O Supremo Tribunal Federal e a Democracia - Por um modelo plural e legitimador


Porbarbara_montibeller- Postado em 27 março 2012

Autores: 
BARRETO, Pablo Coutinho

1. INTRODUÇÃO

Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Carmem Lúcia, Menezes Direito e Dias Toffoli. Em comum, o fato de todos serem ministros do Supremo Tribunal Federal nomeados por um único presidente da República. Poderia, ainda, ter ser indicado pelo chefe do Poder Executivo um nono cidadão, com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, para ocupar a vaga originada pela aposentadoria do ministro Eros Grau.
Por um destes acasos do destino, um presidente da República logrou nomear a maioria absoluta dos membros do Supremo Tribunal Federal, ensejando as mais diversas elucubrações de setores da sociedade, especialmente do mundo jurídico e político, acerca das consequências de tal circunstância para a democracia brasileira, para a separação e a independência dos Poderes. A constatação desta situação ímpar traz à baila uma discussão que não pode ser esquecida: a falta de legitimidade democrática no modelo de investidura dos ministros da Suprema Corte brasileira. Este possível déficit democrático é objeto de discussão no Congresso Nacional, onde tramitam inúmeras propostas de emenda à Constituição , com o intuito de alterar a forma de ingresso na Corte Suprema.
O presente trabalho busca contribuir para o debate sobre a necessidade de alterações no modelo atual de investidura dos integrantes do Supremo Tribunal Federal, de forma a conferir às decisões desta Corte Constitucional uma maior legitimidade democrática.
Para se alcançar o objetivo delimitado, aborda-se a questão da legitimidade democrática do Poder Judiciário e da jurisdição constitucional em um Estado Democrático de Direito.
Traça-se, posteriormente, um quadro comparativo entre os modelos europeu e norte-americano de controle de constitucionalidade e as formas de investidura dos integrantes das Cortes Constitucionais respectivas.
Na sequência, é realizada uma análise crítica ao modelo de investidura dos integrantes do Supremo Tribunal Federal, asseverando que o sistema vigente carece de legitimidade democrática em um Estado que se quer transmudar em uma democracia pluralista.
Como conclusão, aponta-se a necessidade de alteração do modelo de investidura dos membros do Supremo Tribunal Federal, de forma que a Suprema Corte tenha uma representação plural e dinâmica, adequada aos novos caminhos democráticos.

2. DEMOCRACIA, LEGITIMIDADE E PODER JUDICIÁRIO

O Estado Democrático de Direito é entendido como a organização política em que o poder emana do povo, que o exerce diretamente, ou por meio de representantes escolhidos em eleições livres e periódicas, mediante sufrágio universal, para o exercício de mandatos periódicos (MENDES, 2008, p. 149).
A soberania popular é exercida através de mecanismos político-jurídicos que asseguram a participação de todos os cidadãos, diretamente ou por representantes eleitos, na formação da vontade da maioria (princípio majoritário). Qualquer que seja a função exercida pelo Estado (executiva, legislativa ou judiciária), somente se terá por legítimo o exercício do poder quando houver participação de todos aqueles que podem vir a ser atingidos, em sua individualidade, pelos efeitos do ato estatal.
Streck (2002, p. 129), seguindo a lição do pensador greco-francês Castoriadis acerca da condição de legitimidade de uma lei face a um Estado Democrático de Direito, assevera que “é preciso que tenhamos a possibilidade efetiva de participar na formação da lei, da instituição. Só posso ser livre sob a lei, se puder dizer que essa é a minha lei, se tiver tido a possibilidade efetiva de participar na sua concepção e no seu posicionamento (mesmo que as minhas preferências não tenham prevalecido)”.
Das três expressões clássicas da soberania estatal – Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário – apenas o último não retira sua legitimidade da forma de investidura dos seus integrantes. A investidura dos membros do Poder Judiciário, em regra, não observa o aspecto procedimental da democracia, uma vez que não há participação popular na escolha dos juízes. Onde se encontraria, então, a legitimidade democrática da atividade jurisdicional?
Em um Estado Democrático de Direito, a legitimação democrática do Poder Executivo e do Poder Legislativo decorre da participação popular manifestada através de representantes eleitos (democracia representativa), enquanto a legitimidade democrática da atividade judicial do Estado decorre da participação direta dos interessados na formação da decisão judicial (democracia participativa).
A possibilidade das partes interessadas, com sua argumentação, influenciarem no processo de concepção e efetivação da decisão judicial, a que terão que se submeter, assegura o viés democrático ao Poder Judiciário. Este entendimento é expressado de forma clara por Marinoni e Arenhart (2003, p. 78):
“Como o juiz não é eleito, a pergunta que deve surgir é no sentido de como o exercício do poder jurisdicional é legitimado. Pois o exercício do poder jurisdicional somente é legítimo quando participam do procedimento que terminará na edição da decisão aqueles que serão por ela atingidos. Em outros termos, somente existirá procedimento legítimo e, portanto, processo, quando dele participarem aqueles que serão atingidos pela decisão do juiz.”
A percepção da co-autoria das decisões judicias por todos os atores – autor, réu e juiz - do processo judicial como característica legitimadora da atividade jurisdicional dos Estados Democráticos de Direito deve-se, em muito, à apreensão dos conceitos originados das teorias da argumentação jurídica, pelos processualistas de vanguarda. Comentando uma delas, a Teoria Discursiva do Direito de Habermas e Günther, Gallupo (2001, p. 62-63) aponta que:
“(...) o sentido da norma só pode ser fixado em um discurso de aplicação em que os envolvidos por ela, através de uma discussão de seus limites, ou seja, das pretensões de validade concretamente envolvidas no caso concreto, percebam-se não apenas como destinatários, mas também como autores que podem concordar racionalmente com a aplicação da sanção, inclusive contra si mesmos. Isto indica que, segundo as teorias pragmáticas, apenas os envolvidos podem indicar corretamente o sentido de uma determinada norma em um caso concreto, dizendo ao fim se ela é adequada ou não àquela situação.”
A dogmática jurídica denomina a exigência político-constitucional da participação direta dos envolvidos na formação do ato jurisdicional de contraditório . Para Câmara (2002, p.52), “o contraditório é uma garantia política conferida às partes do processo. Através do contraditório se assegura a legitimidade do exercício do poder, o que se consegue pela participação dos interessados na formação do provimento jurisdicional”.
Tamanha a importância que alcançou este princípio nos Estados Democráticos de Direito que a doutrina processualista de vanguarda afirma inexistir atividade jurisdicional sem contraditório. Neste sentido, a teoria de processo como procedimento, na qual o processualista italiano Elio Fazzalari define processo (instrumento da jurisdição) como procedimento realizado em contraditório entre as partes. Em outras palavras, aquele procedimento em que as partes interferem, em igualdade de posições, na elaboração do provimento final, não alçando o juiz à condição de único responsável pela produção da norma concreta a solver o litígio. O autor e o réu intervêm em paridade simétrica na formação do convencimento, podendo-lhes atribuir, de certo modo, a autoria da sentença tanto quanto ao julgador (GALLUPO, 2001, p. 63).
Situação que se mostra mais complexa é a análise da legitimidade democrática da atuação das Cortes Constitucionais, uma vez que o sentido da norma submetida não será definido em um discurso de aplicação que contará com a participação de todos que serão atingidos por ela, seja diretamente ou seja através de representantes (juízes) eleitos para mandatos fixos, circunstância que esmaece a legitimidade democrática das decisões proferidas pelos Tribunais Constitucionais.
Esta percepção é compartilhada por Inocêncio Mártires Coelho (Cf. BINENBOJM, 2010, p. 116), para o qual “nunca é demais relembrar que no âmbito da jurisdição constitucional, aqueles que não participarem da relação processual, que não assumirem qualquer posição no processo ou que, até mesmo, ignorarem a sua existência, poderão considerar-se politicamente não alcançados pelos efeitos da coisa julgada e, por via de consequência, autorizados a ignorar a força normativa da Constituição”.
Não havendo a participação direta dos cidadãos na construção das decisões das Cortes Constitucionais, a legitimação democrática da jurisdição constitucional deve buscar suporte em outras construções teóricas. Após traçar um panorama sobre as diversas teorias que buscam justificar a legitimidade democrática da jurisdição constitucional, Binenbojm (2010, p. 278) pontua de forma magistral:
“A jurisdição constitucional é, portanto, uma instância de poder contramajoritário, no sentido de que sua função é mesmo a de anular determinados atos votados e aprovados, majoritariamente, por representantes eleitos. Nada obstante, entende-se, hodiernamente, que os princípios e direitos fundamentais, constitucionalmente assegurados, são, em verdade, condições estruturantes e essenciais ao bom funcionamento do próprio regime democrático; assim, quando a justiça constitucional anula leis ofensivas a tais princípios ou direitos, sua intervenção se dá a favor, e não contra a democracia. Esta a fonte maior de legitimidade da jurisdição constitucional.”
Apesar da forte defesa da jurisdição constitucional que realiza, Binenbojm (2010, p. 279) preocupa-se com o desvirtuamento da importantíssima função que foi confiada às Cortes Constitucionais, defendendo o direito de todos de participar ativamente do processo de revelação e definição da interpretação constitucional prevalecente:
“Por outro lado, para que a Corte Constitucional não se torne uma instância autoritária de poder – compondo um governo de juízes – que dita de forma monolítica, as interpretações oficiais a serem dadas aos diversos dispositivos da Constituição, é mister fomentar a ideia de cidadania constitucional, de forma a criar uma sociedade aberta de intérpretes da Constituição.”
Härbele (1997, p. 48) aponta um caminho a ser trilhado para se conferir uma maior legitimidade à Justiça Constitucional:
“Devem ser desenvolvidas novas formas de participação das potências públicas pluralistas enquanto intérpretes em sentido amplo da Constituição. O direito processual constitucional torna-se parte do direito de participação democrática. A interpretação constitucional realizada pelos juízes pode-se tornar, correspondentemente, mais elástica e ampliativa sem que se deva ou possa chegar a uma identidade de posições com a interpretação do legislador. Igualmente flexível há de ser a aplicação do direito processual constitucional pela Corte Constitucional, tendo em vista a questão jurídico-material e as partes materialmente afetadas (atingidos). A íntima relação contextual existente entre Constituição material e direito constitucional processual faz-se evidente também aqui.”

4. O MODELO EUROPEU E O NORTE-AMERICANO DE JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

O fenômeno da jurisdição constitucional data do início do século XIX, sendo que sua evolução tomou rumos diferentes conforme a cultura e a história democrática dos diversos países que o reconhecem. Atualmente, é possível a identificação de dois grandes modelos de justiça constitucional: o norte-americano e o europeu. Conveniente, pois, pôr em relevo suas principais características.
Em 1803, a Corte Suprema norte-americana, julgando o caso Marbury vs. Madison, reconheceu a sua competência para apreciar a constitucionalidade das leis federais. Ao afirmar seu poder de recusar a aplicação de uma lei federal que não respeitasse a Constituição, a Corte Suprema não pretendeu, todavia, a sua exclusividade. Este episódio é o nascedouro da doutrina do judicial review.
Sobre o modelo norte-americano, relata Oliveira Baracho (2001, p. 100):
“A Justiça constitucional não consagra o entendimento de que o procedimento de controle seja feito apenas pela Corte Suprema, ela compreende o conjunto do poder judiciário. Esse caráter difuso do controle de constitucionalidade nos Estados Unidos não tem somente uma dimensão orgânica, devido a ausência de uma Corte Constitucional especializada. Ela tem também uma dimensão processual, com ausência de procedimentos especiais para agir. A Constituição americana não prevê o processo de controle de constitucionalidade das leis, desde que tal controle desenvolve de maneira incidental perante as jurisdições ordinárias e pelo uso de procedimentos ordinários.”
O modelo europeu, inaugurado pela Constituição austríaca de 1º de outubro de 1920, inspira-se na ideia kelseniana de exclusividade do exercício do controle de constitucionalidade por um único órgão, em absoluta oposição ao sistema aberto, típico dos Estados Unidos. A avaliação da constitucionalidade das leis é exercida de forma concentrada por uma Corte Constitucional. Oliveira Baracho (2001, p.100) melhor explicita o funcionamento deste sistema:
“Institucionalmente, a Justiça constitucional na Europa é confiada não de maneira difusa a um conjunto de jurisdições, mas geralmente a uma Corte especializada que se situa fora do poder judiciário, em que apenas ela tem a competência para exercer o controle de constitucionalidade. A intervenção e os poderes desse tipo de Justiça constitucional diferem, pois, daquele que decorre da Justiça constitucional americana. O controle de constitucionalidade não está ligado, incidentalmente, por ocasião de uma decisão da justiça. Ele é feito com base da Corte constitucional especializada, que opera, essencialmente, em recursos diretos, efetuados por autoridades políticas. A Corte constitucional não traça suas atividades através de um litígio, no molde do juiz constitucional americano, ela se pronuncia sobre o próprio princípio da constitucionalidade da lei. A Corte não se contenta em reconhecer a inconstitucionalidade de uma lei, mas dispõe de um poder de anulação.”
O modelo de jurisdição constitucional absorvido pelo sistema jurídico de um Estado expressa a concepção que se quer prevalecente na atividade política estatal. A abertura da sociedade de intérpretes da constituição importa na realização de um Estado Democrático e Pluralista, enquanto o seu fechamento impõe um maior distanciamento do princípio democrático. Esta tese, sustentada de forma inaugural pelo professor Peter Härbele, em 1975, na obra Die offene Gesellschaft der Verfassungsinterpreeten, propõe uma democratização da interpretação constitucional, através da abertura da sociedade de intérpretes da Constituição. Segundo Härbele (1997, p. 13), “no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição”.
Do cotejamento entre os modelos de controle de constitucionalidade difuso e concentrado, transparece um maior viés democrático naquele originado nos Estados Unidos. Isso decorre da amplitude de atores que interagem na dinâmica do sistema de justiça constitucional norte-americano, pioneiro em conceder aos juízes, de quaisquer tribunais, a tarefa de garantir o conteúdo da Constituição, inexistindo uma Corte Constitucional especializada e procedimentos especiais para agir. Mesmo assim, é preciso destacar a existência de duras críticas ao judicial review. Segundo Waldron (2010, p. 98):
“ele é politicamente ilegítimo, naquilo que diz respeito aos valores democráticos: ao privilegiar a maioria dos votos entre um pequeno número de juízes não eleitos e não responsabilizáveis politicamente, ele priva os cidadãos comuns de seus direitos e rejeita estimados princípios de representação e igualdade política na resolução final de questões de direitos.”
Por sua vez, os países europeus que adotam o controle concentrado de constitucionalidade buscaram conferir maior legitimação democrática através da criação de diversos mecanismos jurídico-políticos que permitissem uma maior participação dos cidadãos na formação das decisões. Na esteira do propugnado por Härbele (1997, p. 47), ampliaram e aperfeiçoaram as formas de participação da sociedade no processo constitucional, através da utilização de audiências públicas e da figura do amicus curiae. De outro lado, buscaram emprestar um caráter plural e dinâmico à composição da Corte Constitucional, pulverizando a atribuição de indicar os seus membros entre os Poderes Legislativo e Executivo e estabelecendo mandato fixo.
Acerca da composição das Cortes Constitucionais da Alemanha, Áustria, Espanha e Portugal, vale a transcrição da minuciosa pesquisa de Direito Comparado explanada por Streck (2002, p. 286):
“Na República Federativa da Alemanha, a jurisdição constitucional está a cargo do Bundesverfassungsgericht, criado em 1951, e dos tribunais constitucionais dos Länder. O Tribunal Constitucional Federal é composto por dezesseis membros, escolhidos entre juízes federais e outros membros (professores e juristas), sendo metade eleita pelo Parlamento Federal (Bundestag) e metade eleita pelo Conselho Federal (Bundesrat), representando, assim, simultaneamente o povo da federação e os Länder. Seu mandato é de 12 anos, não renovável. O Tribunal é composto por dois senados, tendo cada um oito membros. Dos juízes de cada Senado, três são escolhidos dentre os juízes dos tribunais federais superiores. A idade mínima dos magistrados dos Tribunal Constitucional é de quarenta anos. Os juízes de cada Senado são escolhidos da seguinte forma: metade pelo Bundestag e metade pelo Bundesrat.
O controle de constitucionalidade na Áustria encontra detalhada especificação nos artigos 137 a 148. O Tribunal Constitucional (Verfassungsgerichtshof, VfGH) é composto por um Presidente, um Vice-Presidente, outros 12 membros e 6 suplentes. O Presidente, o Vice-Presidente, os outros 6 membros e 3 suplentes são nomeados pelo Presidente da República, e todos eles são escolhidos entre magistrados, funcionários administrativos e professores catedráticos das Faculdades de Direito e Ciências Políticas. Os restantes 6 membros e 3 suplentes são designados pelo Presidente da República, sob proposta do Conselho Nacional, para três membros e um suplente. Três dos membros titulares e dois dos suplentes devem ter sua residência fora de Viena. Aos 70 anos, os membros do Tribunal devem afastar-se da atividade.
Na Espanha, o Tribunal Constitucional, colocado à parte do Poder Judiciário, é composto por doze membros nomeados pelo Rei; entre eles, quatro serão propostos pelo Congresso por maioria de três quintos dos seus membros; quatro serão propostos pelo Senado, com idêntica maioria; dois serão propostos pelo Governo e outros dois pelo Conselho geral do Poder Judicial. Estabelece a Constituição (art. 159, 2) que os membros do Tribunal Constitucional deverão ser nomeados entre magistrados, fiscais, procuradores, professores universitários, funcionários públicos e advogados, todos eles juristas de reconhecida competência com mais de quinze anos de exercício profissional. Seu mandato é de nove anos, sendo renovados por grupos de três a cada três anos. O Presidente do Tribunal Constitucional, que detém voto de qualidade (art. 90.1, 2º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional), é nomeado, dentre os seus membros, pelo Rei, sob proposta do Tribunal reunido em sessão plenária, por um período de três anos.
O funcionamento do Tribunal Constitucional da Itália vem regulado pelos arts. 134 e segs. da Constituição, sendo constituído por quinze juízes: um terço nomeado pelo Presidente da República, um terço pelo Parlamento reunido em sessão conjunta e um terço pelas magistraturas supremas, ordinárias e administrativas. Os juízes dos Tribunal Constitucional são escolhidos entre os magistrados, mesmo que reformados, pertencentes às jurisdições superiores, ordinárias e administrativas, os professores universitários titulares que lecionam matérias jurídicas e os advogados com pelo menos vinte anos de atividade profissional. Seu mandato é de nove anos, vedada a recondução, modificação feita pela Lei de 1967, que alterou o mandato original de doze anos. O Tribunal elege, entre seus membros, o seu Presidente, cujo mandato é de três anos, com possibilidade de reeleição, respeitados, sempre, os limites temporais de seu cargo como juiz constitucional.
O Tribunal Constitucional da República Portuguesa é composto por treze juízes, sendo dez designados pela Assembléia da República e três cooptados por estes. Seis dentre os juízes designados pela Assembléia da República ou cooptados são obrigatoriamente escolhidos entre juízes dos restantes tribunais e os demais entre juristas. O mandato dos juízes é de nove anos, sendo vedada a recondução. De frisar que, até a revisão constitucional de 1997, o mandato dos juízes-conselheiros do Tribunal Constitucional era de seis anos, com possibilidade de renovação. O período do mandato conta-se a partir da posse perante o Presidente da República, terminando com a posse do juiz designado para o seu lugar. Os juízes dos restantes tribunais que sejam designados para o Tribunal Constitucional e que, durante o período de exercício, completem 70 anos, pode manter-se em funções até o término do mandato. As candidaturas para o preenchimento das dez vagas de juízes-conselheiros são apresentadas em lista completa firmada por um mínimo de vinte e cinco e um máximo de cinqüenta deputados perante o presidente da Assembléia da República, até cinco dias antes da reunião marcada para a eleição. Nenhum deputado pode subscrever mais de uma lista de candidaturas. Até dois dias antes da reunião marcada para a eleição, o Presidente da Assembléia da República organiza a relação nominal dos candidatos, a qual é publicada no Diário da Assembléia da República. Consideram-se eleitos os candidatos que obtiverem o voto de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados na efetividade das funções. Ocorrendo vagas de juízes eleitos e de cooptados, são aquelas preenchidas em primeiro lugar. Os cooptados, em número de três, são eleitos em votação secreta pelos dez juízes escolhidos pela Assembleia da República. Considera-se designado o candidato que obtiver um mínimo de sete votos na mesma votação.”
Os países que admitem o controle de constitucionalidade, em sua maioria, pendem para o sistema norte-americano ou para o modelo europeu de jurisdição constitucional, sendo que alguns adotam um sistema próprio, em regra, oriundo da miscigenação de características dos dois modelos. Ambos os sistemas de controle de constitucionalidade (difuso e concentrado) evoluíram, do seu nascedouro até a concepção atual, trilhando um caminho balizado por critérios democráticos de participação plural na dinâmica da jurisdição constitucional própria de cada Estado, sofrendo a influência dos mais variados fatores e circunstâncias culturais, políticos e estruturais (sistemas e formas de governo).
Em razão disso, a importação de institutos jurídicos dos diferentes sistemas de controle de constitucionalidade e sua integração a um ordenamento constitucional estranho devem submeter-se a uma adaptação à realidade política do País, sob pena de ocorrer um distanciamento do princípio democrático, tal qual acontece no Brasil.

5. A JUSTIÇA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA EM CRISE: SUA (DES) LEGITIMAÇÃO DEMOCRÁTICA

A Constituição Federal de 1988 legou aos brasileiros um modelo desarmônico de distribuição de competências entre os Poderes da República, havendo uma intensa aglutinação de funções em torno do chefe do Executivo. Naquilo que importa ao tema, a atribuição exclusiva do presidente da República para indicar os integrantes do Supremo Tribunal Federal é excessiva e prejudicial ao caráter plural que se deseja à jurisdição constitucional. Da mesma forma, a vitaliciedade desta investidura depõe contra o princípio democrático.
Não que a sistemática brasileira seja novidade, inspirada no modelo norte-americano, a prerrogativa do chefe do Poder Executivo de indicar livremente cidadãos para compor o STF, de forma vitalícia, repousa em nossa tradição republicana. Todavia, o avanço para um modelo de democracia verdadeiramente pluralista exige a transformação deste mecanismo jurídico que concentra poderes, de forma excessiva e desnecessária, nas mãos do presidente da República.
No Brasil, atualmente adota-se um interessante e complexo modelo de justiça constitucional: o controle de constitucionalidade é exercido de forma difusa por todos os membros do Poder Judiciário e, de forma concentrada, pelo Supremo Tribunal Federal. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu competir ao Supremo Tribunal Federal o controle concentrado de constitucionalidade, não afastando, porém, a possibilidade do controle difuso pelos outros órgãos do Poder Judiciário.
O modelo brasileiro, sob inspiração norte-americana, admite o controle difuso desde a primeira Constituição republicana de 1891. Caracteriza-se, precipuamente, por ser exercido somente perante um caso concreto a ser julgado pelo Poder Judiciário. A eficácia da decisão que julgou, incidentalmente, uma certa norma inconstitucional se limita às partes em litígio.
O controle abstrato ou concentrado data de meados do século XX, quando a Emenda Constitucional nº 16, de dezembro de 1965, outorgou ao procurador-geral da República o poder de arguir a inconstitucionalidade de leis federais ou estaduais incompatíveis com a Constituição perante o Supremo Tribunal Federal (Cf. SILVA, 1996, p. 54). Nesta espécie de controle de constitucionalidade, busca-se a declaração da inconstitucionalidade do ato normativo em tese, independentemente da existência de um caso concreto. A invalidação da norma, objeto do controle abstrato, tem eficácia erga omnes, uma vez que nulifica o texto inconstitucional, extirpando-o do ordenamento jurídico.
Por evidente, o Supremo Tribunal Federal não pode ser identificado como uma Corte Constitucional nos moldes do sistema europeu. Primeiro, porque se ocupa de diversas outras matérias que não as constitucionais, fruto do amplo rol de competências que lhe fora outorgado pela Constituição de 1988. Segundo, em razão de não ser o único órgão competente para o exercício da jurisdição constitucional. Estas peculiaridades, todavia, em nada diminuem sua importância para o sistema jurídico brasileiro. O Supremo Tribunal Federal é o ator protagonista da jurisdição constitucional brasileira, uma vez que pode declarar a inconstitucionalidade de uma norma em tese e imprimir força vinculante as suas decisões tomadas em caráter abstrato.
A influência do sistema de controle de constitucionalidade norte-americano na construção do modelo brasileiro não chegou a ponto de inviabilizar a apreensão dos institutos jurídicos do controle concentrado europeu. Aqui é exercida uma forma mista, que compreende a possibilidade da declaração de inconstitucionalidade, em um caso concreto, por qualquer juiz ou tribunal, inclusive o Supremo Tribunal Federal, e a análise da controvérsia constitucional abstratamente, pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, cuja decisão imprime força vinculante a todos os demais órgãos do Poder Judicial e à Administração Pública.
Construir um sistema misto, entretanto, não é uma missão de fácil resolução. Exige-se a análise das inter-relações dos institutos jurídicos entre si e seu impacto nas instituições políticas pátrias, notadamente para se evitar uma concentração inadequada de poderes, causando distorções no sistema de checks and balances (freios e contrapesos), essencial para observância do princípio da separação de poderes, tão caro às democracias modernas.
No controle difuso, a apreciação incidental da questão de constitucionalidade por qualquer membro do Poder Judiciário brasileiro vincula somente as partes integrantes do processo , ou seja, as partes que serão atingidas pelos efeitos da decisão judicial participarão da construção do sentido da norma a ser aplicado ao caso concreto, repousando a legitimidade democrática desta atuação, precipuamente, na dialética procedimental, no contraditório. A problemática surge ao se analisar o controle abstrato das normas, pelo qual o Supremo Tribunal Federal atualiza e interpreta o sentido das normas, com força vinculante erga omnes. Para Moraes (2001, p. 3):
“A questão da legitimidade da justiça constitucional em confronto com a legitimidade da maioria legislativa coloca-se de forma acentuada no campo do controle concentrado de constitucionalidade, uma vez que se concede a um Corpo de Magistrados poderes para declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, afetando a produção legiferante do Parlamento, enquanto representante direto das aspirações populares em uma Democracia representativa.”
É certo que o processo constitucional brasileiro incorporou os mecanismos legitimadores da audiência pública e do amicus curiae, conforme previsão nos artigos 9º, §1º, 20, §1ºda Lei nº 9.868/1999 e artigo 6º, §1º, da Lei nº 9.882/1999, atualmente utilizados em casos de grande repercussão . Todavia, o modelo de investidura dos membros do Supremo Tribunal Federal permanece idêntico ao da época em que vigia apenas o controle difuso, a impedir que a composição da Suprema Corte brasileira seja um reflexo fiel da complexa democracia pluralista em construção no País. Houve uma ampliação dos poderes do Supremo Tribunal Federal sem que houvesse o aumento do controle democrático sobre ele.
O Supremo Tribunal Federal é integrado por onze Ministros, que serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre cidadãos (brasileiros natos) com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, para o exercício da jurisdição constitucional de forma vitalícia, atuando os membros até que completem 70 anos de idade.
Salta aos olhos que os critérios firmados pela Constituição Federal impõem pouquíssimas limitações às indicações realizadas, de forma exclusiva, pelo Chefe do Executivo, o que possibilita indesejadas interferências do Poder Executivo na atuação da justiça constitucional, criando um desequilíbrio entre os Poderes constituídos. Ainda que se argumente a possibilidade de veto à indicação, historicamente, o Senado Federal nada tem feito além de avalizar todas as escolhas do Presidente da República.
O modelo brasileiro permite que os cidadãos escolhidos exclusivamente pelo Chefe do Poder Executivo exerçam o monopólio do controle concentrado de constitucionalidade das normas, com eficácia erga omnes, por até trinta e cinco anos consecutivos. Desta forma, não há como se afastar a possibilidade de se engessar, pela terça parte de um século, o pensamento jurídico do Supremo Tribunal Federal, cristalizando uma eventual ideologia dominante em uma dada época. Crível a implantação de uma “ditadura do pensamento único” em detrimento do princípio democrático e do pluralismo político. Surge daí a importância do Tribunal possuir uma composição plural, que atenda à moderna concepção de Estado Democrático de Direito.
Em lição acerca do Estado Democrático de Direito, em que se constitui a República Federativa do Brasil, que, por imposição constitucional, assegura os valores de uma sociedade pluralista (Preâmbulo) e fundamenta-se no pluralismo político (art. 1º, V), assevera Silva (1996, p. 142):
“A Constituição opta, pois, pela sociedade pluralista que respeita a pessoa humana e sua liberdade, em lugar de uma sociedade monista que mutila os seres e engendra as ortodoxias opressivas. O pluralismo é uma realidade, pois a sociedade se compõe de uma pluralidade de categorias sociais, de classes, de grupos sociais, econômicos, culturais e ideológicos. Optar por uma sociedade pluralista significa acolher uma sociedade conflitiva, de interesses contraditórios e antinômicos. O problema do pluralismo está precisamente em construir o equilíbrio entre as tensões múltiplas e por vezes contraditórias, em conciliar a sociabilidade e o particularismo, em administrar os antagonismos e evitar divisões irredutíveis. Aí se insere o papel do poder político: “satisfazer pela edição de medidas adequadas o pluralismo social, contendo seu efeito dissolvente pela unidade de fundamento da ordem jurídica.”
Por certo, o pluralismo de ideias deve ultrapassar o conceito de mera abstração, influenciando diretamente as práticas e os mecanismos democráticos, não se esquivando dele o modelo de jurisdição constitucional posto no Brasil. A legitimação democrática do controle concentrado de constitucionalidade, que detém competência para decidir controvérsias constitucionais de forma geral e abstrata, obriga a abertura do sistema para torná-lo um reflexo da heterogeneidade de pensamento existente nos diversos segmentos que compõem uma sociedade multi-étnica, multi-cultural e multi-ideológica. Em reflexão sobre a Teoria da Democracia como Legitimação, expõe Härbele (1997, p. 36) com costumeira propriedade:
“No Estado constitucional-democrático coloca-se, uma vez mais, a questão da legitimação sob uma perspectiva democrática (da Teoria da Democracia). A Ciência do Direito Constitucional, as Ciências da realidade, os cidadãos e os grupos em geral não dispõem de uma legitimação democrática para interpretação da Constituição em sentido estrito. Todavia, a democracia não se desenvolve apenas no contexto de delegação de responsabilidade formal do Povo para os órgãos estatais (legitimação mediante eleições), até o último intérprete formalmente “competente”, a Corte Constitucional. Numa sociedade aberta, ela se desenvolve também por meio de formas refinadas de mediação do processo público e pluralista da política e da práxis cotidiana, especialmente mediante a realização dos Direitos Fundamentais (Grundrechtsverwirklichung), tema muitas vezes referido sob a epígrafe do “aspecto democrático” dos Direitos Fundamentais. Democracia desenvolve-se mediante a controvérsia sobre alternativas, sobre possibilidades e sobre necessidades da realidade e também o “concerto” científico sobre questões constitucionais, nas quais não pode haver interrupção e nas quais não existe e nem deve existir dirigente.”
Está presente na doutrina a preocupação de se realizar modificações no órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, como bem lembrado por Bonavides (2004): “Com efeito, a independência, a credibilidade e a legitimidade da justiça constitucional no Brasil começou de ser alvo de graves reparos que giram ao redor de dois pontos cruciais: a indicação e nomeação dos ministros do Supremo Tribunal Federal pelo Presidente da República e a necessidade de desmembrar do Poder Judiciário a Corte de Justiça que, por mandamento constitucional, exerce o papel de guarda da Constituição e, logo, transformá-la em tribunal constitucional segundo o modelo austríaco.”
Neste mesmo sentido, aponta Moraes (2006, p. 493): “Entendemos que alterações na forma de investidura dos membros do Supremo Tribunal Federal seriam importantes para a preservação de sua legitimidade e a ampliação de sua independência e imparcialidade, tornando-o, efetivamente, um órgão de direção do Estado”.
Modificar as estruturas do Tribunal que exerce o controle abstrato de constitucionalidade não violenta o sistema jurídico-constitucional brasileiro. Ao contrário, passará ele a gozar de legitimação democrática e a espelhar a realidade heterogênea reinante em uma sociedade pluralista. Para tanto, valendo-se da experiência europeia, faz-se necessário, no mínimo, a adoção de três medidas: i) pulverizar a indicação dos membros do Supremo Tribunal Federal entre os Poderes Executivo e Legislativo, retirando a competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo; ii) estabelecer requisitos capacitários, relacionados aos mais diversos segmentos da sociedade, a serem preenchidos pelos indicados, assegurando-se uma representatividade plural; e iii) a fixação de mandato, sem a possibilidade de recondução, com o intuito de permitir a aeração da Corte pela dinâmica intrínseca à democracia e ao pluralismo político. No mesmo sentido é conclusão de Moraes (2001, p. 325):
“(...) essa jurisdição não pode ter a mesma composição das jurisdições ordinárias, sob pena de contestação de sua legitimidade, e deve apresentar os três requisitos de observância obrigatória na composição política da Justiça constitucional para que reforcem sua legitimidade: pluralismo, representatividade e complementaridade.
Em relação ao pluralismo, o importante é que o órgão encarregado da Justiça constitucional tenha uma composição pluralista, de maneira que possa aumentar a representatividade global do sistema, protegendo os grupos minoritários que não tenham acesso aos ramos políticos.
Observe-se que, para garantia da atualização do pluralismo e da representatividade, em regra, deverá haver uma renovação regular dos membros do Tribunal ou Corte, que devem ter mandatos certos e não muito longos, de maneira que nem a designação da maioria coincida com o início do mandato do Chefe de Governo, nem que se perpetuem no cargo, impedindo, assim, que eventuais evoluções políticas e sociais, com reflexos imediatos na composição do Parlamento e na eleição do Chefe do Executivo, não sejam acompanhadas pela Justiça constitucional. Dessa forma, o ritmo de alterações, por meio de novas nomeações envolvendo os outros dois ramos do Governo (Legislativo e Executivo), permitirá assegurar que a evolução social da Corte, que não se mostrará alheia às novas exigência decorrentes da constante mutação da sociedade.
A representatividade consiste na participação da maioria qualificada do Parlamento para a aprovação do nome do juiz constitucional e parece garantir um maior pluralismo, como reflexo do próprio pluralismo democrático das Câmaras Legislativas, pois acaba por permitir às minorias parlamentares o direito de veto ao nome indicado para compor a Corte Constitucional, uma vez que essa deve representar necessariamente as várias tendências e partes da sociedade, inclusive as diversas minorias.
Por fim, a complementaridade consubstancia-se na necessidade de multiplicidade e variação de experiências profissionais anteriores dos juízes constitucionais, pois, na realidade, a experiência de um juiz constitucional proveniente da magistratura de carreira é diversa daquele proveniente da advocacia ou do Ministério Público, ou ainda, da Universidade Pública, ou do próprio Parlamento, ou outros ramos profissionais. Essa complementação de experiências acaba por legitimar a Justiça constitucional, afastando-a tanto do tecnicismo exacerbado, quanto da política exagerada.
Um exemplo possível de investidura a ser seguido pelo Brasil já está presente no nosso ordenamento jurídico-constitucional. A Emenda Constitucional nº 45, de 8-12-2004, que alterou as estruturas do Poder Judiciário brasileiro, criou o Conselho Nacional de Justiça , composto por membros indicados de forma plural para exercer mandato dois anos, admitida uma recondução (artigo 103-B da Constituição Federal). Essa forma de investidura, cuja constitucionalidade já foi avalizada pelo Supremo Tribunal Federal , confere maior legitimidade democrática e abarca uma dimensão mais plural do que aquela que permeia a atual forma de investidura da Suprema Corte brasileira.
Ressalta-se, todavia, a necessidade de ser estabelecido um mandato maior para os membros do Supremo Tribunal Federal do que aquele previsto para os membros do Conselho Nacional de Justiça. Os mandatos devem ser exercidos por um período de tempo suficiente para conferir estabilidade à composição da corte, impedindo variações constantes de jurisprudência, de forma a prestigiar a segurança jurídica, sem engessá-la, como ocorre com cargos vitalícios. Parece-nos adequada a fixação do mandato dos ministros da Suprema Corte brasileira em oito anos, período de tempo suficiente para impedir que a designação da maioria dos membros coincida com o mandato de um único presidente da República. Ademais, tomar-se-ia como parâmetro o modelo de investidura previsto para os senadores da República (art. 46, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal), agentes políticos que também exercem o controle de constitucionalidade (art. 52, X, da Constituição Federal).

6. CONCLUSÃO

A circunstância histórica de um Presidente da República indicar a maioria dos integrantes do Supremo Tribunal Federal, órgão com competência para apreciar abstratamente as controvérsias constitucionais e imprimir efeito vinculante erga omnes às suas decisões, trouxe à tona a discussão sobre a falta de legitimidade democrática da forma de investidura dos membros da Suprema Corte brasileira.
O debate político-jurídico travado aponta a necessidade de se reformular o modelo de investidura dos membros do Supremo Tribunal Federal, impondo-se mecanismos de escolha que reflitam a heterogeneidade e a dinâmica de pensamentos existentes em uma complexa sociedade plural. Um modelo democrático e legitimador exige a pulverização da atribuição de indicar os integrantes do Tribunal Constitucional , o estabelecimento de requisitos capacitários a serem preenchidos pelos indicados e a fixação de mandato.
A alteração do modelo vigente não se constitui em inovação capaz de desestabilizar as estruturas jurídico-democráticas brasileiras. Ao revés, um modelo plural de investidura já foi acolhido pelo ordenamento jurídico pátrio, em relação ao novel Conselho Nacional de Justiça, nos termos do artigo 103-B da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 8-12-2004.

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