Constituição, a liberdade provisória mediante fiança nos crimes hediondos, fosse ela admissível nos casos legais de liberdade provisória sem fiança..." (HC 83.468, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence). No mesmo sentido: HC 93.302, da relatoria da ministra Cármem Lúcia. 3. Ilegalidade do aprisionamento cautelar por ausência de situação flagrancial, nos termos do art. 302 do CPP. Prisão que se deu muito mais como resultado de uma série de procedimentos investigatórios do que por efeito de uma instante ou focada perseguição. Falta de caracterização dos chamados "flagrante impróprio" e "flagrante presumido" (incisos III e IV do art. 302 do CPP). Ilegitimidade do flagrante lavrado, a atrair a incidência do inciso LXV do artigo 5º da CF/88 ("a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária"). 4. Habeas corpus parcialmente conhecido e, na parte conhecida, indeferido. Concessão da ordem de ofício.

A prisão, mesmo que provisória acarreta diversos males ao indivíduo, pois tem que deixar sua família, seu emprego, sua vida construída, e muitas vezes ao sair inocente, vê tudo aquilo destruído e ainda visto com maus olhos pela sociedade que o condena antes mesmo do magistrado. Alem do mais, ha instabilidade do período carcerário, não sabendo ao certo quanto tempo ficará preso. Esta situação pode-se dizer, pior do que o preso em definitivo, que tem uma série de direito, que acabam por distraí-lo no cumprimento da pena, que já tem um tempo certo estipulado.

É cediço que dificilmente o cárcere ressocializa um ser, a Lei n. 12.403/11 trouxe uma série de medidas cautelares, justamente para só ser utilizada a prisão como ultima ratio, já que as cadeias estão superlotadas e não se vê perspectivas de ressocialização nelas. Contudo a superlotação não pode ser um motivo dessa alteração, visto que não se pode combater o problema de superlotação deixando de prender acusados, principalmente de crimes que lesão bens tão preciosos.

O mais, o legislador ordinário não pode ampliar o texto constitucional, e onde se lê que os crimes hediondos são inafiançáveis, também incluir que não são passíveis de liberdade provisória. E assim sempre que havendo conflito entre a lei maior e outra infraconstitucional, prevalecerá a lei maior.

Contudo alguns doutrinadores entendem que o tratamento dispensado a liberdade provisória, não deve ser constitucional, mas tão somente processual, devendo ser realizado pelo próprio Código de Processo Penal, ou seja, podia perfeitamente, a lei de crimes hediondos restringir a liberdade provisória. Pois seria uma faculdade do legislador ordinário permiti-la ou não a estes crimes, já que o fato do Poder Constituinte Originário ter vedado a fiança, não significa que no caso concreto o Poder Constituinte Derivado não possa ampliar a restrição, com a vedação da liberdade provisória. Um exemplo de tal fato, diz respeito aos crimes de racismo e ação de grupos armados, o qual nossa Carta Magna declara imprescritíveis (artigo 5º, incisos XLII e XIV), o STF já entendeu que o Poder Constituinte Derivado pode criar novas formas de imprescritibilidade, como exemplo o artigo 366 do CPP, em que o legislador suspendeu o prazo prescricional para o réu que não comparecer e nem constituir advogado, quando citado por edital. Outro exemplo, diz respeito ao crime de tortura, em que antes da alteração da lei de crimes hediondos, devia ser iniciado em regime fechado, mas o legislador fez uma ressalva( Lei nº 9455/97, artigo 1º § 7º), para os casos de omissão na tortura, ou seja, aos casos em que o indivíduo tinha o dever de evitar ou apurar a tortura, mas nada fez( Lei nº9455/97, art.1º §2º), podendo estes iniciar o cumprimento da pena em outros regimes, semi-aberto ou aberto.  

Desse abrandamento trazido pela Lei 11.464/07, equiparou-se o acusado de crime hediondo ao acusado por crime comum, principalmente no tocante ao processo penal, pois aquele passa a se sujeitar as normas do CPP, deixando de lado as normas especiais contidas na Lei dos Crimes Hediondos.

Hodiernamente, toda e qualquer prisão cautelar deriva do flagrante ou de possuir os requisitos da preventiva. Antes da entrada em vigor da Lei nº11. 464/07 via-se uma severidade maior na vedação à liberdade provisória, só sendo concedida de forma extravagante. Mas por ter em várias ocasiões ter sido permitida, a nova previsão legal veio por afastar tal vedação.

Outra ferramenta argumentativa, diz respeito à proteção ao núcleo essencial, que por esta não se pode restringir direitos fundamentais. Contudo isso não impede, que diante do caso concreto, e em situações específicas, o próprio Poder Judiciário, possa afastar por completo um direito fundamental, através da técnica de ponderação, mesmo que atingindo seu núcleo essencial. Admite-se ainda, não só ao Poder Judiciário, mas a própria lei, pois em determinados direitos, qualquer restrição implicará numa restrição total, como exemplo do direito a vida, o qual a CP permite o aborto em caso de perigo de vida para a gestante, essa limitação é total a vida do feto. Por tanto tal restrição a concessão da liberdade provisória seria perfeitamente válida, mesmo que restringindo alguns direitos fundamentais.(MARMELSTEIN, 2009)

Quando se fala em Crime Hediondo, pela própria torpeza a mais que lhe são inerentes, entendemos que a prisão poderia prevalecer sobre a liberdade provisória, pois o próprio contexto fático a autoriza. Devendo os Juízes, ficarem mais atentos na concessão deste benefício, para que não ocorra uma banalização de tais crimes, se tornando o oposto do que a lei pretende, gerando um sentimento de impunidade, insegurança, medo, incredulidade, pois não se vê uma resposta eficiente por parte do Estado de um crime que incomoda e indigna a todos

3.1.2 Os reflexos da permissão da liberdade provisória em outros diplomas legais

Devido à nova possibilidade de concessão da liberdade provisória, até mesmo para os crimes que mais causam ojeriza para a sociedade e que mais afrontam os bens jurídicos tutelados em nosso ordenamento, não seria certo continuar as vedações a este benefício trazidos em leis anteriores, tendo sido revogadas tacitamente, pois não se permite mais nenhuma vedação a liberdade provisória no campo do direito processual penal de nosso ordenamento jurídico.

Restou revogado o artigo 44 da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06) ao indicar que:

Os crimes previstos nos artigos 33, caput e parágrafo primeiro, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

Nesse mesmo raciocínio, foram revogados o artigo 21 contido no Estatuto do Desarmamento (Lei nº.10.826/03) e artigos. 7º e 9º, da Lei 9.034/95. Como observado a partir da ADIN 3112, onde o STF declarou a inconstitucionalidade de três dispositivos do estatuto, anulando dois dispositivos que proibiam a liberdade provisória, mediante o pagamento de fiança para o porte ilegal de arma e o disparo de arma de fogo.

O artigo 21 do Estatuto do Desarmamento assim previa: “Os crimes previstos nos artigos 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade provisória.”

E os artigos. 7º e 9º, dispunham que:

Art. 7 - Não será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa.

Art. 9 - O réu não poderá apelar em liberdade, nos crimes previstos nesta Lei.

Sendo assim, já que a própria Lei dos Crimes Hediondos passou a admitir tal benefício, ficaram revogadas tacitamente às disposições acima. Passou a regra ser a liberdade e a prisão ser medida de exceção.

A Lei nº 9.034/95, de forma excepcional, foi a única a manter o pressuposto de recorrer em liberdade.

3.2 Direitos Humanos x Opinião Pública

Em conformidade ao referendado em Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos tem como ideal comum a ser atingido por todos os povos e nações, que cada indivíduo e cada instituição possam promover e respeitar os direitos e à liberdade. Em seu art. 1º expressa com veemência que, “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.

O referido artigo remete a uma compreensão de que o cidadão deverá considerar seus atos e, numa total responsabilidade entre ele e o próximo, proporcionar a ocorrência uma relação íntima de convivência e, em sendo assim, o artigo 2º somente vem ratificar o que explicita o 1º:

Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo. Língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição.

Importante mencionar a ocorrência de uma associação entre todas as Constituições e, de modo particular, com a Declaração Universal de 1948, uma vez que as mesmas referendam em seus artigos, títulos e incisos, uma particularidade: o segmento de um protótipo, quando se refere ao homem quanto aos seus direitos e deveres.

A luta pelos direitos humanos é constante em nossa sociedade, mas muitas vezes é usada como sinônimo de direito de bandidos, ou seja, usada como sustentáculo a impunidade e ineficaz aplicação da lei. Diante dos avanços e retrocessos vem se popularizando a cultura dos Direitos Humanos, com o reconhecimento do cidadão como sujeito de uma série de direitos. Assim, eles são usados pela luta em prol da liberdade e da igualdade, mas também necessitam também de um cenário jurídico, político, cultural e econômico para se perfazer, podendo assim salvar a vida de muitos ou proporcionar uma vida digna de outros tantos, e ainda a possibilidade de uma mudança social significativa.

Os direitos humanos são patrimônio de todos, tanto das presentes, quanto das futuras gerações, por isso é preciso que sejam cada vez mais garantidos. Atualmente vive-se um momento de necessidade de proteção desses direitos.

A Lei nº 8072/90, adotou uma política repressiva, em que o Estado queria demonstrar sua força e poder de punir, através de respostas penais cada vez mais severas. Assim também se reafirmava a força da lei, vide os anseios populares, em que a própria população pedia por essa resposta do Estado.

Apavorados pelos diversos crimes cruéis ocorridos, a sociedade de hoje ainda clama por justiça e pede por mais respeito à vida. Perguntam-se, quantas vidas ainda terão que serem gastas, quantas gotas de sangue derramadas para que sejam feitas mudanças significativas para coibir esses crimes que tanto ojeriza a todos.

3.2.1 Os princípios que influenciam no tema

A dignidade da pessoa humana é um princípio universal, consagrado pelo nosso ordenamento jurídico e previsto no artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Nessa esteira, o acusado deve ser detentor de direitos processuais, o que lhe garante mais voz dentro do seu processo, e a garantia de ser respeitado por todos os participantes da ação. Assim também o Juiz e o promotor devem conhecer o passado do acusado, sua infância, suas condutas passadas, antes de julgá-lo, pois isto trás humanização ao processo. Contudo quando o agente é acusado de um Crime Hediondo, geralmente já é feito um prejulgamento do indivíduo e de seu passado, como mostra Rogerio Schietti (2011, p. 61):

Semelhante abordagem, que se pretende respeitosa, da pessoa do acusado, por parte do Estado e seus agentes, não é, todavia, bem aceita quando se trata de processo por prática de crimes bárbaros, que se costuma identificar o réu como um ser animalesco, indigno de merecer o mais remoto sentimento benevolente, já que não foi capaz de demonstrar qualquer vestígio de humanidade em seu comportamento odioso.

Sendo assim, a Justiça não pode se deixar levar por sentimentos e paixões por mais forte e persuasiva que seja a opinião pública nesses casos. Deve-se aplicar de forma objetiva e compatível as medidas cautelares ou benefícios dentro dos limites da lei, assim como nos mostra a nossa Constituição, que dá tratamento mais rigoroso a determinadas condutas e tem normas restritivas de liberdade.

Outro princípio de grande valia, é o da presunção de inocência, onde assegura ao acusado o direito de não ser condenado até o trânsito em julgado da sua sentença penal condenatória. No tocante a liberdade provisória, nossa Constituição preceitua em seu artigo 5º, inciso LXVI, que, “ninguém será levado a prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. Ou seja, só uma certeza deve lastrear sua condenação, cabendo ao órgão acusador provar essa certeza, pois é seu ônus, não podendo ser levado a prisão diante de uma imperiosa necessidade, visto que até antes do fim do julgamento não foi dada ta certeza de culpa.

E a consequência deste ultimo princípio, é que a prisão deve ser vista como medida de exceção, a ultima ratio, é assim que modernamente é feito pelos principais ordenamentos. Antes da alteração da Lei nº 8072/ 90, ela não via a prisão provisória como medida de exceção, mas como a regra para esses crimes, pois vedava a possibilidade da liberdade provisória.

O artigo 5º, inciso LIV, reza que, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, sendo assim, só haverá prisão se existir previsão legal já expressa e seguindo as regras instituídas em lei. Juntamente neste artigo, o inciso LXI, diz que, “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita da autoridade judiciária competente, salvo em caso de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”, ou seja, só a autoridade judiciária competente cabe decretar a prisão, com exceção da prisão em flagrante, que é medida efêmera. Tais incisos contemplam os princípios da legalidade e da jurisdicionalidade respectivamente 

Além disso, deve ser proporcional, ou seja, só deve ser levado a prisão se a medida por adequada, necessária e proporcional em sentido estrito, subprincípios estes que se decompõe no princípio da proporcionalidade, e com a nova reforma do CPP, todas as medidas cautelares devem se sujeitar a averiguação da adequação, necessidade e proporcionalidade. Dentre outros princípios e subprincípios que fundamentam a liberdade provisória.

Em contra partida, o aumento sensível no número da criminalidade, gera a responsabilidade do Estado diminuir esses números através do princípio da segurança pública. Que juntamente com o poder de polícia, é permitido limitar direitos individuais, para melhor proteger a sociedade e defender seus valores. Nesse sentido dentro dos diversos crimes previstos no CP, tenta-se garantir um rigor na sanção punitiva, principalmente em relação aos crimes hediondos e seus equiparados, por serem considerados como crimes que atingem bens de suma importância, pois violam o senso moral médio da sociedade. Portanto, crimes de tamanha gravidade e conseqüências, merecem tratamento mais severo, assim como limitação da liberdade do acusado durante o processo, através da impossibilidade de concessão do benefício da liberdade provisória com ou sem fiança.

Também nesse contexto, urge o princípio da proporcionalidade em sua dúplice dimensão na esfera penal. No plano do excesso ele atua limitando a atuação Estatal de forma arbitrária e abusiva, e no da insuficiência o Estado deixa de atuar ou atua em níveis mínimos de proteção constitucional. Diante da liberdade provisória, salienta-se que não haveria inconstitucionalidade em tratar de forma desigual dos demais crimes, pois isto seria necessário frente à aplicação da proibição da insuficiência (proteção insuficiente), em que tais crimes reclamam a necessidade de mandados constitucionais de criminalização, para que o Estado atue nas áreas que geram maior lesividade.

CONCLUSÃO

Dar tratamento mais rigoroso aos crimes hediondos apresenta-se como uma necessidade da nossa sociedade, já que tais crimes tem uma maior lesividade, merecendo uma maior reprovação do Estado. Contudo, não se trata de qualquer crime que seja considerado desumano ou cruel, mas apenas aqueles crimes que o legislador enumerou como hediondo em um rol taxativo.

É certo que a opinião pública contribuiu para a feitura da lei de crimes hediondos, e em suas alterações no decorrer do tempo. Mas isso é consequência de cada momento histórico, tendo que a lei se adequar ao período em que vige, para não ser ultrapassada e cair em desuso.

Atualmente esta lei foi abrandada, possibilitando a liberdade provisória sem fiança dentre outros benefícios, mas esta alteração não surgiu de um avanço social, ou seja, pela diminuição de crimes desta natureza, mas ao contrário, tais crimes ainda estão bastante presentes e a tal suavização não ajuda em nada ao combate desses crimes, não podendo o problema carcerário ser justificativa para essa alteração na lei.

Portanto, este momento deve ser de reflexão, uma vez que diversos crimes hediondos estão ocorrendo no nosso meio. Os motivos que levaram o legislador ordinário a retirar a impossibilidade da concessão da liberdade provisória, omitindo-a do texto, não nos parecem justo com a sociedade e um pouco utópico achar que tais mudanças representam um avanço e que irá interferir na diminuição da prática de tais delitos.

Sendo assim, o objetivo geral desse artigo foi realizar um estudo da alteração da lei de crimes hediondos (Lei nº 8072/90), principalmente no tocante a concessão da liberdade provisória. E através do levantamento bibliográfico buscou-se adquirir subsídios os quais embasassem os diversos posicionamentos existentes, através de doutrinadores conhecedores a fundo do tema como Capez, Franco, Leal, Nucci, entre outros, a fim de criar um viés norteador deste artigo.

No primeiro capítulo, fazemos uma pequena introdução ao tema da liberdade provisória, dando uma noção geral desse instituto e de seu adverso, a prisão provisória.

No segundo capítulo, iniciamos o estudo dos crimes hediondos, em seu conceito, no contexto histórico presenciado no Brasil à época da feitura da lei e no decorrer de suas alterações. Também fizemos o estudo dos diversos crimes que a lei engloba, não apenas os trazidos em seu rol taxativo, mas também os a ele equiparados, os quais sofrem os mesmos efeitos daquele. Além do tipo de ação penal cabíveis em tais crimes.

No terceiro capítulo tratamos da alteração sofrida na lei, a partir da Lei nº 11.464/2007, que trouxe a grande polêmica do artigo, ao tirar do texto a impossibilidade de concessão da liberdade provisória. Discutimos os pós e contra da retirada desse mecanismo, enfocando a dicotomia existente entre a opinião pública, que pede por mais severidade no tratamento de tais crimes, e os direitos humanos, que tende a proteger o acusado. E ainda, destacamos os princípios que integram o tema, e fundamentam a liberdade provisória.

Por fim, esperamos que esta pesquisa torne possível ao leitor uma visão mais ampla e diferente do atual posicionamento do STF sobre o tema, que embora contrário a opinião majoritária, é de extrema valia visto os fundamentos apresentados que solidificam a necessidade da mudança na lei, como julgados que não permitem a liberdade provisória para o tráfico de drogas, ou pela própria Constituição proibir esse benefício mediante fiança, poderia também já englobar a não vinculada, assim como não poderia o legislador ordinário ampliar o texto constitucional, dentre outros argumentos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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