Incentivos fiscais como instrumento da política de ação afirmativa


Porvinicius.pj- Postado em 09 novembro 2011

Autores: 
NETO, Luiz Octaviano Rabelo

O direito tributário, por intermédio da função extrafiscal dos tributos, é útil no desiderato de promoção de ações afirmativas, através da utilização de uma sanção premial, ou seja, da concessão de incentivos fiscais aos contribuintes que facultativamente adiram à política proposta.

RESUMO: Este artigo pretende analisar a utilização do direito tributário como instrumento de políticas de ação afirmativa, notadamente através da concessão de incentivos fiscais, utilizando-se da função extrafiscal dos tributos. Tendo em vista o rol de valores e objetivos estatuídos em nível constitucional, não se admite uma postura tão somente negativa por parte do Estado, exigindo-se, ao contrário, que este adote políticas para consecução daqueles objetivos e valores. Assim, o presente artigo explicita o conceito de ação afirmativa, destacando a sua finalidade de combater a discriminação e promover a igualdade substancial, através da inclusão social de indivíduos pertencentes a grupos vulneráveis, o que está em consonância com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, e pode, perfeitamente, ser realizado com a utilização do direito tributário.

PALAVRAS-CHAVE: Ação afirmativa; direitos fundamentais; princípio da igualdade; incentivos fiscais; função extrafiscal dos tributos.

ABSTRACT: This article intends to analyze the use of the tax law like instrument of politics of affirmative action, especially through of the concession of tax incentives, making use tax’s extrafiscal function. In view of the roll of values and objectives decreed in constitutional level, a position so only negative on the part of the State is not admitted, demanding, in contrast, that it adopts politics for achievement of those objectives and values. Thus, the present article explicits the concept of the affirmative action, detaching its purpose to fight the discrimination and to promote the substantial equality, through the social inclusion of belongings individuals the vulnerable groups, what it is in accord with the basic objectives of the Federative Republic of Brazil, and can, perfectly, be carried off with the use of the tax law.

KEYWORDS: Affirmative action; fundamental rights; principle of equality; tax incentives; extrafiscal function of the tax.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 DESENVOLVIMENTO, IGUALDADE E AÇÃO AFIRMATIVA; 3 INCENTIVOS FISCAIS COMO INSTRUMENTO DA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA; 4 CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.


1.INTRODUÇÃO

Neste artigo, pretende-se analisar a utilização do direito tributário como instrumento da política de ação afirmativa, espécie de política pública que tem por objetivo combater a discriminação e promover a igualdade substancial, conferindo tratamento diferenciado a indivíduos pertencentes a grupos vulneráveis socialmente, incluindo-os na sociedade.

Para promover a inclusão social desses indivíduos, propõe-se analisar a utilização do direito tributário como mecanismo de promoção de mudanças sociais. Como afirmou o assistente social Romeu Kazumi Sassaki, "Para incluir todas as pessoas, a sociedade deve ser modificada a partir do entendimento de que ela é que precisa ser capaz de atender às necessidades de seus membros. [01]

O objetivo de inclusão social não se satisfaz apenas evitando a discriminação, mas também promovendo políticas públicas que permitam que indivíduos pertencentes a grupos vulneráveis possam participar ativamente da sociedade, o que é consentâneo com as políticas de ação afirmativa, já que estas permitem uma postura ativa por parte do Estado para combater a discriminação e as desigualdades existentes, colaborando para inclusão social de todos.

O tributo pode servir como instrumento de inclusão social, na medida em que tenha um caráter de solidariedade, pois através dele todos os membros da sociedade contribuem para o bem comum, para o custeio dos gastos públicos e para concretização dos direitos fundamentais.

Utilizando-se de incentivos fiscais para promoção de políticas de ação afirmativa pela iniciativa privada, ao invés de se aguardar algum agraciamento por conta de alguma outra política pública direta, o beneficiário da medida terá a resposta mais imediata à sua situação de exclusão social, sem que os recursos públicos precisem adentrar aos cofres do Estado.

A temática da implementação dos direitos fundamentais está estritamente ligada à questão orçamentária e fiscal, havendo teorias que sustentam a necessidade de aplicação da cláusula da reserva do possível como forma de limitar a implementação especialmente dos direitos fundamentais sociais, sob o argumento de que os recursos orçamentários são escassos e insuficientes para atender todas as demandas sociais, de forma que só seria possível tutelar o mínimo existencial de cada pessoa.

Isso porque é certo que não existem direitos sem custos para sua efetivação. Todos os direitos são positivos, no sentido de que exigem gastos públicos para sua proteção, o que levanta a questão da legitimidade democrática da destinação dos recursos escassos, da transparência e prioridade dessa destinação, além da questão moral e política da justiça distributiva como forma de implementação da igualdade.

Por exemplo, o direito de propriedade, comumente classificado como um direito humano de primeira geração, que, exigiria, portanto, tão somente a abstenção estatal, é protegido através do sistema de segurança pública ou através da prestação de serviço jurisdicional. Nesse sentido, Stephen Holmes e Cass Sustein [02] demonstram que mesmo os direitos civis e políticos possuem altos custos que devem ser sustentados por toda a sociedade através da tributação. Logo, não são apenas os direitos sociais que necessitam de verbas públicas para sua implementação, mas também os direitos civis e políticos, assim como outras espécies de direitos fundamentais.

Como afirmam Holmes e Sustein, "todos os direitos são custosos porque todos os direitos pressupõem o financiamento do contribuinte de mecanismos eficazes de supervisão, para monitoramento e execução". [03]

Isso torna claro o quanto estão relacionadas a questão da efetividade dos direitos fundamentais e as finanças públicas, realçando a importância da destinação inteligente dos limitados recursos públicos, em especial para a promoção dos direitos fundamentais, o que deve ser feito com efetividade, evitando-se desperdícios.

Stephen Holmes e Cass Sustein chamam atenção para essa questão dos custos dos direitos, bem como para a garantia dos direitos a todos os grupos sociais, em atenção ao princípio da igual proteção:

Concebidos como uma questão de finanças públicas, os direitos surgem como instrumentos politicamente criados e coletivamente financiados destinados a promover o bem-estar humano. Porque retornam em conseqüência da proteção da igualdade de direitos - como o benefício de viver em uma sociedade relativamente justa, onde, na maioria das vezes, grupos de diferentes etnias podem coexistir pacificamente e cooperar - são difusos e difícil de capturar, os investimentos iniciais em tais proteções devem ser feitos pelo poder público. [04]

Diante da normatividade constitucional, a postura do Estado brasileiro atual não deve ser somente negativa, no sentido de não intervir em demasia na esfera de liberdade dos cidadãos. Ao contrário, a Carta Magna de 1988, uma Constituição do Estado Social, albergou uma série de valores tidos como fundamentais, inclusive com o reconhecimento de direitos de caráter econômico e social, que devem nortear a ação estatal em todas as suas esferas como objetivos a serem perseguidos.

Em face da necessidade atual de o Estado tutelar os direitos fundamentais, em especial o direito à igualdade, o ordenamento jurídico estatal, entendido como um conjunto de normas de diversas espécies, passa a ser composto não somente de normas repressivo-punitivas, mas também de normas indutoras do comportamento dos indivíduos, dotadas de sanção premial, passando, destarte, o direito a ser concebido também como um instrumento de transformação social. Trata-se da chamada função promocional do direito, entendida por Norberto Bobbio, como

a ação que o direito desenvolve pelo instrumento das sanções "positivas", isto é, por mecanismos genericamente compreendidos pelo nome de "incentivos", os quais visam não a impedir atos socialmente indesejáveis, fim precípuo das penas, multas, indenizações, reparações, restituições, ressarcimentos, etc., mas, sim, a "promover" a realização de atos socialmente desejáveis. Essa função não é nova. Mas é nova a extensão que ela teve a continua a ter no Estado contemporâneo. [05]

Segundo o Mestre italiano, com o advento do Estado social, surgiram novas técnicas de controle social que se diferenciam profundamente daquelas utilizadas pelo Estado liberal clássico, empregando-se cada vez mais técnicas de encorajamento, em acréscimo ou substituição às técnicas tradicionais de desencorajamento.

A função do direito no Estado social e, especialmente, no Brasil, após a Carta Magna de 1988, deixou de ser meramente negativa, passando a uma concepção positiva, ou seja, o Estado passou a assumir deveres constitucionais que lhe exigiam uma maior intervenção no campo econômico e social, notadamente para garantia dos direitos fundamentais sociais, com o objetivo de promover uma efetiva igualdade de oportunidades a todos os seus cidadãos na persecução de seus objetivos de vida. O Estado, assim, torna-se com mais intensidade a instituição legítima para nivelar as desigualdades sociais e tal desiderato pode ser estimulado por mecanismos tributários de distribuição de renda e de inclusão social de grupos marginalizados.

A Constituição brasileira de 1988, de matiz claramente social, concede destaque para a função promocional do direito, prevendo, por exemplo, como objetivo da República "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação" (Art. 3, IV); que é dever do Estado promover a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII), promover a defesa contra calamidades públicas (art. 21, XVIII), promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico (art. 23, IX); combater as causas da pobreza e da marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos (art. 23, X); que é dever dos Municípios promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local (art. 30, IX); é dever do Presidente o do Vice-Presidente da República prestar compromisso de promover o bem geral do povo brasileiro (art. 78); admite a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do país (art. 151, I); estatui que é dever do Estado promover e incentivar o turismo como fator de desenvolvimento social e econômico (art. 180); estruturar o sistema financeiro nacional de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país (art. 192); é dever do Poder Público promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro (art. 216, § 1º), promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas (art. 218), e promover a educação ambiental (art. 225, VI).

Particularmente no Brasil, mesmo com o advento da globalização nos fins dos anos oitenta e início da década de noventa do século XX, quando o Estado passou a perder domínio sobre as variáveis que influenciam a economia, emergindo um conservadorismo no campo social, a Constituição Federal de 1888, sob um influxo renovador do movimento de redemocratização pós-ditadura militar, albergou uma série de valores consagrados, especialmente, nas normas de direitos fundamentais, os quais, para além de mera conduta negativa do Estado, impuseram uma atuação estatal pró-ativa, com a finalidade de tornar realidade aquelas proposições normativas constitucionais garantidoras de um Estado Democrático de Direito, que tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana. Conforme observação de Daniel Sarmento, mesmo com as modificações decorrentes do regime neoliberal, o modelo normativo brasileiro plasmado na Constituição continua sendo o de um Estado interventor, preocupado com a justiça social e com a igualdade substantiva. [06]

Assim, contata-se que a função do direito passou a ser propiciar a persecução daqueles fins sociais definidos historicamente no ordenamento jurídico constitucional, que não podem ser alcançados por outras formas mais brandas de controle social. Exemplificativamente, quanto às funções dos direitos fundamentais nas modernas constituições, o jurista português J. J. Gomes Canotilho destaca uma importante função que esses direitos exercem, que é a de não discriminação, do que decorre que a função primária e básica dos direitos fundamentais é assegurar que o Estado trate seus cidadãos como fundamentalmente iguais com relação a todos os direitos, liberdades e garantias pessoais. Segundo Canotilho, é com base nesta função de não discriminação que se discute o problema das quotas e das affirmative actions tendentes a compensar a desigualdade de oportunidades. [07]

Assim, pretende-se analisar, em linhas gerais, como o Estado utiliza e poderia expandir ainda mais a utilização de políticas de ação afirmativa, para beneficiar certos indivíduos pertencentes a grupos vulneráveis, concedendo incentivos fiscais, que podem ser vistos como uma espécie de sanção premial, à iniciativa privada, como forma de estimulá-la à adoção das medidas de ação afirmativa.


2.DESENVOLVIMENTO, IGUALDADE E AÇÃO AFIRMATIVA

Como argumenta o economista indiano Amartya Sen, o desenvolvimento de um país não pode ser medido apenas com enfoque no nível de renda de sua população, devendo ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam, eliminando-se as privações que limitam as suas escolhas e oportunidades sociais. [08]

Por outro lado, a diversidade humana não pode ser ignorada no tratamento das políticas destinadas à expansão das liberdades e à promoção da igualdade, uma vez que o efeito de ignorar as variações interpessoais pode contrariar a própria igualdade, na medida em que oculta o fato de que para conferir igual consideração a todos pode ser necessário dar um tratamento desigual àqueles que estão em desvantagem.

É exatamente esse tratamento diferenciado com o objetivo de expandir liberdades e promover a igualdade que está no centro da fundamentação das políticas de ação afirmativa. Tal expressão, derivada da língua inglesa (affirmative action), foi empregada pela primeira vez em um texto oficial pelo Presidente norte-americano John Kennedy, ao editar a Executive Order n. 10.925, de 06.03.1963, segundo a qual os contratantes com o governo federal deveriam, além de não discriminar funcionários ou candidatos a funcionários por motivos de raça, credo, cor ou nacionalidade, adotar ação afirmativa para assegurar que essas pessoas fossem empregadas. [09]

Também designadas como "discriminação positiva", tais políticas são tentativas de concretização da igualdade substancial ou material, na medida em que proporcionam um tratamento prioritário ou preferencial com vistas à promoção social de determinados grupos socialmente fragilizados ou vulneráveis. Em outras palavras, considerando que os tratamentos desiguais que impliquem a negação de direitos são inválidos por violarem o princípio da igualdade, as ações afirmativas visam exatamente facilitar o acesso a tais direitos, daí resultando a sua legitimidade.

Em monografia sobre o tema, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim B. Barbosa Gomes assim define as ações afirmativas:

Atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero, por deficiência física e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego. [10]

Ao lado das normas que constituem o modelo repressor de combate à discriminação, que são pautadas na concepção de que o direito teria função meramente negativa, utilizando-se de técnicas de desencorajamento, ganham destaque as normas que, utilizando-se da função promocional do direito, ao invés de se limitarem à proibição do tratamento discriminatório, têm o objetivo de combatê-lo e de eliminar ou atenuar os seus nefastos efeitos através de medidas de promoção social dos indivíduos discriminados. Trata-se do modelo de ação afirmativa, essencial para promoção da inclusão social desses indivíduos, proporcionando um alcance efetivo da igualdade material entre as pessoas. Nas palavras esclarecedoras de Flávia Piovesan:

Vale dizer, para garantir e assegurar a igualdade não basta apenas proibir a discriminação, mediante legislação repressiva. São essenciais as estratégias promocionais capazes de estimular a inserção e inclusão desses grupos socialmente vulneráveis nos espaços sociais. (...) O que se percebe é que a proibição da exclusão, em si mesma, não resulta automaticamente na inclusão. Logo, não é suficiente proibir a discriminação, quando o que se pretende é garantir a igualdade de fato, com a efetiva inclusão social de grupos que sofreram e sofrem um persistente padrão de violência e discriminação. Nesse sentido, como poderoso instrumento de inclusão social, situam-se as ações afirmativas. [11]

Estimuladas pelo imperativo de atuação estatal positiva na tutela promocional dos direitos humanos e fundamentais e decorrentes do abandono da idéia de neutralidade estatal em questões sociais, que era típica do Estado liberal clássico, tais medidas afirmativas têm por meta atingir vários objetivos, dentre os quais se destacam os escopos de promover a igualdade material e o de combater a discriminação.

O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos argumenta que a regulação social da modernidade é constituída pelos sistemas da desigualdade e da exclusão/segregação, sendo o primeiro um fenômeno sócio-econômico produzido pela relação capital/trabalho e o segundo um fenômeno cultural e social, um fenômeno de civilização, tratando-se de um processo histórico através do qual uma cultura cria o interdito e o rejeita. [12] Essa distinção pode ser utilizada para se defender que são objetivos da ação afirmativa, simultaneamente, combater a desigualdade sócio-econômica por políticas redistributivas de recursos, e combater a discriminação que proporciona a exclusão social de indivíduos pertencentes a grupos vulneráveis, tais como mulheres, negros e os portadores de deficiências.

Segundo aduz Boaventura de Sousa Santos, deve-se buscar uma articulação entre as políticas de igualdade e políticas de identidade, devendo-se reconhecer que nem toda a diferença é inferiorizadora e que uma política de igualdade que desconhece e descaracteriza tais diferenças não inferiorizadoras, contraditoriamente, converte-se numa política de desigualdade. Em outras palavras, como salientou referido autor, "temos o direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza". [13]

Com base nas lições do jusfilósofo norte-americano Ronald Dworkin a respeito das ações afirmativas [14], podem ser destacados três critérios para utilização de tais medidas: justiça, adequação e eficiência. [15] Tais critérios podem perfeitamente atendidos utilizando-se a função extrafiscal dos tributos como instrumento de ação afirmativa, especialmente no que atina à concessão de incentivos fiscais, como forma de implementar e estimular a adoção das políticas de ações afirmativas pela iniciativa privada.

Assim, a utilização de medidas de ação afirmativa só é justificável, ou seja, justa, quando houver uma situação de exclusão a ser corrigida; quando a medida for apta, isto é, adequada, em tese, a corrigir a situação de exclusão; e quando efetivamente provocar o fim ou a atenuação dessa exclusão.

Há perfeita compatibilidade das políticas de ação afirmativa com a Constituição Federal de 1988 e até mesmo a obrigatoriedade de o Estado promover essas medidas, haja vista os objetivos fundamentais da República definidos constitucionalmente. A Constituição de 1988, aliás, dispõe sobre algumas formas de ação afirmativa, tal como a prevista no art. 7º, XX, garantindo a proteção do mercado de trabalho da mulher mediante incentivos específicos, e no art. 37, VIII, que prevê a reserva de vagas para portadores de deficiência em concursos públicos.

O direito fundamental à igualdade é aquele que mais tem subido de importância no Direito Constitucional, pois é o centro medular de um Estado preocupado com o desenvolvimento social e com a garantia dos direitos fundamentais.

A par de outros dispositivos, o princípio da igualdade está disposto no art. 5º, caput, da Constituição de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

À primeira vista, parece que o princípio da igualdade foi previsto diversas vezes no mesmo dispositivo. Contudo, esclarece-se que o dispositivo protege duas dimensões da igualdade: a igualdade perante a lei, denominada de igualdade formal; e a igualdade na lei, chamada de igualdade material. [16]

A igualdade formal ou perante a lei garante a aplicação uniforme da lei. Tal dimensão da igualdade corresponde à postura individualista que emergiu com o advento do Estado Liberal clássico do século XVIII, em que os direitos fundamentais eram vistos essencialmente como direitos negativos, isto é, como direitos de defesa do cidadão em face do Estado. Como acentua Daniel Sarmento, "na leitura estritamente individualista, a igualdade jurídica é a mera igualdade formal, com a recusa a qualquer pretensão de utilização do Direito para fins redistributivos". [17]

A igualdade formal é insuficiente na medida em que a lei, mesmo sendo aplicada uniformemente a todos, poderia trazer alguma discriminação arbitrária em seu conteúdo, além de ser insuficiente para os propósitos do regime constitucional de conferir uma vida digna a todos.

Essa constatação explica a expressão "sem distinção de qualquer natureza" constante no texto constitucional" acima transcrito, fazendo referência, nesse ponto, à igualdade na lei ou igualdade material. Ademais, a dimensão da igualdade material decorre de uma interpretação sistemática da Constituição como um todo, a qual institui um Estado Social promotor dos direitos fundamentais, de forma a buscar a efetiva igualdade substancial entre os cidadãos, no sentido de auxiliar a todos na criação de condições necessárias para viver a vida que desejarem, respeitando-se as escolhas pessoais de cada um.

Dessa forma, a igualdade meramente formal de todos perante a lei, estatuída no art. 5°, caput, da Constituição, deve ser interpretada sistematicamente com os demais dispositivos da Constituição Federal, que institui um Estado Social promotor dos direitos fundamentais, de forma a buscar a efetiva igualdade substancial entre os cidadãos.

Nesse contexto é que surgem as ações afirmativas, medidas que, promovendo a igualdade substancial ou material, são perfeitamente compatíveis com os objetivos da República brasileira traçados no art. 3º da Constituição, quais sejam, construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Observa-se que todos esses objetivos são perfeitamente promovidos com a adoção de políticas de ação afirmativa.

Além da compatibilidade com a Constituição, as ações afirmativas são previstas expressamente em tratados internacionais de direitos humanos, normas materialmente constitucionais, por força do texto constitucional brasileiro (§ 2° do art. 5º).

A adoção de ações afirmativas está prevista, entre outros documentos internacionais, pela Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial e pela Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a mulher, ambas ratificadas pelo Brasil.


3.INCENTIVOS FISCAIS COMO INSTRUMENTO DA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA

Conforme lição de Ricardo Lobo Torres [18], "o poder de tributar nasce no espaço aberto pelos direitos humanos e por eles é totalmente limitado. O Estado exerce o seu poder tributário sob permanente limitação dos direitos fundamentais e de suas garantias constitucionais"

Dessa forma, o poder tributário exercido pelo Estado deve especial respeito aos direitos fundamentais dos contribuintes e esse respeito não se refere apenas à observância das clássicas limitações constitucionais ao poder de tributar, mas também à utilização do direito tributário como instrumento de mudança social. Tal constatação se deve ao fato de que o tributo não pode ser considerado tão somente uma relação de poder, na qual o Estado se sobrepõe aos seus súditos, ou mesmo como um sacrifício para os cidadãos. Pelo contrário, o tributo deve ser considerado "como o contributo indispensável a uma vida em comum e próspera de todos os membros da comunidade organizada em estado." [19]

No que pertine às técnicas de implementação das ações afirmativas, a doutrina indica que podem ser utilizadas, além do sistema de cotas, o método do estabelecimento de preferências, o sistema de bônus e os incentivos fiscais como instrumento de motivação do setor privado. Nesse sentido, Joaquim B. Barbosa Gomes destaca:

De crucial importância é o uso do poder fiscal, não como mecanismo de aprofundamento da exclusão, como é da nossa tradição, mas como instrumento de dissuasão da discriminação e de emulação de comportamentos (públicos e privados) voltados à erradicação dos efeitos da discriminação de cunho histórico. [20]

Considerando que o Direito Tributário sofre os influxos do Direito Constitucional, é inconteste a possibilidade de se falar em discriminações positivas em matéria tributária. Como afirmou José Ricardo do Nascimento Varejão, "A ação afirmativa em Direito Tributário reflete a dinâmica do tributo em atendimento a sua função social." [21]

Em relação ao sistema constitucional tributário, a norma proclamada no art. 150, II, da Constituição Federal, estabelece ser vedado o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Essa proibição da desigualdade se expressa sob as formas principais de proibição de privilégios odiosos e proibição de discriminação fiscal.

A proibição de privilégios odiosos indica que qualquer discriminação que leve à diminuição ou à exclusão da carga tributária, aumentando a desigualdade entre contribuintes está proibida. Por sua vez, as discriminações fiscais odiosas são desigualdades desarrazoadas que excluem alguém da regra tributária geral ou de um privilégio não-odioso, constituindo ofensa aos direitos humanos do contribuinte. [22]

Se "todos são iguais perante a lei", não será possível a esta reservar tratamento fiscal diverso aos indivíduos que se acham nas mesmas condições, daí se inferindo que não serão toleráveis discriminações nem isenções que não correspondam a critérios razoáveis e compatíveis com o sistema da Constituição. [23]

As ações afirmativas promovidas com esteio nos incentivos fiscais, com o escopo de inclusão social de membros de grupos vulneráveis, não constituem privilégios odiosos, pois têm por objetivo reduzir, e não aumentar, as desigualdades, de forma que prestigiam valores constitucionalmente consagrados, como os objetivos fundamentais da República. Também não se trata de discriminação fiscal odiosa, pois o discrímen é, ou ao menos deve ser, estabelecido com razoabilidade.

O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor justiça [24]. Esse princípio, que mantém uma relação de fungibilidade com o princípio da proporcionalidade, é dividido em três requisitos: a) adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; b) necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da existência de meio menos gravoso para o alcance dos fins pretendidos; c) proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício traduzido, para verificar se é justificável a interferência sobre os direitos dos cidadãos.

A ação afirmativa atende a esses três requisitos de razoabilidade. A adequação é, como visto, um critério de utilização dessas políticas, estando presente quando a medida for apta a corrigir a situação de exclusão, o que é plenamente atendido pelo escopo de inclusão social inerente às ações afirmativas.

Além disso, essas medidas são necessárias para alcançar os objetivos da República traçados constitucionalmente, mormente tendo em vista que o modelo repressivo de combate à discriminação tem se mostrado ineficiente para uma efetiva inclusão social de indivíduos pertencentes a grupos vulneráveis.

Por sua vez, o requisito da proporcionalidade em sentido estrito também é satisfeito, haja vista que, especialmente nas ações afirmativas estabelecidas mediante incentivos fiscais, o ônus ocasionado pela renúncia de receita não é suficiente para impedir a adoção de políticas sociais desejáveis, que têm por objetivo tornar a sociedade mais igual em termos gerais.

A concessão de incentivos fiscais em benefício de indivíduos pertencentes a grupos vulneráveis ou mesmo para empresas que promovam voluntariamente a inclusão social desses indivíduos é uma forma subutilizada de medida de ação afirmativa, embora com grande potencialidade de eficácia.

Tendo em vista a importância atual conferida pela atividade empresarial ao planejamento tributário como metodologia para se obter um menor ônus fiscal, as ações afirmativas são facilmente adotadas pela iniciativa privada, em contrapartida à concessão de incentivos fiscais, o que pode ser feito utilizando-se da função extrafiscal dos tributos.

Ao lado da tributação com finalidade fiscal, que é aquela que se limita a retirar do patrimônio dos particulares recursos pecuniários para a satisfação de necessidades públicas, há a finalidade extrafiscal das normas tributárias, que é voltada a outros fins que não a captação de recursos para o erário, mas sim à ordenação de relações sociais e econômicas em consonância com valores constitucionalmente consagrados, como a proteção da dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais.

Ao utilizar a função extrafiscal do tributo, portanto, o Estado intervém nas relações sociais e na economia, o que configura um poderoso instrumento para promoção dos direitos fundamentais, em especial a igualdade. Como afirmou há muito o Raimundo Bezerra Falcão:

o intervencionismo do Estado na economia e, por via conseqüência, nas relações sociais e na elevação geral do nível de vida é o caminho menos cruento de ser palmilhado por aqueles que, de sã consciência e sem a venda da ganância desenfreada, efetivamente desejem nítida mudança social. [25]

O direito tributário, historicamente, tem camuflado a realidade de que a figura do contribuinte tem sido usada como instrumento de apropriação do patrimônio (riqueza) de uns (os mais fracos) em proveito de outros (os mais poderosos). [26]

Nessa diretriz, o direito tributário passou a ser utilizado para a promoção de políticas públicas para alcance do ideal de justiça social, a exemplo das ações afirmativas. Trata-se de uma intervenção estatal por normas que induzem o comportamento dos particulares. Nessa espécie de normas, a sanção punitiva é substituída por um prêmio, um estímulo à iniciativa privada para adoção da política de ação afirmativa em contrapartida à concessão de incentivos fiscais.

O direito tributário, com sua função extrafiscal, já vem sendo utilizado no direito positivo brasileiro como instrumento das políticas de ação afirmativa. Contudo, essa utilização ainda é modesta.

Como exemplos de utilização da função extrafiscal dos tributos com a finalidade de inclusão social, pode-se citar, no âmbito federal, a isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na aquisição de automóvel de passageiro por pessoas portadoras de deficiência (art. 1°, IV, da Lei n° 8.989/95); e a isenção de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas operações de financiamento para aquisição de veículos por pessoas portadoras de deficiência (art. 72, IV, da Lei nº 8.383 de 30.12.91).

Há quem defenda que tais medidas afirmativas pudessem ser expandidas na legislação tributária federal, a exemplo da legislação do imposto de renda e proventos de qualquer natureza, que, permitindo o abatimento de verbas gastas em determinados investimentos, tidos como de interesse social ou econômico, poderia ser um campo fértil para o desenvolvimento de tais políticas de inclusão social. Essa técnica poderia, de lege ferenda, ser utilizada como ação afirmativa, permitindo-se a dedução de percentual da base de cálculo do IR para aquelas empresas que empregassem pessoas pertencentes a grupos vulneráveis, como afrodescendentes [27], mulheres e portadores de necessidades especiais, ou que melhorassem as condições de trabalho dessas pessoas, contribuindo para uma maior inserção social.

O Juiz Federal e Professor da Faculdade de Direito de Vitória-ES Américo Bedê Freire Júnior [28] defende a mesma idéia:

A empresa, então, que tiver determinado percentual de determinada categoria que sofreu discriminação terá um benefício fiscal. Ora, se a Constituição autoriza a adoção de isenções fiscais para a redução das desigualdades regionais, com muito mais razão é constitucional a adoção de isenções para diminuir as desigualdades vivenciadas pelos cidadãos brasileiros.

Vale citar, também, o Programa Universidade para Todos (ProUni) institucionalizado pela Lei n° 11.096, de 13 de janeiro de 2005, que é destinado à concessão de bolsas de estudo integrais e parciais para cursos de graduação e seqüenciais de formação específica, em instituições privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos, a estudantes que tenham cursado o ensino médio completo na rede pública de ensino ou em instituições privadas com bolsa integral; aos estudantes portadores de deficiência; e aos professores da rede pública de ensino, para determinados cursos destinados à formação do magistério da educação básica. Tal lei, ainda, prevê que a instituição de ensino superior, ao aderir ao ProUni, adote um termo de adesão onde conste a cláusula da reserva de percentual de bolsas de estudo destinado à implementação de políticas afirmativas de acesso ao ensino superior de portadores de deficiência ou de autodeclarados indígenas e negros.

Nos termos do art. 8ª da supracitada lei, as instituições de ensino que aderirem ao ProUni ficam isentas de uma série de tributos federais, dentre eles: o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social e Contribuição para o Programa de Integração Social.

No âmbito dos tributos estaduais, destaca-se o Convênio/CONFAZ 77/2004, que trata da isenção do ICMS nas saídas internas e interestaduais de veículo automotor novo com até 127 HP de potência bruta, especialmente adaptado para ser dirigido por motorista portador de deficiência física incapacitado de dirigir veículo convencional (normal), desde que as respectivas operações de saída sejam amparadas por isenção do IPI, nos termos da legislação federal vigente.

Há também exemplos de ação afirmativa, que utilizam o direito tributário como instrumento, na legislação municipal. Nesse sentido, pode-se destacar o art. 384 da Lei Orgânica do Município de Manaus-AM, o qual estatui que as empresas que comprovarem manter em seus quadros funcionais dez por cento do total de seus empregados, ex-hansenianos, ex-presidiários, deficientes e pessoas idosas, com idade superior a 45 anos, gozarão de isenção de 20 por cento do imposto sobre serviços de qualquer natureza. [29]

A Lei do Município de Bauru-SP nº 3.491, de 19/10/1992, alterada pelo art. 54 da Lei Municipal nº 5.077, de 29/12/2003, prevê, em seu art. 1º, que as empresas que mantiverem em seus quadros de funcionários pessoas portadoras de deficiência, assim atestado pela Secretaria Municipal da Saúde, gozarão de descontos no pagamento de impostos e taxas municipais. [30]

Com essa aplicação da política de ação afirmativa, aumenta-se o comprometimento dos particulares empregadores com a não-segregação social de membros de grupos vulneráveis, bem como com a promoção dos direitos fundamentais sociais dos trabalhadores. Isso porque uma das funções dos direitos fundamentais é propiciar um certo equilíbrio de forças entre partes conflitantes que não se encontrem em mínimas condições de igualdade [31], sendo dever do legislador, com prioridade, a concretização dos direitos fundamentais.

No Estado social de direito não apenas o Estado ampliou suas atividades, mas também a sociedade participa mais ativamente do exercício do poder. Assim, os direitos fundamentais merecem proteção não apenas contra atos do poder público, mas também contra os mais fortes no âmbito da sociedade [32], devendo o Estado forçar o respeito pelos particulares aos direitos fundamentais, a exemplo do direito à igualdade, escopo das ações afirmativas.

O Supremo Tribunal Federal já se posicionou no sentido de que essa utilização da função extrafiscal dos tributos como política de ação afirmativa é compatível com o princípio da igualdade, quando do julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade em que se alegava ser inconstitucional a Lei nº 9.085/95, do Estado de São Paulo, que instituiu a concessão de incentivos fiscais a empresas que contratassem empregados com mais de quarenta anos de idade. Vejamos parte da ementa desse julgado:

Ao instituir incentivos fiscais a empresas que contratam empregados com mais de quarenta anos, a Assembléia Legislativa Paulista usou o caráter extrafiscal que pode ser conferido aos tributos, para estimular conduta por parte do contribuinte, sem violar os princípios da igualdade e da isonomia.(...) [33]

Iniciativas desse jaez poderiam ser estendidas a indivíduos pertencentes a outros grupos vulneráveis. Como se vê, a utilização da extrafiscalidade não se deu de forma compulsória aos particulares. Ao contrário, tratou-se de induzir o comportamento destes com vistas ao respeito do direito fundamental à igualdade, mediante a concessão de um incentivo fiscal, isto é, uma forma de sanção premial.

Nesse desiderato, são utilizados os mecanismos de redução de alíquotas, de dedução de despesas na base de cálculo de tributos ou mesmo a concessão de isenções condicionais, sendo necessário salientar que toda renúncia fiscal, é claro, deve ser tomada com responsabilidade fiscal, em atenção ao art. 165, § 6°, da Constituição Federal e aos arts. 5°, II, e 14 da Lei Complementar nº 101/2000.


4.CONCLUSÃO

Pretendeu-se, com essas breves palavras, analisar o problema de como o direito tributário pode ser útil na utilização de ações afirmativas, que visam à inclusão social de grupos desfavorecidos e discriminados negativamente ao longo da história, promovendo, assim, a igualdade material.

A política de ação afirmativa pode ser utilizada não apenas no âmbito da Administração Pública, podendo o Estado induzir o comportamento dos particulares para fortalecer essa política. O direito tributário, por intermédio da função extrafiscal dos tributos, é útil em tal desiderato, através da utilização de uma sanção premial, ou seja, da concessão de incentivos fiscais aos contribuintes que facultativamente adiram à política de ação afirmativa.

A Constituição Federal de 1988 possui um nítido caráter democrático e uma explícita preocupação com o ideal de justiça social, albergando perfeitamente as medidas de ação afirmativa, a par de outros dispositivos, nos objetivos fundamentais estabelecidos pela República, de forma que, através da concessão de incentivos fiscais, essas medidas podem ser úteis para inclusão social de membros de grupos vulneráveis, principalmente levando-se em consideração a importância atual conferida pela atividade empresarial ao planejamento tributário, sendo tais medidas, portanto, adequadas, necessárias e possuidoras de grande potencialidade de eficiência.


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Notas

  1. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 5ª ed. Rio de Janeiro: Editora WVA, 2003, p. 41.
  2. The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. New York: Norton & Co., 1999, passim.
  3. Ibidem, p. 44. Tradução livre do original: "All rights are costly because all rights presuppose taxpayer funding of effective supervisory machinery for monitoring and enforcement."
  4. Ibidem, p. 221. Tradução livre do original: "Conceived as a matter of public finance, legal rights emerge as politically created and collectively funded instruments designed to promote human welfare. Because returns from equal rights protection - such as the benefit of living in a relatively just society where, for the most part, groups with different ethnic backgrounds can peaceably coexist and cooperate - are difuse and hard to capture, initial investments in such protection must be made by the public power."
  5. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela Baccaccia Versani. Barueri-SP: Editora Manole, 2007, p. XII.
  6. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004, p. 51.
  7. Direito Constitucional e teoria da constituição. 7ª ed., Coimbra: Livraria Almedina, 2003, pp. 407-410.
  8. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 17.
  9. MENEZES, Paulo Lucena de. A Ação afirmativa (Affirmative action) no direito norte-americano. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 88.
  10. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: (o Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA). Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 40.
  11. Temas de direitos humanos. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 199.
  12. . A gramática do tempo: para uma nova cultura política. 2ª ed., São Paulo: Cortez, 2008, pp. 280-283.
  13. Ibidem, p. 313.
  14. O autor trata sobre as ações afirmativas em três obras: Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2000, pp. 437-494; Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, pp. 343-369; e A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2005, pp. 543-607.
  15. BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Ação afirmativa: fundamentos e critérios para sua utilização. Revista do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Nº 98, Volume 50, 2006, pp. 7-16.
  16. ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, pp. 74-75.
  17. Livres e iguais: estudos de direito constitucional. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 63.
  18. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Volume III. Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 14.
  19. NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Livraria Almeidina: Coimbra, 1998, p. 185.
  20. O debate constitucional sobre as Ações Afirmativas. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=33. Acesso em 21.04.2010.
  21. Princípio da Igualdade e direito tributário. São Paulo: MP Ed., 2008, p. 173.
  22. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 13ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 78-82.
  23. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 6ª ed. rev. e atualizada por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 203.
  24. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional informadora. 5ª ed. São Paulo: Saraiva: 2003, p. 224-229.
  25. FALCÃO, Raimundo Bezerra. Tributação e mudança social. Forense: Rio de Janeiro, 1981, p. 182.
  26. NOGUEIRA, Alberto. A Reconstrução dos Direitos Humanos da Tributação. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 111.
  27. Veja-se o recém publicado Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial - PLANAPIR (Decreto Federal n° 6.872, de 04.06.09), em que se prevê no anexo, eixo 1 (trabalho e desenvolvimento econômico), item VIII, como objetivo do Plano, propor um sistema de incentivos fiscais para empresas que promovam a igualdade racial.
  28. FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. Ação afirmativa e isenções tributárias. Disponível em: <http://www.lpp-uerj.net/olped/documentos/ppcor/0128.pdf>. Acesso em 24.10.2008.
  29. Disponível em: < http://www.leismunicipais.com.br/cgi-local/orglaw.pl?city=Manaus&state=am>. Acesso em 26.03.2010.
  30. Disponível em: < http://www.bauru.sp.gov.br/prefeitura/conteudo/diario/anteriores/dos/do879.pdf>. Acesso em 26.03.2010.
  31. DIMOULIS, Dimitri; e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 109.
  32. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 401.
  33. STF, ADIn 1276/SP, Relatora Min. Ellen Gracie, julgamento em 29.08.2002, DJ de 29.11.2002.