Os fatores históricos condicionantes do surgimento do sistema de fiscalização incidental dos atos normativos


Porvinicius.pj- Postado em 06 dezembro 2011

Autores: 
ANDRADE, Luiz Gustavo Lima

 

1- Introdução

Volta-se o presente estudo a arquitetar o quadro histórico-ideológico justificador do surgimento do controle difuso de constitucionalidade. Serão apontadas também as balizas de onde se edificou a legitimidade conferida ao Poder Judiciário para investigar e censurar as espécies normativas produzidas pelo Poder Público.

Busca-se evidenciar as premissas sobre as quais se apóia esta modalidade judicial de fiscalização dos atos normativos. Para tanto, serão elencados os principais elementos históricos, bem como as mais significativas motivações ideológicas que contribuíram para a eclosão desta modalidade de controle de constitucionalidade.

2- Os fatores condicionantes do surgimento do controle difuso de constitucionalidade

2.1- As revoluções dos séculos XVII e XVIII e a ausência de controle de constitucionalidade das leis no continente europeu

Motivados pelas concepções liberais e individualistas que ensejaram as revoluções dos séculos XVII e XVIII, os países do velho continente atribuíram às suas respectivas constituições um valor jurídico secundário, deixando-as à margem do prestígio emprestado ao Parlamento (BRANCO, COELHO, MENDES, 2008, p. 181).

A Carta Magna, mesmo quando palpável em um documento escrito[1], era tratada como um instrumento a salvaguardar os postulados patrimonialistas burgueses das ingerências do absolutismo monárquico (CLÈVE, 2000, p. 22). As regras constitucionais encerravam preceitos destituídos de um mínimo de operatividade (BRANCO, COELHO, MENDES, 2008, p. 188). Tratava-se, fundamentalmente, de um documento político, de um conjunto de enunciados evasivos e retóricos, consagradores da ideologia liberal emergente (CLÈVE, 2000, p. 22).

O desprestígio que tanto comprometia a efetividade da Constituição deve ser creditado, sobremodo, ao dogma da supremacia do parlamento[2] (BRANCO, COELHO, MENDES, 2008, p. 188). 

Ante o sucesso das revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII, esta esfera do poder estatal, guindada ao papel de interlocutora da vontade popular, e maior guardiã da liberdade (BRANCO, COELHO, MENDES, 2008, p. 188), passou a possuir um status institucional que a imunizava de qualquer espécie de ingerência, proviesse esta do Executivo ou do Judiciário.

Neste cenário, a lei, principal instrumento de manifestação da atividade parlamentar, tornava-se a ferramenta por excelência a preservar os valores considerados mais valiosos à soberania e ao desenvolvimento da nação. Censurá-la significaria, pois, comprometer a paz social, amesquinhando-se o nobre mister confiado aos membros encarregados de exercer a função legislativa.

Não é difícil, neste diapasão, perceber as implicações decorrentes de um arranjo político-institucional que emprestava ao Parlamento dimensões quase que místicas (BRANCO, COELHO, MENDES, 2008, p. 187). A atividade legislativa não poderia ser contrastada, ao contrário do que preconizado pelos sistemas jurídicos erigidos com base no dogma da supremacia da Constituição, por um único texto normativo pretensamente superior a qualquer outra espécie de lei.

Era inconcebível que se edificasse uma arquitetura entre os poderes estatais que permitisse que o afazer legislativo sofresse limitações, tão-pouco se poderia admitir que os parlamentares calcassem sua valiosa missão em observância a parâmetros normativos pré-concebidos (CLÈVE, 2000, p. 58).

E à ausência de normatividade da Constituição cumpre acrescer, ainda, a inexistência de instrumentos jurídicos minimamente idôneos a salvaguardar os seus preceitos, acaso fossem ofendidos (BRANCO, COELHO, MENDES, 2008, p. 188). Instituí-los seria, como se pode perceber, absolutamente inócuo. Era do parlamento que se deveriam extrair os cânones necessários ao desenvolvimento da sociedade. A sua produção legislativa, pois, era o que se precisava guarnecer.

Outro elemento que contribuiu decisivamente à insidicabilidade do afazer legislativo no continente europeu, durante o multicitado período histórico, emergiu da adoção, sobretudo na França, de uma rígida concepção da separação de poderes (CLÈVE, 2000, p. 59). Inexistia fundamentação a alicerçar a intervenção do Judiciário nas demais funções estatais, sobremodo no Legislativo, ante a primazia institucional de que desfrutava (CAPPELETTI, 1999, p. 97).

Com efeito, a intransigente delimitação do espaço de atuação de cada fração expressiva do poder estatal tornava inconcebível a possibilidade se atribuir a algum órgão jurisdicional, mesmo à sua mais elevada instância, a prerrogativa de fiscalizar e de eventualmente censurar os atos normativos (CAPPELETTI, 1999, p. 97). Competiria, ao contrário, ao próprio Legislativo a tarefa de consignar o alcance hermenêutico das leis por ele editadas (BRANCO, COELHO, MENDES, 2008, p. 189). 

 É na França que identificamos outro motivo a justificar a inexistência de controle judicial de normas. Trata-se do grande descrédito suportado pelo ofício judicante. Profundamente associado à noção de arbitrariedade e despotismo do Antigo Regime, o exercício das atividades judiciárias motivava notável desconfiança naquele país (CAPPELLETTI, 1999, p. 96).

Não se há de estranhar, por isso mesmo, a restritíssima atribuição que havia sido confiada ao Judiciário. Competia-lhe tão-somente a atividade de subsumir as controvérsias que lhe eram apresentadas aos dispositivos legais pertinentes. Tal desiderato deveria ser cumprido de forma mecânica e sem qualquer espaço para questionamento da legitimidade dos atos normativos (CAPPELLETTI, 1999, p. 40). 

2.2- A conjuntura política norte-americana do século XVIII e o controle de constitucionalidade

Um substrato fático diametralmente oposto àquele que motivou as revoluções européias dos séculos XVII e XVIII será encontrado nos EUA. A nação que emergia vitoriosa da Guerra de Independência irá arquitetar um arranjo entre os poderes estatais que em nada se assemelhará àquele edificado pelos países europeus libertos das amarras do antigo regime.

Com efeito, diferentemente do prestígio usufruído pelo Parlamento na Europa, o Poder Legislativo norte-americano padecerá de forte descrédito (BONAVIDES, 2008, p. 317). No velho continente, como já se assentou, o múnus oriundo do encargo de editar atos normativos traduzia-se em expressão da supremacia popular (CAPPELLETTI, 1999, p. 97).

Já nos EUA, o afazer legislativo será tratado como um instrumento de poder que, se não for adequadamente podado, poderá ensejar o desenvolvimento de uma ordem jurídica, cujos ditames serão exclusivamente preconizados pelos seus integrantes (BRANCO, COELHO, MENDES, 2008, p. 190-191).

É preciso consignar que não se tratava de um temor voluntarioso ou caprichoso. Os antecedentes históricos da independência norte-americana apontam para o Parlamento britânico, e sua incessante ingerência na vida de sua então colônia, um robusto fator de resistência da conquista de sua autonomia política[3] (PALU, 2001, p. 117).

Nutria-se, assim, uma crença na indeclinável necessidade de se institucionalizar mecanismos de controle da obra legislativa. Mostrava-se imperioso, para além de se evitar a reprodução no país recém criado das tensões políticas que aceleraram seu processo de independência (BRANCO, COELHO, MENDES, 2008, p. 190-191), não permitir que a instabilidade e volubilidade de uma Casa que vivia à mercê das oscilações típicas do jogo político[4] (BARROSO, 2007, p. 02), pudesse adquirir, tal como ocorria na Europa, imunidade a qualquer espécie de fiscalização ou censura.

Expostos os motivos propiciadores da consagração de limites de atuação do Legislativo, cumpre encontrar os elementos que oportunizaram a atuação do Judiciário enquanto fiscalizador dos atos normativos editados por aquela casa.

Neste sentido, curial registrar que o princípio da separação dos poderes é incorporado aos EUA em uma versão mais amena do que aquela que fora veiculada na Europa (CAPPELLETTI, 1999, p. 98). Difundiu-se a noção de que as funções estatais deveriam ser exercidas de forma a se permitir intervenções recíprocas entre cada segmento expressivo do poder estatal[5].

Partindo-se da premissa de que o exercício das funções de Estado fosse manejado de forma harmônica e equilibrada (CAPPELLETTI, 1999, p. 98), propiciava-se o clima necessário a que fosse difundida a idéia de intervenção do Judiciário nas atividades do Legislativo.

Permitia-se aquilo que a rigidez das concepções européias de separação dos poderes, como se viu, considerava intolerável.      

Possivelmente, porém, o fato que haja contribuído de forma mais decisiva ao desenvolvimento do judicial review[6] nos EUA tenha se originado daquilo que Mauro Cappelletti (1999, p. 57) denominou de a “astúcia da história”. Está-se aqui a se referir a uma sucessão de eventos que contribuiu sensivelmente para a construção da doutrina da fiscalização judicial das leis naquele país (CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 261-262).

O primeiro deles concerne à implantação nos EUA da doutrina, que predominou na Inglaterra ao longo do século XVII (CAPPELLETTI, 1999, p. 58), a qual apregoava a supremacia da commom lawperante o Rei e o Parlamento. Para que esta superioridade fosse salvaguardada, seria essencial que se conferisse aos juízes a prerrogativa de sustar os atos normativos editados pelo Legislativo que agredissem a commom law (CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 261).

Em que pese haja sido superada pela revolução gloriosa, esta idéia de se outorgar aos órgãos jurisdicionais o papel de vigilantes da obra legislativa remanesceu naquela colônia inglesa (CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 262).

Para que se possa justificar este fato, é imprescindível lançar os olhos exatamente para aquilo que fora preconizado como uma das principais bandeiras da nova ordem inaugurada em 1688, na Inglaterra, e sobre a qual já se fez alusão linhas atrás: o postulado da supremacia do Parlamento. O desenvolvimento deste dogma na então metrópole britânica, se gerou óbice à criação de institutos jurídicos fomentadores do controle da legitimidade dos atos normativos, proporcionou conseqüências diametralmente opostas do outro lado do Atlântico (CAPPELLETTI, 1999, p. 60).

E não é difícil vislumbrar, a despeito da aparente contradição, a explicação para este fenômeno.

Ora, usufruindo a Inglaterra de uma posição de proeminência político-jurídica em relação à sua colônia, era absolutamente natural que a produção normativa nesta realizada devesse buscar seu fundamento de validade na legislação confeccionada pelo Parlamento inglês (CAPPELLETTI, 1999, p. 61). Note-se aqui que esta entidade guindava-se à condição de parâmetro das condutas legislativas coloniais precisamente por exercer, conforme se demonstrou, de forma soberana, a primazia política no Estado Inglês.    

Desta forma, mais do que autorizados estavam os juízes das 13 colônias a, uma vez verificada incompatibilidade entre espécies legislativas confeccionadas em solo americano relativamente às leis oriundas da Inglaterra, dando prevalência a estas, afastar, por inválidas, a aplicabilidade daquelas (CAPPELLETTI, 1999, p. 61-62). 

Não se pode desprezar a conseqüência proporcionada pelo encontro de eventos históricos diametralmente antagônicos- o que certamente induziu Cappelletti a classificá-los como uma “astúcia da história”. De um lado, a eclosão do postulado da supremacia do Parlamento. De outro, uma doutrina que preconizava a autoridade dos juízes a cassar espécies legislativas que ferissem textos normativos de envergadura superior, exatamente porque advindos daquela instituição.

Da conjugação destas premissas em solo americano, além dos fatores já mencionados e de outros ainda a serem analisados, propiciou-se a criação e desenvolvimento do controle judicial de constitucionalidade.

2.3- A supremacia da Constituição e o controle de constitucionalidade

Todas as conjecturas históricas acima referidas não oferecem, por si só, o suporte suficiente a explicar o porquê de o controle judicial de constitucionalidade haver se disseminado de forma inaugural nos Estados Unidos da América.

É bem verdade que os fatos aos quais nos reportamos bem evidenciam o clima que propiciou o pioneirismo norte-americano. Não se pode, porém, perder de vista o principal fundamento sobre o qual se assenta a legitimidade da fiscalização dos atos normativos.

Faz-se aqui referência não a um evento histórico, mas a uma construção doutrinária limpidamente arquitetada pelo constitucionalismo norte-americano (BONAVIDES, 2008, p. 306), que se traduz em postulado basilar, que se volta tanto a velar pela ordem jurídica, como a servir de parâmetro indeclinável à conduta do Poder Público.

Trata-se da supremacia da Constituição.

Com efeito, a censura dirigida aos atos normativos não poderia ser feita sem que antes fosse realizado sobre os mesmos um prévio juízo de desvalia jurídica. Há de se perguntar, então: desvalia em relação a quê? O que poderia ensejar a cassação de uma lei do ordenamento jurídico por ela integrado?

Já se assentou anteriormente que inexistia, nos países europeus que protagonizaram as revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII, substrato ideológico a conferir às suas respectivas Constituições posição de destaque dentro da ordem jurídica. Não se poderia conceber que o desrespeito a algum preceito constitucional, em virtude de conduta do Parlamento, pudesse ensejar qualquer espécie de retaliação, sobretudo mediante postulação judicial (BRANCO, COELHO, MENDES, 2008, p. 189).

Nos EUA, por outro lado, as circunstâncias eram outras.

Os valores mais caros à manutenção e ao desenvolvimento da sociedade não poderiam ser confiados, tal como ocorria do outro lado do Atlântico, a um Parlamento livre e soberano (BONAVIDES, 2008, p. 317). Aliás, a outorga de poderes ilimitados aos congressistas, pelos motivos já consignados, era algo de inimaginável naquele país.

O Estado que recentemente havia conquistado sua independência, ainda assim, precisava estabelecer algum mecanismo que permitisse a preservação da sua sobrevivência.

É que, por haver adotado a forma federalista de Estado, os norte-americanos conviviam com duas ordens jurídicas paralelas (BONAVIDES, 2008, p. 316). Esta dualidade de ordenamentos poderia gerar conflitos de competência com magnitude bastante a comprometer o equilíbrio e harmonia da nação recém-inaugurada (BONAVIDES, 2008, p. 316).

Surgia, assim, de um lado, a necessidade de se instituir regras claras a delimitar com precisão o âmbito de atuação do Poder Central e das entidades periféricas da federação. Por outro lado, era essencial que houvesse a previsão de alguma instituição que assumisse a prerrogativa de solver eventuais desavenças entre tais membros federativos (BONAVIDES, 2008, p. 316). 

Não se deveria, todavia, buscar apenas um método de integração das ex-colônias. Para além de se evitar a secessão do nóvel país, era imprescindível também que se estabelecessem mecanismos capazes de albergar os direitos e garantias fundamentais ali estatuídos (BONAVIDES, 2008, p. 316). Dever-se-ia contemplar, outrossim, instituições sólidas, com idoneidade bastante a salvaguardar uma democracia que, àquela altura, ainda era incipiente (BONAVIDES, 2008, p. 316).

Curial aqui observar que a democracia representativa norte-americana impõe que dois dos seus poderes fundamentais, Executivo e Legislativo, tenham seus representantes designados pelo voto popular (BRANCO, COELHO, MENDES, 2008, p. 191). Ora, as oscilações inerentes à disputa pela conquista e manutenção do prestígio político não poderiam ser travadas a ponto de fragilizar o plexo de valores acima mencionado.

Se isso fosse tolerado, inexistiriam parâmetros a pautar a conduta dos poderes constituídos (BRANCO, COELHO, MENDES, 2008, p. 191), os quais poderiam aleatoriamente rearranjar a organização do Estado, por motivos de mera conveniência. Este mesmo casuísmo poderia ensejar um reenquadramento da hierarquia de valores outrora estabelecida. As minorias políticas se sujeitariam, igualmente, a decisões arquitetadas propositadamente em seu desfavor (BRANCO, COELHO, MENDES, 2008, p. 191).

Neste diapasão, a edificação de um texto normativo dotado de um manto protetivo com robustez suficiente a guarnecê-lo de qualquer espécie de ingerência, por contemplar preceitos de envergadura inestimável à subsistência saudável do Estado, mostrava-se providencial (BRANCO, COELHO, MENDES, 2008, p. 191). Não se poderia tolerar que os bens jurídicos nele contidos, essencialmente por esta razão, fossem desrespeitados.

À luz do quanto expendido, torna-se fácil compreender a relação de intimidade entre a supremacia constitucional e a rigidez do seu texto. Considerado outro pressuposto indeclinável do controle de constitucionalidade (CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 259), a rigidez constitucional corresponde a um consectário indeclinável da idéia de se estabelecer limites ao Poder Legislativo (BONAVIDES, 2008, p. 296).

A elaboração da Constituição, bem como o seu processo de reforma, reclamavam regras especialíssimas, inconfundíveis com a metodologia ordinária destinada a produção legislativa infraconstitucional. A intangibilidade da Constituição, por outro lado, não estaria integralmente contemplada tão-somente mediante a consagração de regras que dificultassem seu processo de reforma.

Com efeito, mostrava-se insuficiente estatuir garantias que inviabilizassem o ataque direto à Lei Máxima, tolhendo-se o poder constituinte de reforma, se os preceitos nela entabulados não fossem igualmente salvaguardados contra eventuais irregularidades provenientes do afazer legislativo ordinário.

Esta força normativa superior atribuível ao Texto constitucional reduzir-se-ia, pois, a um postulado inócuo se inexistisse alguma ferramenta capaz de fazê-la prevalecer. Os direitos e garantias fundamentais, e demais preceitos de índole máxima, as instituições democráticas, as minorias[7] não poderiam ficar a mercê daqueles que ocasionalmente estivessem sobre o comando da nação.

O descumprimento das regras constitucionais, dada a magnitude de sua ilegitimidade, não poderia ficar destituído de repercussão prática, pois, desta forma, a noção de inconstitucionalidade reduzir-se-ia à mera manifestação de censura ou crítica (BRANCO, COELHO, MENDES, 2008, p. 1.005). A desconformidade de um ato normativo à Lei Suprema reclamava, pois, como garantia de efetividade aos preceitos nela encartados, pertinente retaliação.

Mostrava-se necessário, fundamentalmente, que a espécie legislativa reconhecidamente ilegítima fosse extirpada do ordenamento jurídico, ou que, ao menos, houvesse sua eficácia paralisada.  Havia de se estabelecer, enfim, alguma forma de sanção ao ato normativo maculado como meio a se evitar que este remanescesse a desestabilizar o sistema jurídico, o qual não poderia jamais ser considerado harmônico e coerente enquanto coexistisse com leis inválidas, inquinadas pelo vício da inconstitucionalidade.

Todas estas noções teóricas, somadas ao contexto histórico já narrado, fizeram emergir o controle de constitucionalidade[8] dos atos normativos. O raciocínio desenvolvido para identificação desta espécie de vício legislativo é bem ilustrado por Luís Roberto Barroso (2007, p. 01):

Em todo ato de concretização do direito infraconstitucional estará envolvida, de forma explícita ou não, uma operação mental de controle de constitucionalidade. A razão é simples de demonstrar. Quando uma pretensão jurídica funda-se em uma norma que não integra a Constituição- uma lei ordinária, por exemplo-, o intérprete, antes de aplicá-la, deverá certificar-se de que ela é constitucional. Se não for, não poderá fazê-la incidir, porque no conflito entre uma norma ordinária e a Constituição é esta que deverá prevalecer. Aplicar uma norma inconstitucional significa deixar de aplicar a Constituição.

2.4- A baliza de legitimidade do controle incidental de normas

A despeito das conjecturas acima assinaladas, não se podem desprezar as críticas que emergiram da outorga concedida ao Poder Judiciário de aferir, em última instância, a legitimidade constitucional dos atos normativos editados pelo Legislativo. Se é certo que a primazia dos preceitos constitucionais, pelos motivos acima declinados, precisa ser preservada, tornava-se custosa a tarefa de justificar o porquê de este mister haver sido confiado ao Judiciário.

A este respeito, colhe-se interessante reflexão de Paulo Bonavides (2008, p. 297): 

O órgão legislativo, ao derivar da Constituição sua competência, não pode obviamente introduzir no sistema jurídico leis contrárias às disposições constitucionais: essas leis se reputariam nulas, inaplicáveis, sem validade, inconsistentes com a ordem jurídica estabelecida. Até aqui há entendimento pacífico. As dificuldades principiam porém quando se trata de alcançar os meios com que expungir do sistema normativo as leis inconstitucionais. O ponto mais grave da questão reside em determinar que órgão deve exercer o chamado controle de constitucionalidade. Sem esse controle, a supremacia da norma constitucional seria vã, frustrando-se assim a máxima vantagem que a Constituição rígida e limitativa de poderes oferece ao correto, harmônico e equilibrado funcionamento dos órgãos do Estado e sobretudo à garantia dos direitos enumerados na lei fundamental. Mas, por outra parte, o controle acarreta dificuldades consideráveis, em razão de conferir ao órgão incumbido de seu desempenho um lugar que muitos têm por privilegiado, um lugar de verdadeira preeminência ou supremacia, capaz de afetar o equilíbrio e a igualdade constitucional dos poderes.

A estas pertinentes indagações confronta-se a sólida base teórica sobre a qual repousou e se desenvolveu a doutrina do judicial review norte americano.

O controle de constitucionalidade foi concebido nos EUA como uma atividade inerente ao ofício judicante (BITTENCOURT, 1997, p. 35). Tratava-se de consectário indissociável da interpretação normativa (CAPPELEETTI, 1999, p. 75).

Encontrando-se o magistrado à frente de um litígio a cuja resolução candidatassem-se mais de uma norma, haveria, sob pena de não solucionar a controvérsia posta em apreciação, de encontrar aquela que se lhe afigurasse mais idônea a incidir sobre o substituto fático analisado.

Idoneidade, dentro desse contexto, não poderia ser aferida mediante uma simples avaliação de adequação dos dispositivos legais à realidade fática. Este conceito, em um sistema jurídico assentado na premissa de supremacia da Constituição, deveria necessariamente traduzir-se na idéia de legitimidade constitucional.

Assim sendo, deparando-se o juiz com ato normativo, ou um dispositivo, que se revelasse incompatível aos preceitos insculpidos na Lei Maior, haveria de afastar a sua aplicabilidade, imputando-lhe o vício da inconstitucionalidade, dando prevalência ao ato normativo que melhor se amoldasse aos preceitos constitucionais.

Este raciocínio bem ilustra os limites de atuação do Judiciário.

A Constituição, enquanto documento normativo dotado de superioridade incontrastável a qualquer outra espécie legislativa, a todos vincula e a todos submete (ZAVASCKI, 2001, p.13). Evidentemente, todos os poderes estatais, inclusive o Judiciário, deverão observá-la como parâmetro de atuação. À luz desta constatação, não poderiam os órgãos jurisdicionais permitir-se dar guarida a regramentos contrastantes aos preceitos constitucionais. Se assim o fizessem, contrariado estaria o postulado da supremacia da constituição (BARROSO, 2007, p. 16).

Não se estava a conferir ao Judiciário posição de superioridade hierárquica em relação ao Legislativo. Exigia-se dos seus integrantes, tão-somente, que pautassem seus julgados levando em conta a superioridade normativa da Constituição.

Não se pretendia, outrossim, inserir entre as suas competências institucionais a de intervir nos trabalhos do Legislativo, tão logo fosse editado algum ato normativo, para sobre este emitir um prévio juízo de legitimidade imprescindível à sua inserção na ordem jurídica.

A manifestação dos órgãos jurisdicionais acerca da idoneidade das normas nada mais era do que um desdobramento do seu mister de aplicá-las aos fatos que lhes eram trazidos, no bojo das relações processuais. A atuação do magistrado dever-se-ia cingir à solução do caso concreto, nada mais (BONAVIDES, 2008, p. 302).

3- Conclusão

Pelo o que se expôs, pôde-se perceber que o nascimento e a propagação do método difuso de aferição da legitimidade das leis confundem-se com o desenvolvimento do constitucionalismo norte-americano (CAPPELLETTI, 1999, p. 46). Está-se longe de atribuir aos EUA o pioneirismo quanto à elaboração de mecanismos de restrição ou censura das atividades legislativas. Precedentes históricos demonstram que fazê-lo redundaria em monumental equívoco[9]

Nada obstante, não se pode deixar de imputar à doutrina que ali se desenvolveu, bem como aos arestos jurisprudenciais que a seguiram, o mérito de haver assentado e disseminado para o mundo esta ferramenta de proteção à ordem jurídica denominada de controle de constitucionalidade (BARROSO, 2007, p. 10). 

De fato, as circunstâncias políticas que animaram a independência norte-americana possibilitaram o surgimento de um sistema jurídico que tinha na idéia de preservação dos valores consagrados na Constituição a condição indeclinável de sobrevivência da nação recém-criada (BONAVIDES, 2008, p. 316). A força normativa do Texto Constitucional não se resumia, assim, a um postulado vazio, editado meramente como fruto de elocubrações teóricas, destituídas de maior repercussão prática.

Não se repetiu nos Estados Unidos o fenômeno vivenciado na Europa neste mesmo período (BRANCO, COELHO, MENDES, 2008, p. 190).

É curioso perceber que, a despeito de as profundas mudanças da conjuntura política que agitaram o continente europeu nos séculos XVII e XVIII haverem exercido profunda influência no movimento de independência norte-americano, a nação que se libertou em 1776 trilhou, relativamente aos mecanismos de defesa de seus preceitos constitucionais, um caminho que em muito a distanciou daquele percorrido pelos países do velho continente.

 


REFERÊNCIAS

 

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Notas: 
[1]    A advertência mostra-se necessária, porque, precisamente na Inglaterra, uma das nações que mais contribuíram para a derrocada do Antigo Regime, a sua Constituição é classificada como costumeira, histórica e flexível, não podendo ser encontrada em documento formal (BITTENCOURT, 1997, p. 11).

[2]           Neste mesmo sentido, CLÈVE, 2000, p. 58 e 60.

[3]    Neste mesmo sentido, confira-se BONAVIDES, 2008, p. 317.

[4]    Cf. também CAPPELLETTI, 1999, p. 43.

[5]           A denominada doutrina dos cheks and balances.

[6]      The Judicial review of the constitucionality of legislation é a nomenclatura utilizada para designar o sistema de controle de constitucionalidade implantado nos EUA (CAPPELLETTI, 1997, p. 46). Assentado na premissa de supremacia da Constituição, outorga este método de fiscalização judicial do afazer legislativo a todo órgão investido de jurisdição a prerrogativa de, numa lide concreta, e apenas perante ela, afastar a incidência de uma norma inconstitucional, reputando-a nula, inválida e ineficaz (BONAVIDES, 2008, p. 302 e 311). Trata-se do modelo difuso, incidental, ou concreto de controle de constitucionalidade, implantado no Brasil ao final do século XIX, e sobre o qual se discorrerá, com mais vagar, no item 1.2.1 deste capítulo.    

[7]    Daí haver Luís Roberto Barroso (2007, p. 02) asseverado que um dos desideratos do controle de constitucionalidade consiste em tutelar as minorias de eventuais perseguições comandadas por maiorias parlamentares detentoras ocasionais do poder político.

[8]    Impõe-se aqui uma anotação, a fim de que se evitem imprecisões terminológicas. Denomina-se jurisdição constitucional a atuação do Judiciário na interpretação e aplicação da Constituição (ZAVASCKI, 2001, p. 14), o que, não necessariamente, desembocará na realização de análise e eventual censura de uma norma infraconstitucional. Vale dizer, quando o magistrado estiver diante de um litígio, cuja resolução reclame a incidência de um ato normativo qualquer, ele deverá averiguar a sua compatibilidade ao Texto Magno, realizando o controle de constitucionalidade. A Constituição, nestas situações, é utilizada como parâmetro de validade à lei que lhe é subalterna, ou, ainda, serve de instrumento a fornecer-lhe o sentido e alcance adequados (BARROSO, p. 03). Haverá hipóteses, porém, em que o juiz aplicará as normas constitucionais diretamente à controvérsia que lhe é apresentada, prescindindo de legislação infraconstitucional a ser subsumida ao substrato fático por ele analisado (BARROSO, 2007, p. 03). Em qualquer destas hipóteses, tem-se o exercício da jurisdição constitucional, pois o que se persegue, fundamentalmente, é a salvaguarda e supremacia dos preceitos constitucionais (ZAVASCKI, 2001, p. 14). Jurisdição constitucional e controle de constitucionalidade não guardam entre si, pois, uma relação de sinonímia, mas de gênero e espécie (BARROSO, p. 03). Sobressai-se aqui o fato de que a efetividade da Constituição pode ser buscada mediante a utilização de métodos diferentes. Aproveite-se a oportunidade para consignar que o conceito de inconstitucionalidade não está imbricado à ilegitimidade de um ato normativo. Com efeito, o desrespeito à Constituição poderá emergir de conduta praticada por qualquer agente público ou particular. Nesse sentido, entidades pertencentes ao Executivo ou ao próprio Judiciário poderão veicular condutas eivadas de inconstitucionalidade, e não apenas as normas produzidas pelo Legislativo (ZAVASCKI, 2001, p. 13-14). Não se pode desprezar, igualmente, a possibilidade de um indivíduo qualquer, no bojo de uma relação jurídica de índole privada, realizar conduta que se traduza em desrespeito a preceitos constitucionais. Também nestas hipóteses, mostra-se plenamente factível que se recorra ao Judiciário a fim de se reparar a violação ao Texto Magno (ZAVASCKI, 2001, p. 14-15). A garantia de sua efetividade, todavia, não será preservada mediante a realização de controle de constitucionalidade, mas através da pertinente e adequada repreensão da conduta viciada.          

[9]    Invocando uma série de precedentes históricos, os quais abrangem desde a antiguidade clássica e o direito ateniense, passando pela idade média, atingindo a Inglaterra do século XVII, que antecederam a consagração nos EUA do modelo de controle de constitucionalidade incidental de normas, confira-se CAPPELLETTI, 1999, p. 45-63. Neste mesmo sentido, CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 260-262.