O crime previsto no artigo 22 da Lei 7492/86


Porwilliammoura- Postado em 12 março 2012

Autores: 
NUNES, Leandro Bastos

O crime previsto no artigo 22 da Lei 7492/86

ARTIGO 22 DA LEI 7492/86 ( EVASÃO DE DIVISAS)

"Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do país:

Pena- reclusão, de 02 a 06 anos, e multa.

Parágrafo único: Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.

BEM JURÍDICO TUTELADO (OBJETIVIDADE JURÍDICA OU OBJETO JURÍDICO):

A regular proteção da política cambial brasileira, em razão da expectativa de retorno dos respectivos depósitos ao Brasil.

CONCEITO DE DIVISAS:

Corresponde a um elemento normativo do cujo significado encontra-se associado às disponibilidades jurídicas que um país, ou mesmo particular (pessoa física ou jurídica) possui em moedas estrangeiras obtidas a partir de um negócio que lhe confere origem (exportação, empréstimo, investimento, saldos de agências bancárias no exterior, ouro, cheques sacados contra bancos nacionais, etc.).

Em suma, corresponde aos títulos e valores que podem ser  convertidos ou negociados em moeda estrangeira.

O CAPUT DO ART. 22  EXIGE, COMO ELEMENTAR, O FIM ESPECIAL DE PROMOVER EVASÃO DE DIVISAS DO PAÍS, OU SEJA, NÃO BASTA A MERA REALIZAÇÃO ILEGAL DE OPERAÇÃO DE CÂMBIO, E SIM TAMBÉM O INTENTO DE EFETIVAR A RESPECTIVA REMESSA AO EXTERIOR.

Vale dizer, a mera efetivação de uma operação de câmbio (compra e venda de moeda estrangeira, consubstanciada pela troca, cambio, real x dólar...) ilegal (v.g, casa de câmbio sem autorização do BACEN, venda de moeda estrangeira, com pagamento em espécie , por intermédio de valores superiores a R$ 10.000,00, etc) não configura, por si só, o crime em comento.

De outro lado, a  saída dos valores (ao exterior) constitui mero exaurimento do fato; destarte, o crime em comento tem natureza formal (ou seja, independe da efetiva remessa ao exterior, e, por conseguinte, de qualquer prejuízo causado à política cambial brasileira).

Nesse sentido, trazemos à lume os seguintes arestos:

PROCESSUAL PENAL. PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ART. 22 DA LEI Nº 7.492/86 (POR QUATRO VEZES), NA FORMA DO ART. 71 DO CÓDIGO PENAL. FALSIFICAÇÃO E USO DE GUIAS DE IMPORTAÇÃO REFERENTES A QUATRO OPERAÇÕES DE CÂMBIO REALIZADAS SUPOSTAMENTE ENTRE A EMPRESA SOCIEDADE TÉCNICA DE INDÚSTRIA DE LUBRIFICANTES SOLUTEC S/A E O BANCO CRÉDITO REAL DE MINAS GERAIS – RJ, TENDO COMO INTERMEDIADORA A CHAVES CORRETORA, POSSIBILITANDO A EVASÃO ILÍCITA. 1. A denúncia atende a todos os requisitos do artigo 41 do CPP, tendo sido plenamente possível aos acusados defenderem-se dos fatos que lhe foram imputados. 2. O artigo 22 da Lei 9772/86 criminaliza a conduta de: "Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País". Desta forma, dá-se a consumação quando o agente efetua a operação de câmbio não autorizada. Trata-se, portanto, de ilícito formal, consumado com a realização da conduta descrita pelo tipo, qual seja, a realização da operação de câmbio não autorizada. A evasão de divisas objetivada pelo agente representa mero exaurimento do ilícito, sendo irrelevante perquirir acerca da sua efetivação ou não. 3. O especial fim de agir integrante do ''caput'' do artigo 22, da Lei 7492 consta da denúncia, na medida em que após a descrição das fraudes praticadas pelos denunciados, o item "9" da peça exordial narra que os acusados auferiram lucro indevido, estimado em 100% sobre os valores das operações, tendo em vista a disparidade existente na época entre as cotações dos câmbios oficial e paralelo. 4. Diante de fundamentada análise fático-probatória verifica-se ser totalmente descabida a pretensão da defesa em demonstrar que o réu JOÃO TIBÚRCIO laborou em erro de tipo escusável ou inevitável, por ser prática bancária o não atendimento às normas e comunicados do Banco Central. 5. Não encontra qualquer respaldo lógico a argumentação da defesa no sentido de que a responsabilidade pela conferência da idoneidade da documentação era da corretora, cliente na operação e que, se alguma irregularidade houve, ateve-se apenas à esfera administrativa, mostrando-se frágeis as provas da participação do réu no evento criminoso. Descabida tal hipótese de mera infração administrativa, uma vez que importou prática de conduta penal - promover evasão de divisas. Inaceitável a tese de erro de tipo provocado pela Corretora Chaves. A atuação do Apelante foi autônoma, sem interferência daquela. 6. No que toca à alegação de inépcia (art. 41 do CPP e art. 22 e par. da lei na 7.492/86), ao argumento de inexistência de descrição da falsidade das guias de importação, encontra-se a mesma suficientemente explicitada, sem qualquer objeção de que as guias (originariamente verdadeiras) foram "reaproveitadas" para a concretização da operação irregular (não autorizada) de divisas (através do fechamento do câmbio). Independentemente disso, o tipo de falso ideológico foi, na sentença, absorvido pelo apenado. 7. A impossibilidade material, ao argumento de que as cotações oficial e paralela da moeda estrangeira são nacionais é tese de todo inconsistente. A operação consistiu em converter moeda nacional (no câmbio oficial) e sem a contrapartida da entrada do equivalente com as importações de mercadorias que não se realizaram (representadas de forma fictícia em documentação falsificada). Decorrentemente, ficando a moeda estrangeira (liberada com o fechamento irregular do câmbio em face da operação realizada pelo Apelante/ BANCO CREDIREAL) com o beneficiário da fraude. 8. É de todo irrelevante o argumento de que o fechamento do câmbio se faz por mero contato telefônico, visto que a conduta foi a de fazê-lo sem lastro em importações reais, pois os dados utilizados na operação cambial foram fictícios. 9. A variante de que em se tratando de "câmbio trajetício" (a configurar crime impossível) é de ser também rejeitada. Tanto não é impossível que o próprio apelante a descreve em todas as suas etapas. 10. Quanto à escusa segundo a qual o apelante não sabia que os documentos eram falsos, é de se assinalar que a condenação se deu pela prática de remessa não autorizada (ou seja, sem as condições previstas pelas normas atinentes ao BACEN) de divisas. O apelante tinha o dever legal de cumprir as rotinas pertinentes, e não o fez, como demonstrado na sentença. 11. Negado provimento ao apelo. Decisão unânime (TRF- 2ª Região, ACR 2705, 5ª Turma, Rel. Alberto Nogueira, DJU 05/04/2004)

                 ART. 22, PARÁGRAFO ÚNICO, PRIMEIRA PARTE, DA LEI 7.492/86:

"incorre nas mesmas penas quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior"

 

Aqui o agente atua isoladamente ou com o auxílio de um doleiro (e/ou dirigente de instituição financeira).

O dolo é genérico, ou seja,  o tipo não demanda o elemento subjetivo específico (dolo específico), de forma oposta ao caput (neste, deve ser comprovada intenção de remeter divisas ao exterior).

 

O fato se consuma no momento em que o agente, diretamente ou com auxílio material de terceiros, logra a saída da moeda ou das divisas: se a evasão é em espécie, tal ocorrerá com a transposição de nossas fronteiras.

Logo, o crime é material (exige a efetiva comprovação da saída da moeda ou divisas, sem o conhecimento das autoridades monetárias", conforme escólio de LUCIANO FELDENS e ANDREI SCHMIDT.

 

Nesse diapasão, vejamos o entendimento da jurisprudência pátria:

 

PENAL. EVASÃO DE DIVISAS. FORMA EQUIPARADA. FRONTEIRA. TENTATIVA. PARÂMETRO. - A apreensão de valores nas proximidades da fronteira indica que o caminho delituoso foi percorrido quase por completo, restando correta a fixação do parâmetro da tentativa de evasão de divisas (forma equiparada da 1ª parte do parágrafo único do art. 22 da Lei nº 7.492/86) no seu mínimo, um terço (art. 14, II, parágrafo único, do CP) (TRF- 4ª Região, ACR 200270020069314, Rel. Luiz Fernando Wowk Penteado, D.E 20/06/2007)

 

PENAL. EVASÃO DE DIVISAS. TENTATIVA O crime de promover, sem autorização, a saída de moeda ou divisa para o exterior (art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86: pressupõe a efetiva saída de cheques sacados contra bancos nacionais do País. Se o agente é preso ainda no território nacional de posse de numerário superior ao permitido pelo art. 65, II, da Lei 9.069/95, ainda que sustado após a apreensão, impõe-se o reconhecimento da tentativa (art. 14, parágrafo único, do CP). Precedentes (TRF- 4ª Região, ACR 200370000372289, 8ª Turma, Rel. Eloy Bernst Justo, D.E 23/05/2007)

A elementar " sem autorização legal" não se refere à necessidade de prévio ato administrativo que expressamente autorize a operação, uma vez que o controle do BACEN ocorre  a posteriori. Na verdade, exige-se que a conduta contrarie as normas regulatórias.

A base legal encontra-se delineada no artigo 65 da Lei n.º 9.069/95.

DPV (DECLARAÇÃO DE PORTE DE VALORES)

FUNDAMENTO LEGAL:IN SRF N.º 619, 07/02/2006; DECRETO 6.759, 05/02/2009; RESOLUÇÃO DO CMN N.º 2.524, DE 30 DE JULHO/1998).

Declaração que deve ser efetuada por viajantes que vão entrar (ingressar) no país ou dele sair, portando em dinheiro, cheques, travell cheques (cheques viagens), em seu total, valor superior ao limite estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (atualmente o limite é R$ 10.000,00 (dez mil) reais.

Como se nota, o viajante que deixar o país ou nele ingressar portando valores superiores ao equivalente a R$ 10.000,00  (dez mil reais), deverá preencher a referida declaração e entregá-la à autoridade aduaneira  (Guichê da Secretaria da Receita Federal), sob pena de perda dos valores excedentes em prol do tesouro nacional, além das sanções criminais cabíveis ( base legal: IN SRF n.º 619, de 07 de fevereiro/2006, decreto 6759/2009). Assim, não configura o crime a mera remessa de moeda ou divisas em espécie ao exterior, ainda que sem declaração específica por meio de DPV (Declaração de Porte de Valores), se o volume não exceder o equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil) reais.

Se superior ao referido montante, também inexistirá conduta criminosa se a remessa ocorrer por intermédio de transferência bancária específica  (contrato de câmbio) ou preenchimento da declaração de porte dos valores em espécie- DPV- Resolução/CMN nº 2.254/98, caso a remessa seja feita por dinheiro.

Portanto, o crime estará configurado se houver comprovação da saída de valores em espécie, sem o correspondente preenchimento da DPV (quando ultrapassarem R$ 10.000,00).

    ARTIGO 22, §ÚNICO, SEGUNDA PARTE, DA LEI N.º 7.492/86:

"§único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente"

In casu, o objeto material da conduta são os depósitos mantidos pelo agente no exterior, em moeda ou divisas, a título de investimento direto, poupança, ações em bolsa, etc.

A consumação do crime ocorre no momento em que se esgotar o prazo dentro do qual o agente deveria declarar à repartição federal competente as informações alusivas aos respectivos depósitos mantidos no exterior.

Logo, surge a primeira indagação: qual a repartição federal competente para figurar como destinatária das informações? (referentes aos valores situados na conta no exterior).

REGRA PRÁTICA,  TRAZIDA POR LUCIANO FELDENS E ANDREI SCHMIDT

Até 07/12/2001, a repartição federal competente era a Receita Federal, ou seja, bastava a observação acerca de ter sido ou não informados os respectivos valores na declaração anual de imposto de renda.

 

Posteriormente à aludida data, o BACEN passou a editar sucessivas cartas circulares, nas quais apontou o Banco Central do Brasil como sendo a repartição destinatária para receber tais informações.

 

Com efeito, com a edição da carta Circular  BACEN 3.071/2001, os depósitos mantidos no ano 2001 deviam  ser declarados ao BACEN, no período fixado entre 02/01/2002 a 31/05/2002, caso ultrapassem o montante de R$ 10.000,00 ou correspondesse ao equivalente valor

Como se nota, a declaração referida pela circular é denominada DCBE OU CBE (DECLARAÇÃO DE CAPITAL BRASILEIRO NO EXTERIOR OU CAPITAIS DE BRASILEIRO NO EXTERIOR) e tem certa semelhança com a declaração anual de imposto de renda, porquanto prescrevia a todo brasileiro que detivesse bens no exterior em valores iguais ou superiores a R$ 10.000,00 a respectiva obrigação de  realizar a declaração em comento.

Todavia, a referida circular foi revogada com a posterior edição da circular (BACEN) n.º 3.110 (datada em 15/04/2002), a qual alterou o parâmetro de R$ 10.000,00 (dez mil) reais para  R$ 200.000,00 (duzentos mil) reais.

Logo, o limite legal para dispensa de entrega da DCBE, no ano-base 2001, passou de R$ 10.000,00 para R$ 200.000,00.

EM 2002, OUTRA CIRCULAR FOI EDITADA, IN VERBIS:

           CARTA CIRCULAR/BACEN 3.182/2002:

Art.  1º  Estabelecer  que as  pessoas físicas  ou  jurídicas residentes,  domiciliadas ou com sede no País, assim conceituadas  na legislação tributária, devem informar ao Banco Central do Brasil,  no período  de  10 de março de 2003 a 31 de maio de 2003, os valores  de qualquer  natureza, os ativos em moeda e os bens e  direitos  detidos fora  do território nacional, na data-base de 31 de dezembro de 2002, por  meio  de declaração na forma a ser disponibilizada na página  do Banco  Central  do  Brasil na Internet, endereço -  www.bcb.gov.br  - Capitais Brasileiros no Exterior

Art.  3º  Os detentores de ativos totais, em 31 de  dezembro de  2002,  cujos  valores  somados  totalizem  montante  inferior  ao equivalente  a R$300.000,00 (trezentos mil reais)  estão  dispensados de prestar a declaração de que trata esta Circular

Observem que o parâmetro foi modificado para incluir a obrigatoriedade de informar, em 2003, ao BACEN apenas aos brasileiros que possuíssem valores superiores ou iguais  a R$ 300.000,00 no ano 2002.

Aqui, um ponto interessante. Esta norma poderia retroagir para beneficiar os que, em 2001, detinham montante inferior a R$ 300.000,00 e superior a R$ 10.000,00, e não declararam ao BACEN?

LUCIANO FELDENS E ANDREI SCHIMIDT, com muita lucidez, esclarecem sobre a impossibilidade de aplicação da regra de retroatividade mais benigna, em razão da incidência, in casu, de norma excepcional (temporária), ou seja, o BACEN edita o parâmetro de valores, conforme a respectiva política cambial brasileira do ano correspondente, variando, então, em razão de aspectos meramente conjunturais.

Nesse sentido, prelecionam os referidos autores:

" A legitimidade das leis penais em branco, dessarte, não pode resultar unicamente do parâmetro dado pelo princípio da legalidade, senão também do devido equilíbrio dessa garantia com a tutela eficaz ao bem jurídico protegido. Isso nos leva a concluir que as normas penais de natureza cambial, assim como boa parte das demais que se relacionam com o Direito Penal econômico, têm a natureza de normas excepcionais. Significa afirmar que a superveniência de norma complementadora benéfica (lex mitio) não deve, a rigor, retroagir seus efeitos a supostos fáticos anteriores, na forma do art. 3º do CP (ultra-atividade da norma complementadora), assim como não terão efeito retroativo as mudanças regulamentadoras que ampliem o alcance do tipo penal (lex gravior) (art.5º, inc. XL, da CF) (Feldens, Luciano Schmidt; Zenkner Andrei, o Delito de evasão de divisas 20 anos depois: sua redefinição típica em face das modificações da política cambial brasileira, in Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional; 20 anos da Lei n.° 7.492/1986, Del Rey, 2006, p. 156).

 

POR SEU TURNO, NO ANO 2004 FOI EDITADA A SEGUINTE NORMA DO BACEN:

CARTA-CIRCULAR 3225/2004:

Art. 1º - Estabelecer que as pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no País, assim conceituadas na legislação tributária, devem informar ao Banco Central do Brasil, no período de 10 de março de 2004 a 31 de maio de 2004, os valores de qualquer natureza, os ativos em moeda e os bens e direitos detidos fora do território nacional, na data-base de 31 de dezembro de 2003, por meio de declaração disponível na página do Banco Central do Brasil na internet, endereço www.bcb.gov.br.

(...)

Art. 3º - Os detentores de ativos, cujos valores somados, em 31 de dezembro de 2003,totalizem montante inferior a US$ 100.000,00 (cem mil dólares dos Estados Unidos), ou seu equivalente em outras moedas, estão dispensados de prestar a declaração de que trata esta Circular.

Cumpre observar que a partir de 2004 o BACEN estabeleceu o limite equivalente a U$ 100.000,00  (cem mil dólares) para fins de obrigatoriedade de prestação da declaração por meio do envio da DCBE.;

 

Aqui, além da mudança do valor pecuniário, também foi fixado o parâmetro em dólar, e não mais em reais.

Quanto à natureza do delito, trata-se de crime formal (independe da comprovação de prejuízo à política cambial brasileira) e permanente, isto é, a ausência de declaração durante 05(cinco) anos consecutivos não configura continuidade delitiva (art.71 do CPB) ou pluralidade de delitos (art.69 ou 70 do CP), e sim crime único.

 

Nesse sentido, entendeu recentemente o STF:

 

AÇÃO PENAL. Pretensão punitiva. Prescrição. Não ocorrência. Crime permanente. Depósito, no exterior, de valores não declarados à repartição competente. Art. 22, § único, 2ª parte, da Lei federal nº 7.492/86. Cessação da permanência à data da omissão na declaração à Receita. Incidência do art. 109, IV, cc. art. 111, III, do CP. HC denegado. Embargos rejeitados. Nos crimes permanentes, como o de depósito, no exterior, de valores não declarados à Receita Federal, a prescrição conta-se do dia em que cessou a permanência, o que, no exemplo, ocorre à data da omissão na declaração de renda (STF, 2ª Turma,  HC 87208/MS, Emb. Decl. no HC, Rel. Cezar Peluso, 19/05/2009)

  SONEGAÇÃO FISCAL E EVASÃO DE DIVISAS: HÁ CONCURSO DE CRIMES? QUAL?

PARA O  STF (CONCURSO MATERIAL OU REAL DE CRIMES)

 

Ação penal. Denúncia. Evasão fiscal. Imputação do crime previsto no art. 22, § único, da Lei nº 7.492/86. Pagamento espontâneo dos tributos no curso do inquérito. Extinção da punibilidade do delito tipificado no art. 1º da Lei nº 8.137/90. Reconhecimento antes da denúncia. Trancamento da ação penal. Inadmissibilidade. Relação de meio a fim entre os delitos. Inexistência. Absorção do crime objeto da denúncia pelo de sonegação fiscal. Inadmissibilidade. Inaplicabilidade do princípio da consunção. Caso teórico de concurso real de crimes. HC denegado. Quem envia, ilicitamente, valores ao exterior, sonegando pagamento de imposto sobre a operação, incorre, em tese, em concurso material ou real de crimes, de modo que extinção da punibilidade do delito de sonegação não descaracteriza nem apaga o de evasão de divisas

(STF, HC 87208/MS,  2ª Turma, Rel. Cezar Peluzo, 23/09/2008)

 

A NOSSO VER,  DEVE SER RECONHECIDO O CONCURSO MATERIAL, EM RAZÃO DAS DISTINTAS CONDUTAS CONSUMADAS EM MOMENTOS DIFERENTES,  VIOLANDO, AINDA, BENS JURÍDICOS DIVERSOS...

 

COM EFEITO, POSSO REMETER VALORES AO EXTERIOR DE FORMA ILEGAL (EVASÃO DA PRIMEIRA PARTE DO PARÁGRAFO PRIMEIRO DO ART. 22) E POSTERIORMENTE  NÃO DECLARAR OS RESPECTIVOS VALORES NO CAMPO DA DECLARAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA  DO EXERCÍCIO POSTERIOR À REMESSA, RESULTANDO, EM MOMENTO POSTERIOR, NA CONSUMAÇÃO DO CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA QUANDO FOR EFETIVADO O LANÇAMENTO DEFINITIVO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO.

 

 

QUESTÕES PRÁTICAS RELEVANTES:

SE O AGENTE ENVIAR DINHEIRO AO EXTERIOR COM O PROPÓSITO DE AJUDAR UM PARENTE PRESO (EM OUTRO PAÍS) OU CUSTEAR ESTUDOS DE UM FILHO, HAVERÁ CRIME?

Inicialmente, cumpre estabelecer que não se mostra necessário identificar a origem do dinheiro (se lícito ou não), uma vez que o tipo em análise não exige tal comprovação (diferentemente da lavagem, na qual há ocultação de valores proveniente de crime, e, portanto, de montantes ilícitos).

Logo, analisando formalmente (leia-se, friamente) a letra da lei (interpretação gramatical), conclui-se que incidirá a figura típica do parágrafo único, primeira parte, do artigo 22, " (....) quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de divisas para o exterior"

Com efeito, o referido artigo não previu o denominado fim especial de agir (elemento subjetivo do injusto- tradicional dolo específico);logo, quem, por exemplo, for flagrado, portando U$ 15.000,00 (quinze mil dólares), incorre, em tese, nas penas do dispositivo legal sub examine. Nesse sentido, prelecionam Luciano Feldens e Andrei Schmidth.

De outra parte, a jurisprudência pátria já teve a oportunidade de enfrentar o tema, decidindo da seguinte forma:

PROCESSUAL PENAL. "HABEAS CORPUS". EVASÃO DE DIVISAS DO PAIS. DENUNCIA QUE NÃO DESCREVE ELEMENTO INTEGRANTE DO TIPO PENAL E INEPTA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL, SEM PREJUIZO DE OFERECIMENTO DE NOVA DENUNCIA. I- O PACIENTE, CHILENO E INDUSTRIAL EM SÃO PAULO, FOI PRESO EM FLAGRANTE QUANDO IA COM A FAMILIA PASSAR FERIAS EM SEU PAIS DE ORIGEM, UMA VEZ QUE LEVAVA CONSIGO, SEM COMUNICAÇÃO PREVIA AS AUTORIDADES ADMINISTRATIVAS, US$ 12.661. FOI DENUNCIADO COMO INCURSO NO PARAGRAFO UNICO DO ART. 22 DA LEI N. 7.492/86. A DENUNCIA, TODAVIA, NÃO DESCREVEU ELEMENTO INTEGRANTE DO TIPO: COM O FIM DE PROMOVER EVASÃO DE DIVISAS DO PAIS. II- RECURSO PROVIDO: TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL, SEM PREJUIZO DE OFERECIMENTO DE NOVA (STJ, 6ª TURMA, HC- 2773, Rel.Adhemar Maciel, DJ 27/05/1996)

 

AS OPERAÇÕES DE SUBFATURAMENTO OU SUPERFATURAMENTE PODEM CONFIGURAR A EVASÃO DE DIVISAS?

LUCIANO FELDENS E ANDREI SCHMIDT, NA CITADA E BRILHANTE OBRA DESTE TRABALHO, ESCLARECEM AMBAS AS SITUAÇÕES, ÀS QUAIS PODEM SER RESUMIDAS DA SEGUINTE FORMA.

NO SUBFATURAMENTO OCORRE UMA DECLARAÇÃO "A MENOR" NO CONTRATO DE CÂMBIO ALUSIVO À EXPORTAÇÃO (venda de mercadorias a um importador no exterior em valores inferiores ao montante efetivamente negociado).

 IN CASU, O EXPORTADOR RECEBE POR FORA" A RESPECTIVA DIFERENÇA (EM REGRA, NO EXTERIOR); EXEMPLO: "X" REALIZA UMA EXPORTAÇÃO DE MERCADORIAS EM VALORES REAIS DE U$ 500.000,00 (QUINHENTOS MIL DÓLARES) PARA UM COMERCIANTE ESTRANGEIRO "Y". TODAVIA, DECLARA NO CONTRATO DE CÂMBIO AO BACEN (TAIS CONTRATOS DEVEM SER REGITRADOS NO SISBACEN...) O VALOR IDEOLOGICAMENTE FALSO DE U$ 300.000,00 (TREZENTOS MIL DÓLARES).

 O REMANESCENTE (U$ 200.000,00) É PAGO PELO IMPORTADOR ("Y") EM DETERMINADA CONTA NO EXTERIOR. NA HIPÓTESE, CERTAMENTE TAL VALOR SERÁ MANTIDO EM CONTA-CORRENTE SEM QUE SEJA INFORMADO AO BACEN NA DCBE (AQUELA DECLARAÇÃO ANUAL DE BENS E VALORES DETIDOS POR BRASILEIROS NO EXTERIOR), INCIDINDO, PORTANTO, NA CONDUTA TÍPICA DO ARTIGO 22,§ÚNICO, IN FINE (SEGUNDA PARTE), DA LEI N.º 7.492/86.

ALÉM DISSO, PODERÁ CONFIGURAR, EM CONCURSO MATERIAL, O CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (FRAUDE NO IMPOSTO DE RENDA DECORRENTE DA OMISSÃO DOS RENDIMENTOS TRIBUTÁRIOS RECEBIDOS NO EXTERIOR E OCULTADOS CLANDESTINAMENTE...)

 

           SUPERFATURAMENTO (IMPORTAÇÕES)

AQUI, O IMPORTADOR ADQUIRE, POR EXEMPLO, U$ 300.000,00 (TREZENTOS MIL DÓLARES) EM MERCADORIAS, MAS DECLARA O VALOR DE U$ 500.000,00 (QUINHENTOS MIL DÓLARES).

O REMANESCENTE (U$ 200.000,00) É REMETIDO AO EXTERIOR PARA UMA CONTA MANTIDA PELO IMPORTADOR DE FORMA CLANDESTINA (NÃO DECLARADA À RECEITA FEDERAL, NEM AO BACEN).

TAL VALOR (U$ 200.000,00) SERÁ OBJETO DO CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL E EVASÃO DE DIVISAS (EVASÃO- DEPÓSITO- ARTIGO 22,§ ÚNICO, ÚLTIMA PARTE, EM RAZÃO DA REMESSA ILEGALMENTE FEITA AO EXTERIOR E POSTERIOR MANUTENÇÃO DOS DEPÓSITOS EM CONTA SITUADA NO ESTRANGEIRO, SEM INFORMAÇÃO NA DECLARAÇÃO ANUAL DE BENS E VALORES DETIDOS NO EXTERIOR- DCBE).

COMO SE NOTA, NO SUPERFATURAMENTO HAVERÁ UMA FALSIDADE IDEOLÓGICA NO DOCUMENTO QUE REGISTRA A IMPORTAÇÃO, JÁQUE SERÁ DECLARADO UM VALOR " A MAIOR" (FICTÍCIO), NO LUGAR DO REAL MONTANTE DA TRANSAÇÃO COMERCIAL (MONTANTE EFETIVAMENTE NEGOCIADO-  MUITO INFERIOR AO DECLARADO NO CONTRATO DE CÂMBIO  ALUSIVO À IMPORTAÇÃO REGISTRADA NO SISBACEN).

                             PROGRESSÃO CRIMINOSA:

POSSO REMETER VALORES ILEGALMENTE AO EXTERIOR (À MARGEM DA FISCALIZAÇÃO DO BACEN) E POSTERIORMENTE MANTÊ-LOS EM UMA CONTA-CORRENTE SITUADA EM BANCO ESTRANGEIRO, SEM DECLARAÇÃO AO BACEN.

RESPONDEREI PELO CRIME-FIM (EVASÃO DEPÓSITO- ARTIGO 22,§ÚNICO, SEGUNDA PARTE, DA LEI 7492/86). NESSE DIAPASÃO, PRONUNCIARAM LUCIANO FELDENS E ANDREI SCHMIDT.

DE OUTRO LADO, O MERO INGRESSO DE DIVISAS NO PAÍS NÃO CONFIGURA A EVASÃO, E SIM EVENTUAL FALSIDADE IDEOLÓGICA REFENTE À AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO DA DPV(DECLARAÇÃO DE PORTE DE VALORES) ou DA DBA  (DECLARAÇÃO DE BAGAGEM ACOMPANHADA).

A DBA DEVE SER PREENCHIDA POR VIAJANTES NÃO RESIDENTES NO BRASIL QUE ESTIVEREM INGRESSANDO EM NOSSO PAÍS POR MEIO DE QUALQUER VIA DE TRANSPORTE  (AÉREO, MARÍTIMO, TERRESTRE), DEVENDO SER ENTREGUE À FISCALIZAÇÃO ADUANEIRA (RECEITA FEDERAL) SE O VALOR EM ESPÉCIE SUPERAR R$ 10.000,00. NO AEROPORTO, EXISTE UM GUICHÊ PRÓPRIO DA RECEITA.

EXEMPLO: ESTRANGEIRO INGRESSA NO BRASIL, PORTANDO U$ 300.000,00 SEM DECLARAR O MONTANTE NA DPV ou na DBA; PODERÁ RESPONDER PELO CRIME PREVISTO NO ART. 299 DO CPB.

 

EVASÃO FORMIGA (CONCEITO TRAZIDO POR LUCIANO FELDENS E ANDREI SCHMIDT)

PARTINDO DA IDÉIA DOS ILUSTRES AUTORES,  FORMULAMOS O SEGUINTE EXEMPLO.

O AGENTE, EM DIVERSAS OCASIÕES EM UM MESMO ANO, REMETE AO EXTERIOR R$ 9.000,00 SEM PREENCHIMENTO DA DPV. CONFORME O CASO CONCRETO, O JUIZ PODERÁ ENTENDER QUE HOUVE " FRACIONAMENTO " DA CONDUTA, COM O FIM DE REMETER DIVISAS AO EXTERIOR, À MINGUA DA RESPECTIVA DECLARAÇÃO ÀS AUTORIDADES ADMINISTRATIVAS.

AQUI, A CONDUTA SE ASSEMELHA COM AS INTITULADAS FRAUDES NAS LICITAÇÕES OCORRIDAS MEDIANTE FRACIONAMENTO ILEGA DO PREÇO PARA SE FURTAR DA NECESSIDADE DE EFETIVAÇÃO DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO (FRACIONAMENTO ARDILOSO PARA PAGAMENTO DE SERVIÇOS INFERIORES A R$ 8.000,00)

 

CONCLUSÃO:

O crime de evasão de divisas ainda tem importância no ordenamento jurídico nacional, a fim de controlar o equilíbrio das reservas cambiais, bem como inibir o envio clandestino de dinheiro ilícito ao exterior.

Além disso, sua relevância se mostra na medida em que constitui instrumento  de controle da balança comercial brasileira e da economia nacional.

Por derradeiro, reprime a remessa clandestina ao exterior de recursos provenientes do tráfico ilícito de entorpecentes, corrupção passiva, desvios de verbas públicas, uma vez que criminaliza tais condutas, sem prejuízo da tipificação e punição dos aludidos crimes.

Destarte, em que pese o entendimento favorável à sua descriminalização, entendemos que o tipo penal sub examine ainda detém relevância em nosso sistema jurídico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1-       Tigre Maia, Rodolfo. Dos Crimes Contra o sistema financeiro, Malheiros, 1ª edição,  1999.

2-       Nucci, Guilherme de Souza.Leis Penais Comentadas, RT, 2008.

3-       Natal de Paula, Áureo, Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional e o Mercado de Capitais, Juruá, 2007.

4-       Feldens, Luciano Schmidt; Zenkner Andrei. O Crime de evasão de divisas. A Tutela Penal do Sistema Financeiro Nacional na Perspectiva da Política Cambial Brasileira,  Lumem Júris, 2006.

5-       Tortima, José Carlos, Crimes contra o sistema financeiro, Lúmen Júris, Lúmen Júris, 2002.

6-        Feldens, Luciano Schmidt; Zenkner Andrei, o Delito de evasão de divisas 20 anos depois: sua redefinição típica em face das modificações da política cambial brasileira, in Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional; 20 anos da Lei n.° 7.492/1986, Del Rey, 2006.