O desafio da interpretação


PorGisele Leite- Postado em 03 dezembro 2012

O desafio da interpretação.

 

É importante ter o aporte teórico de diversos doutrinadores a respeito da interpretação de qualquer texto normativo, especialmente o texto constitucional. Posto que essencial para se avaliar as possíveis interpretações presentes e praticadas sobre o ordenamento jurídico brasileiro, principalmente quanto aos temas polêmicos como o aborto de anencéfalo, cotas raciais para universidades públicas, utilização do embrião humano[1]e, etc.

 

Há quatro questionamentos essenciais quanto o assunto interpretação. Primeiro preocupa-se em definir o que é o interpretar, por que interpretar, como interpretar e quais as dificuldades do ato interpretativo. As respectivas perguntas variam conforme a época e a metodologia usada por cada doutrinador.

 

O ato de interpretar significa captar a significação das palavras e buscando a análise semântica do texto. Por tal razão a semiótica é crucial para a interpretação (que estuda os elementos representativos no processo de comunicação, e pode ser dividida em três partes: sintaxe, semântica e pragmática) De maneira geral, é possível afirmar que a sintaxe corresponde ao estudo dos signos de forma pura, independente de seu significado, em outras palavras, preocupa-se com a construção tecnicamente corrente das frases em determinado idioma.

 

Já na semântica, a análise é sobre os signos em sua relação com os objetos por estes designados, isto é, sobre o problema dos significados. Por fim, a pragmática cuida da relação entre os signos e as pessoas que as usam, ou seja, o contexto em que os termos são empregados.

 

 

A norma jurídica como qualquer texto escrito carece de interpretação que pode traz o meio de aplicação e de previsões legais, facilitando a solução dos conflitos de interesses nos casos concretos.

 

Mas a interpretação pode ser entendida tanto como atividade como resultado desta atividade. A interpretação[2]de um texto atribui sentido ou significado a determinado trecho de linguagem. De fato é uma atividade intelectiva que vai da sintaxe até a semântica.

 

A hermenêutica deseja captar o real significado do discurso bem como mensurar até onde se pode realmente perceber e compreender o sentido do discurso e do contexto onde interage.

 

A hermenêutica possui obviamente íntima conexão com a linguagem[3]posto que esta provenha o processo dos significados. Todavia, a linguagem não é o único instrumento de manifestação do discurso, há outras manifestações do ser bem como da realidade.

 

O discurso processado por meio da linguagem está impregnado da própria realidade, que o gera e o situa; desta forma, o ser da linguagem e o ser como linguagem já apresenta em si mesmo um sentido dado pelo discurso.

 

Mas não é coerente crer que a hermenêutica seja o discurso do discurso, ou um metadiscurso, e, nem somente uma ferramenta eficaz e decifradora do ser-no-mundo. De fato, serve para aclarar os horizontes semânticos dos significados impostos pelo próprio questionamento da realidade.

 

Revela a hermenêutica o esforço humano para a compreensão da existência humana no mundo. Desafia, portanto, compreender a essência humana e a própria realidade que se coloca diante dele.

 

O esquema da hermenêutica é a busca constante da razão de ser das significações. É o “cavar” a etiologia dos valores. O ser humano transforma a natureza em cultura, então de animal biológico passa a ser animal social, e depois transforma a cultura em conhecimento (e neste momento identificamos as projeções dos significados impressos pelo ser e no ser).

 

Portanto, através da hermenêutica damos sentidos à tudo, passando a fazer uma leitura coesa e harmônica da realidade circundante.

 

A hermenêutica não traduz um círculo que se fecha e nem um derradeiro ciclo do entendimento, significa mais um horizonte que desponta a percepção humana que elabora o discurso como modo de traduzir a imagem do real, porém essa tradução não é a própria realidade, e sim, uma representação desta ou uma referência.

 

Desta forma, a hermenêutica se torna a chave para que possamos compreender como ser humano estando num mundo finito e limitado paradoxalmente ousa rumar na direção do infinito, do desconhecido e quiçá da esperança.

 

Como as crenças se emaranham no conhecimento e tecem argumentos, teses, antíteses e como se processam as sínteses na trajetória histórica, social e antropológica da humanidade.

 

O modo de ser no mundo corresponde a uma forma de interpretá-lo e, essa interpretação esboça a tentativa de dar-lhe sentido e de nos integrarmos a este. Sendo ao mesmo tempo, autor e engrenagem.

 

Os interesses interpretativos divergem pelo fato de que a visão do mundo não é única e nem una. E como existe a pluralidade de interesses esses forjam as interpretações que lhes sejam mais generosas e convenientes.

 

O mundo se resume numa cansativa interpretação camuflada e sucessiva do medo existir e de pôr em perigo a própria existência em direção ao nada, ao infinito ou na simplesmente constatação de contradições inconciliáveis.

 

O mundo é uma interpretação fantasiosa que se esconde no sistema humano, que explora os medos, traumas e dores da humanidade. Arquitetamos deuses e os seus superpoderes por deixarmos de acreditar na capacidade do ser humano. O que somos além de seres históricos e factuais que se resume como arremedo de fé, pautados na negação da mundanidade como forma de negação da própria hominização.

 

A falsificação do real através da interpretação revela enfim ser mais uma forma de exploração política-ideológica. Nenhum sistema humano sobreviverá sem essa falsificação. Assim, a interpretação é inexorável.

 

As interpretações dos fatos são formas de falsificar o real, de delimitar o real e dar-nos como “fato verdadeiro”. A interpretação se baseia na índole egocêntrica humana que é a origem dos males humanos.

 

A interpretação esculpida e sua escultura se reproduzem no conhecimento, na ciência, na técnica, na política e no domínio existente nos poderes na aprendizagem, no envelhecimento e nas formas de formar e perpetuar valores.

 

Nietzsche nega a existência do fato em detrimento da interpretação. Na verdade, o fato já significa uma interpretação barateada do evento. E, é exatamente nesse circuito que se dissemina a alienação principalmente através do discurso ideológico.

 

Lembremos que a ideologia[4]em suas variadas faces é falsificadora da realidade pois manipula ora ocultando, ora ressaltando aspectos da realidade que lhes sejam interessantes e convenientes.

 

A ideologia tem o poder de “domar” ou domesticar a realidade vestindo-a com uma “camisa de força” capaz de domesticar seus sentidos bem como toda humanidade.

 

Captar o sentido do mundo e é importante, pois é forma de domínio, e o instinto cognitivo e da assimilação é que produz os valores (que são capazes de satisfazer as necessidades humanas e ocupar os interesses principais de interpretação).

 

Conhecer, em suma, significa avaliar quais configurações são benéficas e necessárias, e distinguir das que sejam prejudiciais. Conhecer a realidade, o mundo a devir sempre inclui uma simplificação com fins práticos que deforma e falsifica o constante fluxo do caos. A textura das diferenças e do idêntico, a semelhança e a analogia que permite a previsão, tolerância e a sobrevivência apesar do devir.

 

A princípio, o dever é uma antevisão interpretativa da vontade de domínio. É um adiantamento que permite forjar o significado e a transformação do próprio fato que é o significado, e lido segundo os interesses preexistentes ao evento analisado.

 

O mundo econômico, político e jurídico é particularmente especialista nesta antecipação de significado do evento, que ainda não é dado e, por isso, ainda não se fez fato. Se de fato irá corresponder à realidade, enquanto interpretação dependerá de ser “pré-juízo”, um pré-julgamento, ou seja, resultado de compreensão adiantada na interpretação do devir.

 

A interpretação é dominatrix[5]e simplifica e impõe vitoriosa uma dada leitura do mundo que endossa as ações que nutrem todo o sistema.

 

Nada mais cômodo e lucrativo do que fazer prevalecer “sua visão de mundo” diante do próprio mundo. O que impõe a hegemonia interpretativa da realidade.

 

O caminho da liberdade ainda que limitada, mas que escape da pura escravidão é a negação desta forma de ser do mundo. Principalmente com outras formas de vida, com outras interpretações que nos encaminhe mais para o “ser” do que para o “ter”.

 

Sem dúvida, a liberdade virá pela negação posto que não seja possível construir um novo mundo sobre as velhas estruturas interpretativas.

 

O mundo humano[6]é enfim parido por nossa concepção interpretativa[7], é moldado e cresce por nossa consciência (tendo sido a imagem de nós mesmos, projetada no espelho onde analisamos o conhecimento, a ciência, a técnica, como se fosse a própria realidade).

 

Em verdade, a palavra é um mau veículo para o pensamento, não perdura o acordo estabelecido entre o texto expresso e as realidades objetivas, e tais afirmações sintetizam grosso modo as severas dificuldades enfrentadas pelos intérpretes das leis.

 

O real não é a imagem refletida no espelho, mas o próprio espelho e o sujeito que se vê como imagem de si (autoconhecimento ou autoreconhecimento). Vivemos em um mundo de aparências e impedimentos de vermo-nos mesmos e a nossa vida.

 

Esse medo de sair da caverna, de descobrir as coisas que produziram as sombras, de enfrentarmos secamente o que somos, encarando-nos em nossa animalidade.

 

A interpretação seria como um verniz tosco que confere certa racionalidade à face animal do homem (que devora suas vítimas na fome do ter e do consumir).

 

É necessário romper com a imagem e superar a aparência, ver a concretude de nosso ser, conhecer nossos limites e potencialidades. Portanto, para enxergar o real será necessário quebrar o espelho, abandonar e fragmentar o reprodutor imagético das aparências (visão de mundo falsificadora).

 

Precisamos encarar a velada verdade[8]da falibilidade do sistema humano, quebrar os elos que mantêm a exploração do animalesco e catequização do humano.

 

Inicialmente a necessidade de interpretar uma norma jurídica admite dois posicionamentos principais. Posto que existam aqueles que entendem que qualquer norma jurídica somente as normas que possuam alguma vaguidade ou imprecisão mereçam ser objeto de interpretação.

 

Tal posicionamento tem viés restritivo e atribui uma possível escolha de significado somente a uma formulação normativa passível de dúvida ou obscuridade, e unicamente em tais casos deve ser aplicada a interpretação.

 

Tal posicionamento parte da premissa de que as palavras possuem em si um significado objetivo intrínseco e próprio.

 

Originário da teoria cognitiva da interpretação[9]que considera que interpretar é verificar empiricamente o significado objetivo dos textos normativos e a intenção subjetiva de seus autores.

 

Os enunciados dos intérpretes são enunciados do discurso descritivo, podem comprovar a veracidade ou não desses enunciados. Subentende tal teoria que o sistema jurídico necessariamente é completo, portanto, sem lacunas, e coerente (e sem antinomias), não havendo espaço para a discricionariedade judicial. Para cada questão jurídica, existiria então somente uma única resposta justa.

 

O outro posicionamento[10]de viés mais amplo admite uma atribuição de significado a qualquer formulação jurídica, independentemente de haver dúvidas ou controvérsias. Concluindo que todo texto requer uma interpretação, sendo esta um pressuposto necessário à aplicação da norma a qualquer caso. A própria atribuição de significado a um texto requer sempre uma valoração, eleição ou decisão.

 

Não há um significado próprio das palavras e sim aquele atribuído pelo intérprete. Para tal posicionamento, os enunciados interpretativos não são verdadeiros ou falsos. Conclui-se, assim que o ordenamento jurídico[11]não é completo ou coerente e diante de lacunas os juízes criam um direito novo, e por isso, deve ser clara a demarcação das funções judiciais e legislativas.

 

Há ainda a teoria intermediária a qual sustenta que a interpretação pode assumir em certos casos a natureza de atividade cognitiva e em outros uma atividade de decisão discricionária. Distingue dois tipos de enunciados interpretativos.

 

Quando o significado atribuído recai no núcleo essencial resulta então, uma simples verificação do significado preexistente aceito, mas se o significado atribuído recai sobre uma área duvidosa, de penumbra, o resultado será uma decisão discricionária. Volta às noções de casos claros, onde deve ocorrer a aplicação pura do texto e os casos duvidosos, nos quais o intérprete deve adotar valorações em sua escolha.

 

Outra questão é analisar o intérprete e a metodologia adotada. O aplicador da norma é quem dirá qual a interpretação correta do ordenamento jurídico ao caso concreto e a metodologia adotada pelo mesmo determinará como será o processo interpretativo e qual será o resultado deste.

 

Carlos Maximiliano aponta que o intérprete deve possuir três qualidades: probidade, ilustração e critério[12]. Não é só examinar através das palavras os pensamentos possíveis, mas, principalmente, entre os possíveis o único apropriado, “o sentido conducente ao resultado mais razoável, que melhor corresponda às necessidades da prática, e seja mais humo, benigno e suave.”

 

Manuel Ortega ensina que a interpretação de normas pode dar lugar a resultados diferentes, cabendo aos operadores do Direito, na aplicação ao caso concreto, eleger entre as distintas alternativas para que a atividade compreenda tanto os atos de conhecimento como o de vontade.

 

Segundo este doutrinador, dois tipos de concepção podem ser destacados: as teorias prescritivas[13]que se dedicam não só a explicar como se justificam as decisões judiciais, mas também como estas deveriam ser justificadas para que possam ser consideradas corretas; e as teorias descritivas[14]que parte da experiência jurídica para descobrir quais são os diferentes elementos que determinam e influenciam no processo decisório.

 

Esta divisão é bastante atual já que diferencia os posicionamentos formalistas e pragmáticos. A primeira lidaria com os métodos tradicionais de interpretação: literal, o sistemático, o histórico e o teleológico. Tal método tem como máxima à subsunção, ou seja, uma norma (premissa maior) deve ser aplicada ao caso concreto (premissa menor).

 

No entanto, a complexidade dos conflitos contemporâneos nos faz perceber que não é mais adequada a metodologia tradicional. Os casos concretos, principalmente os que envolvam normas constitucionais, já não podem mais ser encaixados de forma completa em uma única norma, havendo casos onde os valores envolvidos colidem e a mera subsunção torna-se impossível, pois várias premissas[15]maiores podem ser aplicadas.

 

 O grande e patológico problema não é ter uma visão de mundo, o pior é ter um mísero e único sistema que exerça a hegemonia interpretativa.

 

Urge apurar a percepção e captar nas variadas interpretações que se revelam ser simples variações do mesmo modo de ver o mundo. O rompimento, a partenogênese enfim é a cruel e difícil missão da filosofia contemporânea exige cada vez maior reflexão hermenêutica.

 

Afinal interpretar é traduzir, ajuizar da intenção, do sentido, representar como ator, exprimir o pensamento. O termo latino interpretatio que em conjunto com o verbo interpretari, tem desde a idade clássica todos os significados do verbo correspondente na língua portuguesa.

 

Interpretar, portanto parece indicar o modo de perceber, entender algo apresentado pelo mundo externo. Em sentido moderno, se diz que os poetas são para nós os intérpretes dos deuses.

 

Aristóteles identificou que a língua é intérprete dos pensamentos porquanto o exprime para o exterior. Interpretar é usar a lógica formal contemporânea é verificar as condições de verdade.

 

A compreensão do real é de fato difícil por sua profunda complexidade que só pode ser assimilado na forma reduzida, recortada, no isolamento relacional.

 

O que consagra o mérito da investigação é o poder de expressar, pela parte reduzida do enfoque, a totalidade das relações expostas, e muitas vezes, ocultas no cotidiano.

 

Mas, isto exige a volta da busca do todo, ainda que isso implique em certo corte, o corte epistemológico que não reduz o real, apenas impõe limites metodológicos que facilitam o conhecimento.

 

Todavia, o corte ou recorte epistemológico representa sempre um risco assumido justamente e proporcionalmente ao seu limite. Seu risco consiste exatamente na questão de desejarmos tornar evidente o todo por meio da parte que o compõe.

 

A veia principal do processo de conhecimento exige cada vez mais metodologias dinâmicas que possam nos possibilitar mesmo dentro do recorte, uma abrangência ampla no nosso modo de captar a realidade que se prosta diante de nossos sentidos e reflexão.

 

Para compreender a educação há de estar preparado para alteridade. Uma consciência que interpreta deve ser sensível ao outro, não apenas dos sujeitos, mas também da diversidade de contextos[16].

 

O pesquisador e o educador devem ser sensíveis à alteridade e a diversidade do contexto onde se inserem. Posto que utilizem a linguagem pela qual se expressa a própria realidade.

 

Lembremos que nem sempre o sujeito que pesquise nem o sujeito a ser pesquisado são mecânicos e automáticos resultados de um contexto. Os fatos humanos são significativos pela grande riqueza de significados que se atribui às coisas.

 

O que realmente importa quanto aos fatos humanos não é sua causa mas sim, sua significação, seus objetivos e seu valor. O sentido dos fatos humanos só é possível dentro dessa perspectiva, ou seja, na rede de significado tramada pelos sujeitos e realidade.

 

O ser humano procura compreender e explicar o mundo. A compreensão é o resultado de uma explicação que se dá tanto para as coisas humanas como as não-humanas.

 

Isto nos indica que a explicação, antes mesmo da compreensão, é a tradução da realidade num significado que tenha sentido e se processe por uma determinada linguagem, ou signos linguísticos que nos permitam e possibilitem uma compreensão do real.

 

O mundo humano é significante ao nos tornar hábeis em explica-los, onde reside a possibilidade de compreensão do que somos, do que projetamos ser, e nesse esquema de significações e de sentidos atribuídos ao nosso ser no mundo.

 

Porém, o sentido não se esgota em si mesmo, possui densa complexidade da realidade que por sua vez se desdobra em outros sentidos e multiplica a sua riqueza significante. Neste sentido, só é possível interpretar o que possui mais de um sentido. É a variação de sentidos que nos proporciona a interpretação, e uma significação das atribuições de sentidos que se dão às coisas.

 

Compreender significa explicar o sentido das significações atribuídas à realidade das coisas e do mundo. É próprio do ser humano compreender a complexa realidade que nos envolve e, para tanto precisamos da explicação.

 

Dicotomizar a compreensão e a explicação representa enfim, sacramentar o processo de separação entre o ser o humano e a sua natureza, embora que ambos sejam constitutivos de uma mesma realidade. São faces da mesma moeda.

 

O mundo que se arremessa em nossa direção, é o da conjugação de um caminho que aponta para as encruzilhadas e permita haver sua explicação e sua compreensão de seus significados.

 

Interpretar é decifrar na encruzilhada o “ser-no-mundo” manifesto diante do texto que vai além da linguagem cotidiana, e das coisas oferecidas, e inclui o mundo poético que propõe sempre novas possibilidades de existir.

 

 



[1]Predominaram temas polêmicos em 2012 na mais alta Corte Judicial brasileira, vide em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2012/01/temas-polemicos-predominam-na-pauta-do-supremo-em-2012.html

[2]Por fim, para fixar o sentido e o alcance da norma jurídica, o intérprete deve observar algumas regras de interpretação, como observa Rizzatto Nunes, no seu Manual de introdução ao estudo do direito: Interpretação Gramatical: "É através das palavras da norma jurídica, nas suas funções sintática e semântica, que o intérprete mantém o primeiro contato com o texto posto" (p. 262); Interpretação Lógica: "A interpretação lógica leva em consideração os instrumentos fornecidos pela lógica para o ato de intelecção, que, naturalmente, estão presentes no trabalho interpretativo" (p. 265). "A lógica comparece também através dos raciocínios, como o indutivo e o dedutivo" (p. 266); Interpretação Sistemática: "cabe ao intérprete levar em conta a norma jurídica inserida no contexto maior de ordenamento jurídico. (...) . O intérprete, em função disso, deve dar atenção à estrutura do sistema, isto é, aos comandos hierárquicos, à coerência das combinações entre as normas e à unidade enquanto conjunto normativo global" (p. 267). "A interpretação sistemática leva em conta, também, a estrutura do sistema jurídico: a hierarquia, a coesão e a unidade" (p. 269); Interpretação Teleológica: "A interpretação é teleológica quando considera os fins aos quais a norma jurídica se dirige" (p. 269);Interpretação Histórica: "é a que se preocupa em investigar os antecedentes da norma" (p. 272).

[3]A interpretação da norma jurídica passa, necessariamente, pela sua linguagem. Segundo Rizzatto Nunes, a linguagem é um componente importante de qualquer escola ou ciência. Quando se examina a linguagem utilizada pelas várias ciências, percebe-se que existe uma tentativa de postular para cada ramo científico uma linguagem própria, técnica, construída com o propósito de eliminar ambiguidades que tem a linguagem natural, de uso comum da sociedade.

[5]Dominatrix(do latim "dominatrix", que significa "mulher dominadora" ou "mestra") é uma mulher que exerce o papel "dominadora" em práticas de BDSM(BDSM é um acrónimopara a expressão "Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo" um grupo de padrões de comportamento sexual humano. A sigla descreve os maiores subgrupos: Bondage e Disciplina(BD);Dominação e Submissão(DS);Sadismo e Masoquismoou Sadomasoquismo(SM). É dominatrix porque é dominadora e sedutora. É, pois poderosa e altamente convincente.

 

[6]O mundo humano se revela um caminho de mão única, só de ida, mas são as curvas que permitem ocultar e revelar outros horizontes, outras interpretações, outras visões de mundo, enfim, outros mundos.

[7]A ritualística do ter exige o aborto do ser, aniquilando a humanidade e a reduzindo minha expressão estereotipada biológica e esquizofrênica. É inexorável afirmar que em tudo há sentido e, portanto, é adaptável sendo enfim interpretável.

[8]A distinção entre o plano da teoria da interpretação e o da teoria da verdade é passível de ser explorada no interesse do cognitivismo da interpretação jurídica que de fato adota concepção mais modesta ou menos ambiciosa de razão e de verdade. Por isso é justificável o ceticismo interpretativo de Ortega y Gasset que chamava os racionalistas anistóricos de metafísicos desiludidos.

[9]Para as teorias cognitivistas os predicados “verdadeiro” e “falso” são aplicáveis às interpretações, para as céticas não o são. E, ainda há a posição intermediária, segundo a qual a interpretação é controlável , portanto, criticável em bases racionais apenas em determinadas situações (os “casos fáceis”) ou até um determinado ponto, a partir do qual diferentes soluções são admissíveis, cabendo unicamente ao arbítrio do intérprete a escolha de uma delas. A visão desse antagonismo e dessa tripartição encontra uma expressão muito impactante em Hart , que identifica as posições extremas que são, segundo sua terminologia, o formalismo e o ceticismo (referindo-se às teorias jurídicas norte-americanas onde Hart alude respectivamente ao “nobre sonho” e ao “pesadelo”), para defender uma posição intermediária (dita às vezes “teoria mista”) que reconhece, como uma consequência da textura aberta do direito, o poder discricionário do juiz quando este decide os casos difíceis.

[10]Em função dessas escolhas alguns doutrinadores são levados a considerar a interpretação como uma etapa ou um momento específico do raciocínio jurídico, a da determinação do sentido do texto (uma operação considerada então como distinta e independente, por exemplo, da identificação do texto aplicável, da qualificação dos fatos e das valorações), ao passo que outros tendem a assimilá-la ao conjunto das operações intelectuais necessárias à tomada de decisão. E nesse último caso, o termo “interpretação” sofre a concorrência de outros, como “aplicação”, “raciocínio jurídico”, “argumentação”, adjudication entre os autores de expressão inglesa, Rechtsfindung, Rechtsgewinnung (“achamento” ou descoberta, obtenção do direito) ou ainda “concretização” entre os germanófonos.

 

[11]Ao contrário dos ordenamentos jurídicos hodiernos, que deixavam a encargo da doutrina e da legislação infraconstitucional a tarefa de reconhecer os princípios, nossa Constituição Federal preferiu albergá-los de maneira a torna-los mais sólidos e expressivos em face dos existentes em nível hierárquico inferior e, é por tal razão que podemos classifica-los como “verdadeiras supranormas”, porque, uma vez identificados, atuam como regras hierarquicamente superiores às próprias normas positivadas no conjunto das proposições escritas ou mesmo às normas costumeiras.

 

[12]Não existe verdade fora das formas argumentativas culturalmente validadas. O que se chama de “interpretação” intervém exatamente quando um caso a ser decidido se encontra aberto a formas argumentativas concorrentes sem que haja acordo quanto ao critério de escolha.

[13]As teorias prescritivas possuem como pretensão fundamental assinalar como os  sujeitos que aplicam o direito devem interpretar as normas. Buscam condicionar e determinar a atividade do intérprete com a finalidade de influir em seu comportamento. Este comportamento para ser considerado correto deve descobrir certos elementos que se encontram na vontade do legislador, na vontade da lei ou na racionalidade argumentativa dos sujeitos que participam do processo. O intérprete recebe instruções que deve seguir para que sua conduta seja considerada legítima.

[14]As teorias descritivas acreditam que o exame da experiência jurídica revela a presença de elementos irracionais que não podem ser eliminados através do processo de justificação porque a motivação se apresenta como instrumento insuficiente posto que não permita controlar a atuação judicial. Adeptos do realismo destacam várias vezes a relevância da personalidade do julgador em seu processo decisório. Assim, as decisões não são meras reproduções ou aplicações de regras previamente estabelecidas.

[15]O silogismo representa a conexão de ideias, de raciocínio, é termo aristotélico que designou a argumentação lógica perfeita e que posteriormente veio a ser chamada de silogismo, constituída de três proposições declarativas que se conectam de tal modo que a partir das duas primeiras, chamada de premissas é possível deduzir uma conclusão.

A teoria do silogismo foi exposta por Aristóteles em “Analíticos anteriores”. O silogismo regular é o argumento típico dedutivo, composto de três proposições: a premissa maior(P), premissa menor(p) e conclusão (c). Num silogismo, as premissas são um ou dois juízos que precedem a conclusão e dos quais, esta decorre como consequente necessário dos antecedentes, dos quais se infere a consequência. Nas premissas, o termo maior (predicado da conclusão) e o termo menor (sujeito da conclusão) são comparados com o termo médio, assim temos a premissa maior e a premissa menor segundo a extensão dos termos. Um exemplo clássico é: Todo homem é mortal. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal.

 

[16]O contexto ornado por suas circunstâncias projeta-se fatalmente sobre vários questionamentos sobre a interpretação que se formam, a saber: a) como explicar a pluralidade de soluções plausíveis por ocasião de todo ato jurisdicional (ou pelo menos do ato jurisdicional típico)?; b) como se articulam e qual influência desempenham as motivações que os juízes dão às suas decisões?; c) quais fatores condicionam ou determinam a adoção de certa solução em detrimento de outra Qual caminho percorrido para o juiz obter essa solução exarada?; d) qual é o estatuto epistemológico do julgamento? Quais são os critérios capazes de construir uma instância crítica da decisão, analisando sua racionalidade, justeza ou correção? E esse controle da decisão judicial, diz respeito diretamente à solução em si mesma considerada ou à justificação apresentada? E, por último, admitindo que as interpretações possam ser ditas verdadeiras ou falsas, o que significa exatamente isso no contexto do Estado Democrático de Direito?

 

A inquestionável relevância da Constituição Federal Brasileira como texto normativo que expressa os mais tutelados valores jurídicos essenciais para a sociedade e para o Estado Democrático de Direito.

 

Lembrando que as sociedades contemporâneas[1]possuem como característica sua pluralidade, o que é evidenciado também por meio do texto constitucional, junto com valores sociais, liberais que permeiam as mais recentes Cartas Políticas. Também se verifica a presença de normas abertas e principiológicas, o que transforma a interpretação constitucional numa das mais árduas tarefas que exigem para tanto metodologia própria.

 

Destaque-se que Garcia Amado aponta que a interpretação constitucional será dependente da concepção que se tem sobre o valor normativo do próprio texto constitucional.

 

E, destaca ainda três correntes doutrinárias: a primeira denominada de linguística que adota a Constituição como um conjunto de enunciados linguísticos[2]compilado num texto, o qual se tem por ser jurídico e de suprema hierarquia dentro dos textos jurídicos.

 

A concepção voluntarista enxerga na Constituição uma expressão de vontade suprema, individual ou coletiva, cujos desígnios concretos e a capacidade de expressão são limites à prática jurídica no ordenamento. Interpretar seria então averiguar os conteúdos das vontades desse texto. Enquanto que a concepção material entende o texto constitucional como sendo uma ordem subjetiva de valores que constituem uma prefiguração ideal e permanente dos mundos juridicamente possíveis. Portanto, o intérprete deve buscar conhecer os valores adotados pela ordem constitucional.

 

O constitucionalismo moderno é muito identificado com a constituição escrita que está ligada à noção de poder constituinte, ou seja, de uma instância de poder que elabora o texto constitucional na condição de norma jurídica fundamental do Estado.

 

Portanto, o poder constituinte é parte indispensável de toda e qualquer teoria da constituição, mas é crucial também para a compreensão adequada de certa ordem constitucional concreta e, obviamente com a interpretação constitucional.

 

A noção de constituição escrita conforme leciona Javier Pérez Royo está unida à noção de poder constituinte, visto que pela lógica, como também pela perspectiva histórica, o poder constituinte é uma necessidade para a existência da constituição escrita.

 

Desde o surgimento das primeiras constituições escritas, segue comprometida, a noção de imutabilidade do texto constitucional bem como a definição científica do poder constituinte. O poder constituinte tem efetivamente o poder de elaborar uma nova constituição, possuindo poderes regulados, instituídos e limitados.

 

Mas, o poder de reforma ou revisão constitucional é compreendido como poder de alterar o texto magno e que é poder constituído, relacionado ao que chamam de poder constituinte derivado.

 

O processo constituinte promove a fundação de uma nova ordem constitucional, propõe, portanto sempre e de certa forma um novo começo, posto que não haja hierarquia ou dependência jurídica-formal das regras constitucionais anteriores, ou mesmo de outra fonte normativa. O que não impede do poder constituinte recepcionar no todo ou em parte normas constitucionais anteriores, mas de qualquer forma, trata de nova ordem constitucional e, portanto, novo fundamento de validade normativa e de construção de uma nova ordem jurídica. E, significa não apenas novo direito positivo, mas também o (e o mais importante) apesar de nem sempre percebido o direito costumeiro.

 

Canotilho com razão sustenta que apesar de o poder constituinte não possa ser concebido como poder juridicamente regulado, este não deixa de ser política e juridicamente relevante, especialmente por convocar a força bruta que arrasta a ordem jurídica para o problemático terreno da legitimação e legitimidade.

 

O poder constituinte[3]como expressão do princípio democrático assegura a legitimidade da constituição, consistindo assim numa espécie de autorização para a elaboração do texto magno, pelo menos com a tese de Streiner.

 

Conclui-se que o poder constituinte[4]é simultaneamente poder político e jurídico, assumindo-se uma redução em função de sua origem. O Direito Constitucional envolve diretamente os valores jurídico-sociais de certa organização política, mas não pode utilizar as mesmas técnicas interpretativas do Direito Privado.

 

A amplitude dos princípios positivados na Carta Magna não permite a simples subsunção da norma ao caso proposto. E qualquer conflito pertinente ao âmbito constitucional parte do entendimento de que devem as instituições ser entendidas e postas em função de modo que correspondam às necessidades políticas, às tendências gerais da nacionalidade, às coordenação dos anelos elevados e justas aspirações do povo. (In: Maximiliano, C., Hermenêutica e aplicação do direito, 2005, p.249).

 

A nova metodologia de interpretação constitucional trazida por Friedrich Müller abrange os termos “hermenêutica, metodologia e interpretação” e partindo das decisões do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha para entender a concretização das normas constitucionais. Müller questiona a teoria tradicional de interpretação segundo a qual um caso jurídico prático deve ser subsumido ao preceito normativo.

 

O referido tribunal atualmente considera o texto da norma apenas uma primeira instância interpretativa e o limite das alternativas possíveis, evitando apenas as interpretações contra legem. As decisões do tribunal alemão foram extraídas da realidade e, não segundo uma valoração tradicional restrita às normas.

 

Porém, Müller não pretende excluir das técnicas interpretativas a concepção tradicional apenas demonstra que essa não é completa ou única. Propõe um enfoque multidisciplinar e metódico evoluindo da lógica puramente formal a uma concretização direcionada ao caso concreto.

 

Porém esse método não é imune a críticas e a tendência atual de transformar a metódica em sistemas de valores na concretização jurídica pode acarretar a casuística e a transformação do Estado de Direito em Estado Judiciário. A crescente discricionariedade dos juízes tem espaço com a carência de uma metodologia positivista[5].

 

Com intuito de suprir tal falta, Müller propõe alguns parâmetros que dão uma metódica do direito constitucional. Assim, defende Müller que os juristas devem transcender a compreensão e a interpretação, chegando a uma aplicação das normas.

 

O mito de que existe uma única solução correta para cada caso concreto proposto dentro da legislação deve ser abolido. Assim, o ato de concretizar não se restringe às ações de interpretar, aplicar ou subsumir, diametralmente significa produzir uma solução ao conflito social posto ao Judiciário utilizando como parâmetro e limite não só a norma positivada, mas um quadro da democracia e do Estado de Direito.

 

Assim, esclareceu Luís Roberto Barroso que o novo direito constitucional brasileiro cujo desenvolvimento coincide com o processo de redemocratização e reconstitucionalização do país, foi fruto de duas mudanças paradigmáticas (a busca da efetividade das normas constitucionais, fundada na premissa da força normativa da Constituição; o desenvolvimento da dogmática da interpretação constitucional, baseada em novos métodos hermenêuticos e na sistematização de princípios específicos de interpretação constitucional).

 

A doutrina constitucional brasileira tem buscado solução para a efetivação dos textos normativos que prevê uma série de valores, e se depara com o embate edílico de dois temas: a efetivação da norma e os princípios constitucionais.

 

A concretização dos princípios constitucionais abarca a interpretação, da fidelidade aos valores sociais e políticos consagrados pela sociedade, mas também e principalmente de uma correta interpretação daquilo que o texto prescreve e apenas uma interpretação que analise a Constituição como um sistema de princípios e normas obterá enfim o veraz sentido do texto.

 

Há quatro obstáculos à efetivação plena dos direitos fundamentais constitucionais, a saber: o primeiro, é o chamado consequencialismo que impulsiona o magistrado a utilizar o raciocínio jurídico baseado nas consequências de sua decisão e não nas normas ou princípios vigentes e aplicados.

 

O segundo obstáculo é o idealismo[6]no qual a interpretação jurídica parte de modelos ideais, no mais das vezes antigos ou estrangeiros, relegando ao segundo plano o modelo jurídico positivo nacional.

 

O terceiro obstáculo é aquele onde o intérprete parte da premissa correta de que a norma não é texto normativo, e sim, o resultado da interpretação de um texto, para se chegar à conclusão de que pode construir qualquer alternativa interpretativa, desconsiderando inclusive, os conteúdos mínimos dos dispositivos legais e constitucionais.

 

O resultado disso é evidente, o conteúdo semântico das regras cede em favor de qualquer conteúdo. E, por fim, o quarto obstáculo à efetivação dos direitos fundamentais é o principialismo que acarreta a manipulação de princípios sem que o aplicador considere devidamente as regras imediatamente aplicáveis.

 

A positivação cada vez mais constante de valores através dos princípios normativos acarreta uma mudança na estrutura dos ordenamentos jurídicos necessitando de uma adequação de toda a ciência jurídica. E nesse contexto, é relevante o estudo da teoria dos princípios.

 

Só a teoria dos princípios[7]poderá responder sobre a qualificação destas normas jurídicas, sobre sua melhor aplicação no sentido de obter a melhor resposta jurídica possível a uma determinada situação. A teoria dos princípios tem como prioridade analisar a diferenciação entre as regras e os princípios.

 

A referida diferenciação pelo critério distintivo a qualidade entre regras e princípios, estes são normas que estabelecem fundamentos para encontrar determinado mandamento. Larenz considera que os princípios não possuem aplicação imediata como as regras e, por tal razão, somente indicariam a direção para a obtenção de uma regra sobre a hipótese.
 

Já Canaris afasta os princípios das regras por duas características: os princípios têm conteúdo axiológico e sua aplicação somente ocorre através de processo dialético de complementação e limitação. Há sem dúvida, a importância de Dworkin e Alexy juristas que estudaram os aspectos de ponderação e argumentação no processo de interpretação e aplicação das normas jurídicas.

 

A doutrina pátria visa formular uma teoria dos princípios, fixando conceitos e critérios de diferenciação bem diversos, no sentido de adequar a dogmática jurídica ao texto constitucional vigente, repleto de princípios.

 

Depois de alguns anos de vigência constitucional sempre haverá a necessidade da aplicação de todas as suas normas, regras e princípios, nos conflitos propostos judicialmente, e, por isso, a teoria dos princípios se desenvolveu também na pragmática jurídica.

 

Os direitos fundamentais[8]têm sido enquadrados nesta categoria de princípios posto que sejam normas constitucionais de caráter finalístico e definidoras de direitos e garantias. Nota-se que José Afonso da Silva enquadra os princípios na categoria de normas de eficácia limitada, dependendo de atividade legislativa para sua efetividade.

 

A definição de princípio foi construída a priori a partir da concepção de seu caráter e força normativa. Existem estudiosos que os consideram apenas como diretrizes e não propriamente como normas. Porém, com a constitucionalização positivada dos princípios[9]cada vez mais frequentes nos ordenamentos jurídicos, a doutrina majoritária, no entanto, entende que os princípios são integrantes do sistema juridicamente bem ao lado das regras (é o pensamento de Dworkin, Alexy, Ávila entre outros).

 

Outro critério de diferenciação atenta para à sua finalidade e âmbito aplicacional. Humberto Ávila propõe três critérios:

1) quanto ao modo de prescreverem o comportamento – as regras são imediatamente descritivas e os princípios imediatamente finalísticos;

2) as regras quanto à justificação são regras que se correlacionam a construção conceitual e da norma e a finalidade que lhe fundamenta. Por outro lado, os princípios correlacionam com o estado das coisas, posto como fim e os efeitos da conduta a ser tomada;

3) quanto ao modo como contribuem para a decisão, as regras são preliminarmente decisivas e abarcantes, pretendem gerar solução específica ao caso concreto, enquanto que os princípios são normas preliminarmente complementares e parciais, e tem como pretensão contribuir para a tomada de decisão. (In: Ávila, H. Teoria dos princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 2003, p. 119-120).

 

Quanto ao papel dos princípios, Dworkin propõe as orientações quanto às obrigações jurídicas. Inicialmente se propõe tratamento isonômico com relação às regras jurídicas e destacar que alguns princípios possuem obrigatoriedade de lei e por tal razão devem ser considerados por juízes e juristas para tomarem decisões sobre as obrigações jurídicas.

 

Ou então, pode-se negar que tais princípios possam ser obrigatórios no mesmo sentido que algumas regras o são. Assim, os juízes vão além das regras a que estão obrigados a aplicar e lançam mão de princípios extralegais que eles têm liberdade de aplicar, se assim o desejar, e somente em casos não englobados pelas regras, de forma excepcional.

 

Tais abordagens geram diferentes consequências, já que a primeira alternativa trata os princípios como obrigatórios para os juízes, de tal modo que estes incorrem em erro ao não aplica-los quando pertinente.

 

A segunda alternativa trata os princípios como resumo daquilo que os juízes em sua maioria adotam como princípio de ação, quando forçados a ir além dos padrões aos quais estão vinculados[10]. Ou seja, as alternativas divergem quanto ao fato de serem os princípios normas jurídicas ou instrumentos externos ao ordenamento.

 

Dworkin esclarece que o diferença entre regra e princípio é a natureza lógica, rebatendo a posição tradicional positivista de Hart. Os princípios serão aplicados pelas autoridades públicas, inclusive pelos julgadores, quando forem considerados relevantes, apontando para uma ou outra direção.

 

E, ainda os princípios possuem uma dimensão de peso ou importância, e quando colidem o intérprete que vai resolver o conflito deve levar em conta a força relativa de cada princípio envolvido. 

 

Nesse contexto, a ponderação e o impacto da aplicação de um princípio serão determinantes para sua utilização. E, esta não pode ser por certo, uma mensuração exata e a escolha de um princípio ou de uma política legislativa particular será diversas vezes objeto de controvérsia.

 

Nota-se que as regras não possuem essa dimensão valorativa apesar de funcionalmente importantes, dependente da hierarquia entre estas. Se duas regras estão em conflito, uma suplanta a outra em virtude de sua importância maior, sendo assim, uma destas não pode ser válida.

 

As regras são aplicáveis à maneira do “tudo ou nada”, dados os fatos que uma regra estabeleça, ou a regra será válida, e neste caso, a resposta por esta fornecida deve ser aceita ou não, e neste caso, esta nada contribui para a decisão.

 

Dworkin entende que os princípios são elementos do sistema jurídico e, assim, são normas a serem considerados pelo julgador ao proferir uma decisão jurídica. No entanto, ressalta que a utilização dos princípios não pode ocorrer de forma arbitrária, deve ser aplicados preferencialmente onde não haja no ordenamento jurídico uma norma clara, exta e completamente aplicável.

 

Dworkin[11]adota, portanto, uma postura póspositivista segundo a qual as pretensões normativas podem e devem ser fundamentadas racionalmente, nas hipóteses denominadas de hard cases (casos difíceis).

 

A ocorrência dos chamados casos difíceis torna a Ciência Jurídica passível de questionamentos e incertezas. Assim, o sistema jurídico nos parece ser incompleto e falho, vindo a técnica positivista de aplicação do caso concreto à norma elaborada através da subsunção não encontrar mais respaldo diante da complexidade dos litígios.

 

Em verdade tanto Dworkin como Alexy apresentam preocupação excessiva com o argumento valorativo das decisões, resvalando num subjetivismo exagerado. Desta forma, o estudo do caso concreto, não pode ser encarado de forma simplista, no sentido de mera aplicação de normas vigentes.

 

As problemáticas oriundas, por exemplo, de conflitos bioéticos, a colisão de direitos fundamentais, tais demandas exigem um posicionamento jurídico, cabendo aos julgadores encontrarem uma forma racional de ponderar os interesses envolvidos resultando numa decisão satisfatória.

 

Inesquecíveis são os ensinamentos de Dworkin sobre os hard cases em sua preocupação inicial em rebater os principais pensadores do positivismo jurídico como Hart. A relação entre os dois pensadores possui pontos semelhantes e pontos contraditórios.

 

A primeira semelhança cinge-se ao reconhecimento sobre a existência dos casos difíceis. Já a divergência quanto a Hart, possui duplo prisma: Dworkin critica o normativismo que considera o direito como sendo um sistema composto exclusivamente por regras por considerar que tal pensamento acarretará necessariamente na ocorrência de lacunas no ordenamento jurídico vigente à medida que as normas não acompanham o ritmo das necessidades e mudanças sociais.

 

E, em segundo lugar, questiona a legitimação do Judiciário quando decide por razões próprias, ocorrendo na verdade a criação de uma nova norma. No seu entender há que se procurar critérios limitadores e paradigmáticos para as decisões judiciais, papel este que deve ser realizado e cumprido pelos princípios jurídicos.

 

A teoria de Dworkin sobre a solução dos casos difíceis lida com a noção de princípio, considerado como elemento do sistema jurídico. E tratará da questão da integridade como método e forma de entender este sistema. E, por derradeiro, entrará a questão da discricionariedade do Poder Judiciário.

 

A teoria dos princípios[12]é de fundamental relevância para a resolução dos casos difíceis, já que não obtendo a regra específica do ordenamento jurídico o julgador deverá buscar nos princípios, sendo estes entendidos também como normas jurídicas, a solução do caso concreto.

 

A segunda teoria de Dworkin trata da integridade, e a põe como terceiro ideal juntamente com a justiça e equidade e destaca dois princípios de integridade. Um chamado de legislativo que reclama dos legisladores que tentem tornar o conjunto de leis moralmente coerente e o outro denominado de jurisdicional que demanda que a lei seja vista como coerente.

 

O direito como integridade rejeita a questão de que os juízes descobrem ou inventam o direito, sugere que só se entende o raciocínio jurídico tendo em vista que os julgadores fazem as duas coisas e nenhuma destas. E, afirma que não é possível ao juiz obter uma resposta exclusivamente certa nos casos difíceis do direito.

 

Duas dimensões devem ser observadas nesta elaboração: adequação e interpretação que tornará a obra mais significativa ou melhor. Assim, o intérprete deve analisar qual a interpretação melhor se adapta ao texto, e, após, qual torna a decisão substancialmente melhor.

 

O juiz Hércules[13], no modelo proposto por Dworkin, é criterioso e metódico, devendo julgar o caso seguindo algumas etapas. Selecionando dentre as diversas hipóteses, qual a que melhor corresponde à melhor interpretação dos casos precedentes. Elabora, portanto, uma interpretação com base em princípios competitivos, mas contraditórios, como uma lista parcial de interpretações.

 

Verificada cada hipótese dessa breve lista, perguntando-se se uma pessoa poderia ter dado os veredictos dos casos precedentes se estivesse aplicando esta interpretação. Compara as razões com suas sólidas convicções políticas sobre o valor relativo de suas interpretações. E, por fim, descarta as interpretações impossíveis chegando à melhor interpretação.

 

Qualquer julgador desenvolverá ao longo de sua formação uma concepção funcional individualizada do direito na qual este se baseará para decidir.

 

Mas os fatos em si da história jurídica limitarão o papel que podem desempenhar, em suas decisões, as convicções pessoais de um juiz em questões de justiça. Fato este que nos leva à análise da discricionariedade judicial[14].

 

A postura positivista enxerga que quando os juízes utilizam os princípios em suas decisões o fazem como algo fora do direito, valendo-se de seu poder discricionário de aplicá-los ou não. Interessante frisar que Dworkin cogita de poder discricionário quando alguém é encarregado de tomar decisões de acordo com padrões estabelecidos por uma determinada autoridade.

 

Pela visão positivista os princípios e as políticas não são regras válidas de uma lei acima do direito, porque certamente não são regras. Revelam-se serem padrões extrajurídicos que cada juiz seleciona de acordo com suas próprias luzes, no exercício de seu poder discricionário.

 

Para Dworkin, o conceito de poder discricionário é relativo, admitindo-o somente em casos onde há uma série de alternativas previamente estabelecidas. O poder discricionário pode ser entendido como espaço vazio, circundado por diversas restrições.

 

O juiz quando exerce sua função jurisdicional não propõe simplesmente a declarar, como um dado frio e matemático, o que foi primeiramente estabelecido na lei pelo Legislativo. Em seu entender, o julgador realmente possui tal dever como justificativa para sua decisão. Se for assim, a regra social não pode ser a fonte do dever, conforme Hart acredita.

 

Diante dos casos difíceis, assumem os juízes postura diferente da descrita por Dworkin (ou seja, decisão com base na argumentação que lhe parecer mais forte) enquadrando sua divergência acerca dos padrões que estes estão proibidos ou obrigados a levar em conta, ou acerca do peso relativo que estão obrigados a lhes atribuir.

 

Na exposição sobre hard cases – aqueles onde aparentemente não existe uma ou somente uma solução serve para o conflito ou lide, propõe Dworkin percorre três etapas principais.

 

Para Dworkin, o ideal seria mesmo o juiz Hércules[15]diante dos hard cases, que deve descobrir quais os direitos das partes, e não inventar novos direitos[16]retroativamente. Isso é o ideal, mas por diversas razões não pode ser concretizada na realidade prática.

 

Ao criar um novo direito os juízes devem agir como se fossem delegados do poder legislativo, promulgando as leis que, em sua opinião, os legisladores promulgariam caso se visse diante do problema. Ocorre aqui um problema de legitimidade haja vista que as leis de uma comunidade devem ser criadas por pessoas eleitas pelo povo. Como os juízes não são eleitos o fato destes criarem as leis parece estar comprometido (por faltar legitimidade).

 

Outro óbice de criação de normas pelo julgador é o fato de que as novas decisões refletem tanto a moralidade política do próprio juiz como também a moralidade que se acha inscrita nas tradições do direito costumeiro, e tais moralidades podem ser diferentes.

 

Encerra Dworkin, apontando que se deve confiar nas técnicas de decisão judicial que, ao nosso juízo, possam reduzir os erros, com base em algum juízo a respeito das capacidades relativas dos homens e das mulheres que podem desempenhar diferentes papéis. E, fornece uma orientação aos juízes: estes podem bem errar nos juízos políticos que emitem, e devem, portanto, decidir os casos difíceis com humildade.

 

Mesmo utilizando os princípios como parâmetro é possível obter uma única resposta correta para a lide proposta. Porém, reconhece Dworkin que é difícil, por vezes até impossível, encontrar tal resposta correta, mas, não se invalida sua assertiva de que a mesma exista, ainda que não encontrada.

 

Manuel Atienza em crítica ao pensamento de Dworkin aponta que na realidade existe a distinção entre casos fáceis e difíceis que é relativizada, posto que não seja necessário um método para cada espécie de caso concreto, e, que em última análise, mesmo nos hard cases somente uma única resposta correta, o que transformaria o decidir para o juiz Hércules num caso fácil. (In Atienza, M., Los limites de la interpretación constitucional. De nuevo sobre los casos trágicos, 1997, p.11).

 

O autor aponta que a distinção dworkiana não se aplica aos princípios bioéticos que não podem ser considerados como meras diretrizes. Ademais Atienza discorda que os princípios morais podem ser hierarquizados da maneira como propõe Dworkin embora ressalte que alguma espécie de ordenação deva haver processo de aplicação.

 

Atienza apresenta uma teoria que atuaria como método jurídico para resolução dos hard cases, especialmente relacionados como a bioética. Tal método acarreta a observância de dois passos: a construção de taxonomia que permita enquadrar cada caso concreto dentro de uma determinada categoria, o que constitui o primeiro esforço argumentativo do tribunal; e a elaboração de uma série de regras de prioridades que não supõe uma hierarquia isolada entre os princípios.

 

O próprio Atienza reconhece que seu método acarreta uma série de soluções abertas e incompletas, mas isso não significa soluções arbitrárias ou subjetivas, devendo sempre obedecer a critérios de racionalidade e coerência[17]. Utiliza o brilhante doutrinador quatro princípios kantianos, a saber: o princípio da autonomia, da dignidade, da universalidade ou igualdade e o princípio da informação.

 

Porém, acredita que somente a aplicação destes princípios não será suficiente para solucionar os casos difíceis e bioéticos e elenca outros, como o princípio do paternalismo justificado (que considera lícito a interferência na vida de outro em determinados casos), princípios do utilitarismo restringido (admite uma ação que não cause benefícios a uma pessoa se produz um benefício apreciado para outros, se há o consentimento do afetado e se não é uma medida degradante), princípio do trato diferenciado (há hipóteses lícitas de tratamento desigual entre as pessoas) e princípio de segredo ou sigilo (que permite ocultar informações sobre a saúde de um indivíduo em determinadas exceções).

 

Enfim, Manuel Atienza afirma que a liberdade de consciência e de livre escolha de decisões pressupõe uma responsabilidade e uma reflexão sobre qualquer tema objeto de debate. E somente através desse exercício racional será atingido o ideal de que as leis correspondam às escolhas de cidadãos conscientes.

 

Atienza propõe a solução por duas vias: a legislativa e a judicial. A legislativa tem como ponto positivo sua legitimação decorrente de sua composição democrática, mas acarreta o risco de não suscitar um consenso entre os legisladores e não alcançarem o nível de concretização, ou serem por demais específicas não comportando as diversidades de situações fáticas.
 

A outra via, e mais adequada para os dilemas bioéticos segundo Atienza é a via judicial. Por meio de julgador comum ou através de um colegiado de âmbito nacional que funcionaria como segunda instância para os casos bioéticos.

 

O fenômeno chamado de colisão de direitos fundamentais por Alexy ocorre quando no exercício de um direito fundamental gera consequências negativas sobre direitos fundamentais de outros cidadãos, acarretando assim, um conflito de direitos.

 

Os direitos fundamentais ou constitucionais são direitos abstratos, e positivados na maioria dos textos constitucionais por meio de princípios. Considera Alexy que os princípios são mandados de otimização que se caracterizam por sua aplicação em graus distintos de acordo com o caso concreto, buscando sempre sua realização na maior medida possível, fática e juridicamente.

 

A listagem dos direitos fundamentais pelo ordenamento constitucional é apenas a primeira fase de sua concretização. Após deve haver a determinação do peso relativo a cada direito considerado prima facie, ou seja, o estabelecimento do papel dos direitos dentro da razão jurídica.

 

Segundo Robert Alexy os princípios devem ser promovidos pela prática jurídica e institucionalizados pela decisão política, sendo a força obrigatória dos direitos fundamentais controlada pela Corte Constitucional.

 

Alexy a solução da colisão dos direitos fundamentais pode ser entendida por dois entendimentos sobre o sistema jurídico: a teoria das regras e a teoria dos princípios.

 

A teoria das regras estabelece que pelo menos um dos direitos deva ser declarado inválido, que uma das normas deve ser declarada “não-aplicável ” ou que ambas devem ser descartadas. A aplicação desse tipo de norma ocorre com a subsunção.

 

Contudo, a dificuldade de adoção de tal teoria é a de conciliar a invalidação de um princípio constitucional sem que ocorra uma invalidação do próprio texto constitucional, ou seja, preterindo um princípio a outro, dificultando a vinculação ou obrigatoriedade da constituição.

 

A teoria adotada pelo autor é a teoria dos princípios que se fulcra na seguinte premissa: quanto mais intensa é uma intervenção de um direito fundamental tanto mais graves devem ser as razões que a justificam.

 

O lado positivo dessa teoria é o fato de conciliar a vinculação da regra constitucional com a flexibilização do texto constitucional, possibilitando que um princípio não seja efetivado em determinado momento sem que isto represente a sua invalidez.

 

Tal teoria possibilita que os dois direitos ou princípios aparentemente conflitantes permaneçam no m esmo ordenamento sem que ocorra a invalidade de um deles, pois se aplica a ponderação.

 

A ponderação opera-se com base nos elementos disponíveis no caso concreto, qual direito ou princípio conduz à solução da colisão, devendo prevalecer o que importa na menor interferência na liberdade ou no direito fundamento do outro.

 

A ponderação[18]pode ser considerada como técnica jurídica de solução de conflitos normativos que envolvam valores ou opções politicas em tensão, insuperáveis pelas formas tradicionais de hermenêutica.

 

Toda colisão entre princípios pode ser expressa como colisão axiológica, ou seja, de valores. O que demonstra a necessária avaliação de prioridade, levando-nos a avaliar a escala ou hierarquia de valores e que a inclusão de direitos fundamentais no sistema jurídico conduz a conexão entre o Direito e a Moral.

 

E, justamente por envolver os valores, a resposta correta para a ponderação entre os princípios conflitantes não é clara, não devendo a teoria do discurso ser entendida como instrumental capaz de determinar de forma exata o peso de cada direito, mas mostra os argumentos racionais possíveis acerca dos direitos.

 

A teoria do discurso pretende oferecer certo critério em condições específicas capaz de determinar a racionalidade de uma decisão e do processo decisório na Ciência Jurídica. Segundo Alexy não é a produção de segurança o fator característico da racionalidade do Direito e, sim o cumprimento de uma série de condições critérios ou regras.

 

Para Alexy propõe que a teoria dos princípios necessita de um complemento através da teoria da argumentação jurídica. A racionalidade da argumentação jurídica não busca a correta resposta à lide, mas sim, se os valores utilizados como fundamentação são suscetíveis de controle racional.

 

A ideia de única resposta correta faz referência a um consenso o que é pouco provável quando se trata de princípios. A teoria da argumentação tem como ponto fulcral a rejeição da lógica formal dedutiva como suficiente para o processo jurídico decisório engloba a tópica de Viehweg, a nova retórica de Perelman e a lógica formal de Toulmin.

 

Nessa etapa importante será o estudo do princípio da proporcionalidade que entendido como um dos melhores parâmetros do processo argumentativo. E tem guarida na doutrina durante a crise do sistema legalista.

 

A proporcionalidade revela em si a ponderação entre valores, a aplicação de um determinado princípio deve ser proporcional à inviabilidade do outro princípio. Podemos defini-lo como mandamento de otimização, do respeito máximo a todo direito fundamental em situação de conflito com outros, na medida do jurídico e faticamente possível.

 

Mas não deve ser confundido o princípio da proporcionalidade com a justa proporção, ponderação de bens, concordância prática, proibição de excessos ou razoabilidade. Assim, o princípio da proporcionalidade atenta para três exames: o da adequação (exige uma relação entre fim e meio); necessidade (observa se existe algum meio alternativo àquele escolhido); proporcionalidade em sentido estrito comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade da restrição dos direitos fundamentais.

 

Larry Kohlberg desenvolveu o modelo de avaliação do desenvolvimento do julgamento moral apoiado no estruturalismo de Piaget[19]descrevendo e demonstrando que os indivíduos constroem a consciência moral segundo uma sequência que se inicia no período convencional e culmina no período pós-convencional. No nível pré-instrumental relativista.

 

No estágio convencional a consciência moral do indivíduo e orientada para a lei e para a ordem. E, por fim, no derradeiro estágio o pós-convencional a consciência moral supere a noção de normas legais chegando aos princípios universais de consciência no qual o indivíduo e capaz de desobedecer a uma lei por considera-la injusta arcando com as consequências de seu ato. (In: Kohlberg, L. Moral stages and moralization the cognitive developmental approach, 1976).

 

O processo argumentativo começa de forma similar ao processo subsuntivo, mas a verificação de quais as normas jurídicas são importantes para o caso concreto e após proceder a interação entre os fatos e as normas. Depois, avalia-se a tutela jurídica aos valores que dão gravitação às normas jurídicas[20].

 

É exatamente na avaliação axiológica que a proporcionalidade exerce seu potencial resolutório, exigindo uma adequação entre o fim pretendido e o meio empregado, e a realização da tutela jurídica de forma exitosa.

 

 

 

 

Referências

 

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[1]Aponta Marcelo Neves que a hermenêutica contemporânea principalmente no Estado Democrático de Direito de enfatizar a dimensão pragmática do processo interpretativo. Dando ênfase a segurança formal e o predomínio da delimitação ou descoberta do sentido material e chega ao busilis da incerteza condicionada pelo pluralismo e dissenso estrutural da esfera pública. Há uma constante tensão entre a validação interna e a validação externa que advém da esfera pública.

 

 

[2]A famosa consideração semiótica de Umberto Eco de que entre a intenção do autor e a intenção do intérprete, existe uma terceira possibilidade, existe a intenção do texto encontra em Davidson uma paráfrase de extensão entre as crenças do falante e a perspectiva do intérprete, existe uma terceira coisa: o contexto de uma realidade compartilhada.

 

 

[3]A definição da titularidade do poder constituinte revela-se tema controvertido, seja por sua complexidade, seja quando vinculada à legitimidade. Vincula-se também à discussão sobre a soberania estatal e de seu respectivo titular, de tal maneira que está em causa é identificar quem tem o poder de criar e impor para uma comunidade uma nova constituição, inaugurando pois uma nova ordem jurídica.

 

[4]Segundo a doutrina Abade Sieyès para quem o titular absoluto do poder constituinte era a Nação, razão pela qual também a soberania somente pode ser compreendida como uma soberania nacional. Para o referido doutrinador francês a não significava os interesses de um conjunto de homens que a compunha em determinado momento histórico, mas sim a inclusive, contradições entre as duas ordenes de interesses. O poder constituinte está concentrado na nação, mas mediante delegação a um corpo de representantes extraordinários, representação esta que se reúne exclusivamente para esse propósito de elaborar e aprovar a constituição.

 

[5]Boa parte dos doutrinadores políticos e constitucionais critica enfaticamente o ativismo judicial, acusando-o de violar a separação dos poderes e atentar contra o primado da soberania popular. Porém o ativismo substancialista também se revela nefando principalmente quando trata de direitos fundamentais. Alguns acreditam que o ativismo é movimento indutor de mutações progressista da sociedade, esquecendo que não são os julgadores que possuem o principal protagonismo de promover as transformações sociais.

Há ainda quem admita acidamente que o ativismo seria decorrência da leviana inércia dos poderes políticos. Transferindo para o Judiciário toda a responsabilidade de transformação social. Juízes e legisladores agem proativamente quando encontram reivindicações consistentes na sociedade.

Desta forma, não só o juiz, o legislador, o administrador público bem como os órgãos estatais são efetivamente intérpretes da constituição, mas sim todos os cidadãos enquanto participantes de processos judiciais. Portanto, mesmo um cidadão que peticiona formulando um pedido constitucional é igualmente um intérprete da constituição. E, assim a constituição se concretiza como instrumento de disseminação da democracia.

 

[6]Define Kant que o filósofo é legislador em nome da razão humana. E, essa legislação possui dois objetos, a natureza e a liberdade, assim temos as leis da natureza (naturais) como temos as normas da liberdade (ou leis morais). Dessa forma, Kant define o direito (das Recht) como “o conjunto de condições sob as quais o arbítrio de um pode ser conciliado com o do outro segundo uma lei universal de liberdade”.

 

[7]No Brasil, a chamada “judicialização da política” ocorre quando o exercício do Judiciário em suas funções típicas acaba por também influir nas funções de outros poderes estatais, e possui sua origem na Constituição Federal de 1988. O Judiciário brasileiro se vê obrigado a interpretar não apenas o ordenamento constitucional, mas também o infraconstitucional em conformidade com a Carta Magna. E tal atitude se dá por meio de princípios que impre postura ativa e criadora.

 

[8]Efetivamente os juízes são chamados a interpretar e, por isso, inevitavelmente a esclarecer, integrar, plasmar e transformar, e não raro a criar ex novo o direito. Isto não significa, porém, que sejam legisladores. (Cappelletti, 1993, p.74).Reputam-se  fundamentais os direitos que, devido sua imensa importância são positivados pela Constituição de um Estado e são tratados como valores supremos e indispensáveis para o regular desenvolvimento da sociedade onde vigoram.

 

 

[9]É evidente a responsabilidade do Judiciário de empenhar-se na concretização dos objetivos constitucionais quando da realização de sua função precípua: as tutelas dos direitos dos cidadãos, e nesse contexto estão situados os direitos fundamentais.

 

[10]Com o advento da democracia social, aumenta-se a participação do Estado na sociedade e, por consequência, a participação do juiz no processo, que não deve mais apenas estar preocupado com o cumprimento das “regras do jogo”, cabendo-lhe agora zelar por um processo justo, capaz de permitir (1) a justa aplicação das normas de direito material, (2) a adequada verificação dos fatos e a participação das partes em um contraditório real e (3) a efetividade da tutela dos direitos, pois a neutralidade é mito, e a inércia do juiz, ou o abandono do processo à sorte que as partes lhe derem, não é compatível com os valores do Estado contemporâneo.

 

[11]Dworkin ressalta particularmente se o juiz possui o poder de decidir por sua própria vontade as questões que lhe são apresentadas, as noções de autonomia pública, segurança jurídica e separação de poderes ficam prejudicadas. Realmente, o juiz que está legislando, se apropriando então de uma função de legislador – criando sérios problemas de legitimação. Ademais, a vontade dos jurisdicionados não terá sido levada em conta no processo de produção normativo. Impões a melhor solução para o controle da discricionariedade judicial.

 

[12]Na versão original: “I call a ‘principle’ a standard that is to be oberved, not because it will advance or secure na economic, political or social situation deemed desirable, but because it is a requirement of justice or fairness or some other dimension of morality.” (DWORKIN, Ronald. Is Law a System of Rules? In: DWORKIN, Ronald (ed.). The Philosophy of Law, p. 43).

 

[13]A figura do juiz Hércules criada por Dworkin simboliza as excepcionais qualidades que deve ser dotado o julgador para reconstruir com coerência, o direito vigente, em cada caso, para que seja tomada a melhor decisão possível amparada na leitura moral dos princípios, pois uma decisão judicial de caso particular só é considerada correta, quando se encaixar num sistema jurídico coerente.

 

[14]Na doutrina brasileira temos a percepção do ativismo judicial por Gisele Cittadino que bem destaca a ampliação do controle normativo do Judiciário como um dos temas atualmente mais debatidos na Ciência Política, Sociologia Jurídica e da Filosofia do Direito. E, a atuação dos tribunais superiores brasileiros tem efetivamente alcançado firmes reflexos sobre os princípios da separação de poderes e da neutralidade política dos juízes.

 

[15]Na reconstrução do direito em cada caso concreto com base nos precedentes, o juiz deverá decidir os casos novos de modo que sejam coerentes com todas as decisões anteriores. O procedimento adotado pelo juiz assemelha-se, na elegante metáfora de Dworkin, ao procedimento adotado por um escritor de um romance em cadeia, que elabora cada novo capítulo do livro de modo harmônico com os capítulos anteriores.  A metáfora do romance em cadeia é útil por denotar a exigência de que cada decisão judicial integre-se de modo harmônico ao sistema de direitos. A coerência é a chave mestra da compreensão do Direito entendido como integridade por harmonizar passado, presente e futuro.

 

[16]A dicotomia entre hard case e easy case surgiu na época do debate acalorado entre Hart e Dworkin sobre a existência ou não de discricionariedade do julgador na solução dos casos difíceis. Segundo Dworkin, mesmo que não exista um precedente específico ou uma lei aplicável, o julgador não deve criar novos direitos por meio de raciocínio discricionário posto que baseado na figura do juiz Hércules sempre existiria um meio para se alcançar uma única resposta correta para os hard cases. Por outro lado, Hart entende que o ao juiz é outorgado um poder discricionário para o julgamento dos casos difíceis consiste em decidir, onde sua conclusão constitui na verdade, uma escolha ainda que possa não ser arbitrária ou irracional. 

 

[17]Coerência é uma medida para a validade de uma declaração, a qual é mais fraca que a verdade analítica, obtida através da dedução lógica, porém mais forte do que o critério da “não-contradição”.  A coerência entre enunciados é produzida através de argumentos substanciais, portanto através de argumentos que revelam a qualidade programática de produzir um acordo racionalmente motivado entre participante da argumentação.” (HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 289).

 

[18]O Direito como linguagem permite uma série de mecanismos capazes de melhor investigar o fenômeno jurídico. Há o plano da sintaxe (análise lógico-linguística), o plano da semântica (análise do sentido das proposições) e o plano da pragmática (cujo fim é investigar o uso das preferências linguísticas). A Teoria do Direito na primeira metade do século XX buscou enfatizar o aspecto semântico da interpretação sem contudo, esquecer da dimensão sintática.Com a pragmática que analisa os modos de significar, os usos ou funções da linguagem, partindo da ideia de que fatores intencionais dos usuários provocam alterações na relação designativo-denotativa dos significados das palavras ou  expressões. É verdade que a norma jurídica só adquire verdadeira normatividade quando é transformada em norma de decisão, isto é, quando soluciona um caso concreto, conforme defende Canotilho.

A partir de Friedrich Müller começou-se a cogitar em concretização de direitos, e não apenas na aplicação ou interpretação. A concretização não é mero procedimento cognitivo. Afirmou Robert Alexy que há duas operações básicas na aplicação da lei: a subsunção e a ponderação. Entende-se por subsunção a inserção de uma ideia particular sob a hipótese de uma ideia geral, procedimento que se vale do silogismo para permitir a derivação lógica de um imperativo concreto a partir de um imperativo abstrato. Exemplificando: todo o assassino deve ser punido com prisão perpétua. M é assassino, logo M deve ser punido com prisão perpétua. A subsunção foi muito desgastada pela doutrina e muito ancorada no formalismo do Direito e na logicização da norma jurídica. Assim, a aplicação do direito positivo não se exaure em uma dedução subsuntiva.

 

[19]O termo estruturalismo teve sua origem no Cours de linguistique générale de Ferdinand de Saussure que se preocupava em abordar qualquer língua como sistema no qual cada um dos elementos só pode ser definido pelas relações de equivalência ou de oposição que mantém com os demais elementos. Tal conjunto de relações forma a estrutura. Atualmente o estruturalismo tem sido substituído pelo pós-estruturalismo e desconstrutivismo. Principalmente por ter sido criticado por ser não histórico e por favorecer forças determinísticas em detrimento à habilidade individual de atuar. O estruturalismo numa apertada síntese procura distinguir dois problemas, sempre ligados de fato, ainda que independentes de direito, o do ideal positivo, que recobre a noção de estrutura nas conquistas ou esperanças das várias formas de estruturalismo.

 

 

 

[20]O Estado Social significou uma ruptura com o modelo anterior estatal liberal. Surgem assim novos contornos mais abertos da atividade jurisdicional. A chamada jurisdição criativa ganha força quando interpretando o direito posto, passa a criar respostas que possibilitem a concretização dos ideais sociais do Estado. Desta forma, o julgador passa à condição ativo participantes da vida sociopolítica, devendo apreciar e solucionar conflitos de outras espécies, e não os abarcados pelo liberalismo. Embora o criador do direito, não é livre das amarras (do positivismo-normativista).