Justiça Restaurativa: Um Novo Modelo de Justiça


PorJeison- Postado em 24 setembro 2012

Autores: 
CURVELO, Hercílio Denisson Alves.

 

RESUMO: A história mostra como os tipos de crimes e suas cominações evoluíram ao longo dos tempos. De períodos marcados pelas mais rudimentares formas de punição a regimes penitenciários falidos, a sociedade brasileira tem comprovado que o modelo retributivo de fazer justiça não tem gerado os resultados esperados. Surge então, em contrapartida a esse paradigma, um modelo restaurativo de justiça compromissado a rever esse contexto. A partir de uma perspectiva mais humana da pena, tal sistema visa aproximar as partes envolvidas no conflito e estimular a resolução dos efeitos danosos gerados. Através do diálogo e do acompanhamento dos mais variados tipos de profissionais, o modelo restaurativo de justiça constitui uma forma promissora no que se refere à composição de conflitos.

PALAVRAS-CHAVE: justiça restaurativa; paradigma; direitos humanos.


1 INTRODUÇÃO

Um dos grandes paradigmas do âmbito penal que modelou a nossa sociedade foi o da Era dos suplícios, durante a idade média. Esse modelo destinava purgar a alma dos pecadores, tidos serem crime e pecado como um só fato, observados sob pontos de vista diversos. Tal concepção punitiva deixou marcas fortes na maneira de se colocar diante do mundo os regimes carcerários. 

Em oposição a este paradigma, surge na contemporaneidade, o modelo restaurativo de justiça, visão que defende a necessidade da justiça assumir o compromisso de reparar o mal causado a vítimas, famílias e comunidades. 

O encontro restaurativo recapitula tecnologias sociais postas em prática no século XX, e traz para a resolução de conflitos intersubjetivos o poder da palavra, já confirmado nos conflitos subjetivos em outros saberes, como é caso das terapias diversas.

2 UMA VISÃO MAIS HUMANA DA PENA

            A proposta de uma Justiça Restaurativa é emergente, e tem suscitado debates ao longo das últimas décadas, por todo o mundo. O interesse por essa prática advém da urgência em viabilizar de forma eficaz a paz, a dignidade e a restauração dos laços estilhaçados quando da prática de uma infração penal.

É cediço também, que o sistema prisional tem se revelado um fracasso e ineficiente em responder em algumas situações de maneira satisfatória, como no crime, nas expectativas e necessidades da vítima, infrator e da própria comunidade. Torna-se necessário buscar um sistema complementar, denominado justiça restaurativa. Pois, “enquanto para a justiça retributiva a atenção está voltada para a integridade da ordem jurídica, para a justiça restaurativa a atenção está voltada para a relação entre as pessoas”. [1]

            O modelo restaurativo constitui uma justiça mais dialogal e participativa entre os envolvidos no conflito, orientado à reparação aos danos causados, por via da mediação de um facilitador, numa tentativa de suprir as necessidades emocionais e materiais das vítimas. Visa-se uma relação mais humana, atendendo na medida do possível às necessidades das partes e da própria sociedade, com o auxílio de psicólogos, assistentes sociais, além de voluntários criteriosamente selecionados, que se submeteriam a uma capacitação adequada, em Centros de Capacitação. Esse encontro restaurativo permitirá à vítima e ao infrator compartilharem direta ou indiretamente, as suas histórias e descobrirem um meio de recuperar os prejuízos. Nessa perspectiva, “a participação dá a cada participante voz nos procedimentos e nos resultados. E por meio das indenizações, os infratores tentariam compor o prejuízo causado por suas ações. A reintegração permite à vítima e ao infrator tornarem-se membros contribuintes da sociedade”. [2]

As ciências criminais em geral e a criminologia em especial têm identificado fatores criminógenos diversos para explicar o crime e a violência como fenômenos complexos que são. A esses perfis de criminalidade racional deve ser reservada uma resposta eficaz que aumente a probabilidade de responsabilização entre as partes envolvidas.

Para aqueles que se veem emaranhados em conflitos de que não conseguem sair pelas próprias forças, por mais graves tenham sido os efeitos danosos da conduta, a justiça restaurativa parece ser a mais apropriada modalidade de realização de justiça. O acordo restaurativo, ou plano de reparação, quando cuidadosa e adequadamente construído, parece despertar algum sentimento de pertença que leva ao seu cumprimento, e esse plano, frequentemente, reúne maior potencial de responsabilização e de reparação do que o castigo imposto.

Uma das teses de Michel Foucault para a o desenvolvimento do direito criminal era criar formas para a redistribuição do poder de punir, pois na sua visão:

A reforma do direito criminal deve ser lida como uma estratégia para o remanejamento do poder de punir, de acordo com modalidades que o tornam mais regular, mais eficaz, mais constante e mais bem detalhado em seus efeitos; enfim, que aumentem os efeitos diminuindo o seu custo econômico. (Vigiar e punir, p. 78)

            Diante da ineficácia instrumental do sistema contemporâneo para solucionar determinados conflitos, em vista do enorme crescimento da população carcerária, chegando a reincidência na taxa de 80%, urge encontrar outro caminho de acesso a justiça para resolver as controvérsias com eficiência.

            O paradigma restaurativo é fruto da necessidade em atender com eficácia a aplicabilidade da justiça, distribuindo-a de modo que não legitime a desigualdade social. Por isso, oferece-se aos indivíduos a oportunidade de conhecerem os seus direitos e os mecanismos pelos quais podem reclamar a sua violação, dando respostas mais adequadas ao infrator e uma justiça mais eficaz às vítimas.

            Logo, a justiça restaurativa constitui a mais apropriada modalidade de realização de justiça, embora não se apresente como a panacéia para os dramas da condição humana. Seu acordo restaurativo, ou plano de reparação, quando cuidadosa e adequadamente construído, desperta sentimentos de pertença que leva ao seu cumprimento, pois reúne em seu esboço maior potencial de responsabilização e de reparação que as penas normalmente impostas.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os juristas e pensadores de diferentes áreas vêm escrevendo sobre a necessidade do paradigma restaurativo na contemporaneidade, na perspectiva de resgatar os valores intrínsecos da justiça nas relações violadas pelo comportamento humano. Visualizam a necessidade de mudança na administração da justiça, e o paradigma restaurativo dá suporte a essa mudança, tendo em vista seus valores e princípios humanizantes na tarefa de aproximar a comunidade da justiça, em um percurso de consagração da dignidade humana e reconhecimento dos direitos humanos.

            Torna-se evidente que o sistema restaurativo se afigura promissor por sua característica de restaurar o trauma que o crime causa às vítimas, famílias e comunidades, ao invés de se concentrar apenas na penalização do infrator, e por ensejar a este, a oportunidade de assumir responsabilidade, participar do processo e ter acesso à efetiva inclusão e reintegração sociais.

REFERÊNCIAS

FOUCAULT, Michel. Trad. Raquel Ramalhete. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 38. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Volume 1: parte geral, arts. 1.º a 120. – 6. ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo: editora revista dos tribunais, 2006.

SOUSA, Asiel Henrique de. Justiça restaurativa: um novo foco sobre a justiça. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_.... Acesso em 11 jun. de 2008.

VITTO, Renato Campos Pinto. Justiça criminal, justiça restaurativa e direitos humanos. In: Slakmon, Catherine; VITTO, Renato Campos Pinto; PINTO, Renato Sócrates Gomes. org. Justiça restaurativa. Brasília: Ministério da justiça e programa das nações unidas para o Desenvolvimento, 2005.

Notas:

[1] SOUSA, Asiel Henrique de. Justiça restaurativa: um novo foco sobre a justiça. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_.... Acesso em 11 jun. de 2008.

[2] VITTO, Renato Campos Pinto. Justiça criminal, justiça restaurativa e direitos humanos, p. 43.

 

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