Pobres sim, miseráveis não! Uma análise crítica ao programa Brasil Sem Miséria!


PorJeison- Postado em 22 outubro 2012

Autores: 
SOUZA, Luciana Virgília Amorim de.

 

RESUMO: O presente trabalho apresenta de maneira crítica o ousado Programa Brasil Sem Miséria! Do qual envereda a erradicação da pobreza até o ano de 2014, ano das eleições presidenciais e do maior evento esportivo do planeta: A Copa do Mundo. Por quais direções o programa federal deseja erradicar a pobreza?Ou seria uma tentativa inusitada de igualar as classes baixa e média de maneira que uma é inclusa graças à exclusão ou expropriação da outra? E havendo êxito, o referido programa, por quanto tempo ficaríamos livres de um problema social que se arrasta por décadas, por quase três séculos desde o Descobrimento do Brasil?

PALAVRAS-CHAVES: Pobreza, Erradicação, Miséria, Exclusão 

ABSTRACT: This paper presents a way criticizes the bold program Brazil Without Misery! which moves towards the eradication of poverty by the year 2014, presidential election year and the biggest sporting event on the planet: The World Cup. In what direction you want the federal program to eradicate poverty? Or unusual would be an attempt to match the lower and middle classes so that one is included because the exclusion or expropriation of another? And there is this program successful, how long we would be free a social problem that has dragged on for decades, for nearly three centuries since the discovery of Brazil?

KEY WORDS: Poverty Eradication, Misery, Exclusion.


 

INTRODUÇÃO

Atualmente, as políticas públicas de assistência social e combate a fome apresentam a proposta ambiciosa de erradicar a pobreza absoluta (aqueles que vivem abaixo da linha da considerada e aceitada miséria com menos de ¼ do salário mínimo) até o ano de 2014 (coincidentemente no ano da Copa do Mundo no Brasil) e os planos de ações do governo Dilma Rousseff intitula-se como Brasil Sem Miséria!Começamos então nossa analise crítica.

A dúvida que permeia essa questão é apenas ao qual custo essa pobreza será erradicada. Ou ainda, conseguirá em dois anos findar uma questão social, um problema social gravíssimo que perdura-se há séculos desde o descobrimento do Brasil e a vinda da Família Real Portuguesa? E quanto a execução da medida, por quanto tempo o Brasil ficará livre da pobreza?

No atual quadro social, abismos são abertos, verdadeiras fendas separam ricos e pobres, ricos de superricos, de superricos para milionários e outras diferenças mais. O primeiro desafio do Brasil Sem Miséria! É promover a igualdade social quanto à distribuição equitária de renda, a temida divisão igual da renda no Brasil. Desse modo, poderia haver dois fenômenos ao qual seria o sonho socialista: Ou uma classe burguesa empobrecida ou uma classe média aos frangalhos.

Ainda que seja o maior objetivo das políticas sociais de igualdade e distribuição de renda, pensar um pobre ou miserável ao mesmo patamar de uma classe média, seria extinguir a classe media existente ou fundir ambas em uma só: classe dos menos ricos e quase pobres absolutos.

Este trabalho não preza nenhuma tese contra a igualdade social das classes e sim em um crescimento responsável: Quem arrecada mais, contribui mais e paga mais impostos e tributos compulsórios, de onde o Brasil Sem Miséria! Pode lançar mão. Mas, ao colocar a síntese de que quem arrecada mais, paga mais estará acertando em cheio na elite brasileira constituída exatamente pelos políticos que estão envolvidos com esse Programa, macroempresários e principalmente essas macroempresas que firmam compromissos com o Estado que em troca de incentivos fiscais, garantem os postos de trabalho ativos. O aumento nos impostos reduziria e muito esses postos de trabalho ativos comprometendo a estrutura social do trabalho já que trabalhadores saindo do mercado de trabalho ativo comprometeria a economia brasileira (a primeira alegação das empresas quando seus tributos a serem pagos aumentam, diminuem os empregos gerados por eles mesmos) impactando em cheio a arrecadação da União. Ou seja, o Brasil Sem Miséria! Não pode alterar a quantidade de impostos aumentando sua receita por conta desse meio.

Uma outra alternativa seria a diminuição compulsória nos benefícios de transferência de renda incentivando a procura desses usuários de programas como o Bolsa Família ao investimento em qualificação profissional transformando o beneficio eventual em beneficio temporário a um período de 2 anos e após esse período, o usuário seria desligado do programa. Eis o segundo problema: O paradoxo dos programas de transferência de renda alimenta o circulo vicioso que ao invés de emancipar o usuário, o próprio usuário se expropria das condições dele se emancipar de modo a não precisar mais desse beneficio. São cada vez mais raros os casos onde usuários por exemplo do Bolsa Família são desligados do programa por vontade deles mesmos. Assim, é a oferta assistencialista travestida de direitos para o usuário desses benefícios e: 

“ [...] Achar por exemplo, que com um quarto, meio ou até mesmo um salário mínimo, mesmo em “tempos de estabilidade”, o pobre poderá atender suas “necessidades básicas no âmbito do consumo privado“ é, no mínimo, de uma total frieza estatística e de um absoluto distanciamento da realidade.”(SOARES, 2009 p.66)

Sem contar que essa modalidade de intervenção estatal nem de longe parece ser descontinuado por sua “eficácia” no enfrentamento das questões sociais e outras formas de promover uma melhor distribuição de renda: 

“ [...] os programas de transferência de renda são destacados como possibilidades para o enfrentamento do desemprego e da pobreza, ampliada na sua face estrutural e pelo que se convencionou denominar de “nova pobreza”, decorrente da reestruturação produtiva e dos programas de ajuste econômico. [...] Nesse âmbito é que o debate internacional tem apontado os Programas de Transferência de Renda como possibilidade de solução para a crise do emprego, e o enfrentamento da pobreza, sendo defendidos por políticos, organizações sociais e estudiosos das questões sociais de diferentes matizes teóricas.” (SILVA, YAZBEK e DI GIOVANNI, 2004 p.36) 

Uma possível alternativa está na extensão da idade mínima para se aposentar, que hoje variando de acordo com cada plano de carreira profissional, em 60 anos para as mulheres e 67 anos para homens. Dessa maneira, mantendo mais trabalhadores idosos na ativa, o recolhimento do fundo de garantia e da contribuição do INSS salvaria esse incêndio provocado pela erradicação da pobreza. Eis que surge o terceiro problema: Entende-se que desde há muitos anos, a Previdência no Brasil vem passando por um holocausto sem precedentes.

Grande parte dos esquemas de corrupção armados na política brasileira, fraudam os cofres da Previdência. Demo (2002, p.15) denuncia para além dos crimes contra a Previdência que tanto: “As políticas sociais, como o próprio mercado, funcionam muito mal, representando para os pobres, o acesso a migalhas e favores, e para os ricos, uma ocasião a mais para desviar recursos públicos” e ao impactar negativamente, esses desvios praticamente remetem bilhões de reais para um buraco negro que sabemos quem os enviou, mas não onde está esses bilhões de reais quando descobertos esquemas de fraudes e corrupção.

Além disso, é alto o índice de “jovens aposentados” (pessoas mutiladas e invalidas por conta de acidentes de trabalho, deficientes e pessoas com doenças crônicas que ao atingirem a uma idade que antecede ao mínimo de aposentadoria, já não estão mais capazes para trabalhar ficando assim aposentadas por invalidez), “jovens viúvas(os) que perdem seus companheiros(as) em acidentes onde as profissões que exerciam, a lei dá o direito de receber pensão vitalícia. “ [...] as despesas com pensão são muito elevadas. Foram R$ 70,3 bilhões gastos em 2010 - 27,5% do total de despesas da Previdência (R$ 254,9 bilhões). Além disso, o Brasil é um dos poucos países do mundo em que esse tipo de benefício é integral e vitalício.”(DOIKA e BECK, 2011)

Sem contar que o alto índice de violência tira do mercado de trabalho cada vez mais jovens economicamente ativos, e pouco a pouco, a taxa de natalidade vem sendo reduzida por conta da vida agitada das grandes cidades tanto que há o serio risco de em menos de 40 anos, a população idosa no Brasil ser igualada ao numero de jovens. O que fazer quando esse fenômeno ocorrer? Teremos um numero de pessoas aposentadas e isentas de contribuições trabalhistas no mesmo numero dos contribuintes destes tributos.

Findando as alternativas possíveis, cabe a pergunta: Tem certeza que a pobreza será totalmente erradicada? Não! Ainda que seja uma das maiores ambições dos governos populistas e esquerdistas, sempre haverá a pobreza de um meio ou de outro seja pela natureza desigual da sociedade capitalista, quanto ao interesse partidário na preservação do status quo da pobreza. No que diz do interesse político-partidário, quase todos os discursos adotados pelos profissionais da política em tempos eleitorais é diminuir ou eles contribuírem para o combate a fome e a pobreza, tão comum como a pobreza são as promessas feitas e depois de eleitos, foram apenas promessas. Sem contar as ações assistencialistas como distribuição eleitoreira de cestas básicas para futuros eleitores dentre outras falácias utilizadas para “conquistar” o voto favorável a sua vitoria ao pleito.

Então, tira-se a conclusão de que na verdade o objetivo do Brasil Sem Miséria! Nada mais é do que estigmatizar a nomenclatura miserável (quem vivem abaixo da linha da pobreza em condições desumanas e desabonadores expropriando sua condição plena de cidadão portador de direitos consolidados em leis ) alterando para o “pobre moderado”(A quem tem suas condições modificadas aparentemente no entanto, ainda nas mesmas condições elegíveis a uma vida desumana e indigna) ainda excluído do sistema e expropriado de sua dignidade e cidadania.

Claramente, estamos vivendo os “tempos dourados” da ignorância onde a pobreza era tratada como uma questão moral da sociedade (se há pobres e miseráveis é o nítido retrato da falência das políticas públicas e absoluto descaso do Estado Neoliberal, ainda que moderado pela ideologia da esquerda no poder dos dias atuais) ou a tão famosa e polêmica Poor’s Law de 1602 na Inglaterra. Não se vê necessário remontar a história aqui mas, a real ideia da ameaça retrograda a esses tempos não esconde a essa interpretação quando se trata da pobreza ser totalmente erradicada exatamente no ano em que se realizará um evento esportivo de âmbito mundial.

O que será feito para erradicar a pobreza, será apenas uma forma de estancar uma ferida que nunca se cicatrizou ao longo dos mais de 200 anos de proclamação da República e quando o mundo desfocalizar as lentes de suas câmeras para a realidade brasileira, outra forma de sanar essa pobreza uma vez que a sociedade não conseguirá esconder as desigualdades e diferenças sociais entre as classes burguesa e trabalhadora no contexto neoliberal brasileiro. E pergunta Demo (2002, p.04) “ Como redistribuir a riqueza acumulada pelo sistema produtivo, não das migalhas assistencialistas, mas dos direitos da cidadania?”

Ainda que esse “empenho” seja dispensado, a importância de se pensar em políticas sociais menos compensatórias e mais eficientes traz à voga a discussão do papel desempenhado por essas políticas atuais. O que se pensa em matéria de Direitos Humanos apenas se resumem em ter tais direitos, mas se sua importância na sociedade ainda encontra-se diminuída, o descaso da população e a cultura acrítica das massas impedem das políticas públicas atenderem ao script básico de consolidação dos Direitos Humanos pela vida dos seres sociais. Compreendendo esse paradoxo, o Estado isenta-se, isola-se e reserva-se apenas a sua esfera burocrática credenciando seus “representantes” e terceirizando suas competências e decisões.

O título “Pobres sim, miseráveis não!” atenta à distorção enunciativa do adjetivo “miserável” no âmbito de política social. Erradicar a pobreza não quer dizer que quem era pobre (classes “D” e “E”) extremo elevará um degrau na escala estamentar social (classe “C”) e tão pouco tratará essa nova nomenclatura como algo digno e louvável intento. Na verdade, tenta-se escamotear a pobreza em seu efeito produzindo um subpauperizado intermediário das classes C e D. Logo, tirar famílias da pobreza não será apenas em criar novos programas de transferência de renda ou maior remunerar os existentes: “ Neste sentido, a Loas tem perdido seu papel articulador e tem sido reduzida à prestação de serviços que contam, em sua maioria, com a reduzida e insuficiente transferência de recursos dos governos federal e estaduais” ( SOUZA, 2006 p.89-90)

É preciso tirar dessas famílias a cultura da dependência filantrópica estatal (o famoso assistencialismo) onde elas realmente cumprirão com as premissas das políticas sociais, de universalidade e equidade, não sendo seletista e semiperpétua aos “eleitos” para receber o que se dizem de “direitos” como em um jogo de bingo (ganha quem tiver todos os números em sua cartela, no caso, é beneficiado quem atende aos requisitos definidos como condicionalidades) ou em um jogo de batalha naval (de um lado, o Estado busca estratégias para não conceder benefícios a quem não atende seus requisitos e quem não atende aos requisitos, busca estratégias para ludibriar os agentes do Estado, ou o popular “enrolar” o assistente social ou quem o sentir eleito ao beneficio) e:  

 “ Embora a exclusão faça parte das regras de manutenção do poder econômico e político do Estado, a inclusão dos interesses da força de trabalho também o faz. O pacto de dominação, contraditoriamente, atende a interesses e reivindicações tanto das classes dominantes quanto das classes subalternizadas, e neste sentido, assume o caráter da sua inclusão.”(SPOSATI, 1995 p.24)

Nesse prisma, não há mocinhos e vilões. No país onde a população desconhece seus direitos, eventos esportivos são usados como divisor de águas ou apaziguador fenomênico de alienação, já que a população estará com suas atenções focadas na Copa do Mundo enquanto o tempo passar...até lá, cabe a questão: Continuaremos miseráveis? Seremos pobres moderados? Ou inventaram uma varinha de condão que faz essa abóbora gigante chamada Brasil se transformar em carruagem de luxo aos olhos do mundo, como se fosse fácil resolver um problema secular?

REFERÊNCIAS:

DEMO, Pedro. Coleção Polêmicas do Nosso Tempo: O Charme da Exclusão Social. – 2.ed. – Campinas: Autores Associados, 2002.

DOIKA, Geralda; BECK, Martha. “Previdência - Governo quer reduzir pensões e elevar tempo de contribuição de mulheres” noticia vinculada a revista veja online em 29/06/2011 às 05:31hs  disponível em:http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/previdencia-governo-quer-reduzir-pensoes-e-elevar-tempo-de-contribuicao-de-mulheres/ acesso em: 24/04/2012 as 18:55hs 

SILVA, Maria Ozanira da Silva.; YAZBEK. Maria Carmelita. GIOVANNI, Geraldo di.; A Política Social Brasileira no Século XXI: A Prevalência dos Programas de Transferência de Renda. São Paulo: Cortez, 2004

SOARES, Laura Tavares. Coleção Questões da Nossa Época #78: Os Custos Sociais do Ajuste Neoliberal. – 3.ed. – São Paulo: Cortez, 2009

SOUZA, Fátima Valéria Ferreira de. A Política de Assistência Social: começando o debate in: CAVALCANTI, Ludmila Fontenele; REZENDE, Ilma. Serviço Social e Políticas Sociais. Rio de Janeiro: EDUFRJ, 2006

SPOSATI, Aldaíza. A Assistência Social no Brasil 1983-1990: Carta-Tema. – 2.ed. – São Paulo: Cortez, 1995.

 

Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.40127&seo=1