A progressão de regime prisional e o crime hediondo.


Porbarbara_montibeller- Postado em 10 abril 2012

Autores: 
MELO, Ronilda Rodrigues da Silva.

RESUMO. O presente artigo visa discorrer sobre a aplicabilidade do regime de progressão prisional nos crimes tidos como Hediondos, além de fazer uma breve comparativa situacional diante da inovação da Lei. Versaremos também sobre a visão jurisprudencial e doutrinária da questão em tela.

Palavras-chave: Crimes Hediondos. Regime Prisional. Progressão. Execução Penal. Princípio da Individualização da Pena.

ABSTRACT. This article aims to discuss the applicability of the system of progression in prison perceived as heinous crimes, in addition to a brief comparative situational before the innovation of the Law We will also talk about the vision of jurisprudential and doctrinal issue at hand.


1 INTRODUÇÃO

            A Lei nº 8072/90 estabelecia que o condenado por crime hediondo devesse cumprir sua pena em regime integralmente fechado, de acordo com o artigo 2º, §1º. Em consequência, proibia de forma absoluta a progressão de regime prisional para os condenados em crimes hediondos.  A doutrina sempre considerou tal proibição mais severa inconstitucional. A jurisprudência, por outro lado, manteve a constitucionalidade da norma proibitiva até que, em fevereiro de 2006, o Supremo Tribunal Federal modificou seu entendimento hermenêutico sobre respectiva matéria, assim decretando a inconstitucionalidade da proibição contida no artigo 2º, §1º da Lei de Crimes Hediondos. Após a declaração de inconstitucionalidade de referido artigo, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 11464/2011, que modificou o texto do dispositivo da Lei nº 8072/90, admitindo assim a progressão de regime prisional.

2 DESENVOLVIMENTO

            A Constituição Federal, em seu artigo 5º, XLIII, nunca determinou a questão do regime de cumprimento da pena privativa de liberdade, qual seja a determinação do regime inicial e possibilidade de progressão, aplicada em sede de crimes hediondos ou assemelhados. O artigo 2º, §1º, da Lei nº 8072/90, contudo, dispunha que a pena imposta em condenação por crime hediondo ou equiparado deveria ser cumprida em regime integralmente fechado. Disso decorria o afastamento do sistema de progressão do regime de cumprimento da pena privativa de liberdade, estabelecido no artigo 112 da Lei de Execuções Penais.

            Discutia-se acerca da constitucionalidade da proibição da progressão de regime de cumprimento de pena para os crimes hediondos e assemelhados, em face do princípio da individualização da pena, garantido no artigo 5º, XLVI, primeira parte, da Constituição Federal, senão vejamos:

A individualização da pena significa ensejar ao juiz definir a qualidade e quantidade da pena, nos limites da cominação legal. Imperativo de justiça e de boa aplicação da sanção penal. Inconstitucional, por isso, a lei ordinária impor, inflexivelmente, que a pena será cumprida integralmente em regime fechado. A individualização compreende três etapas. Cominação, aplicação e execução. (STJ, 6ª T., RHC 5.115-RN, Rel. Min Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 6-2-1996, DJ 20-05-1996).

Em defesa de sua constitucionalidade, argumentava-se que a Lei nº 8072/90, ao determinar que a pena fosse cumprida integralmente em regime fechado, impedia a individualização da pena apenas na fase de execução e não no processo de conhecimento, em que o Juiz realizava o processo de individualização no momento da dosimetria, decidindo livremente sobre a qualidade e a quantidade da resposta estatal, de acordo com os artigos 59, I e II, e artigo 68, ambos do Código Penal.

Entendia-se que o artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal, ao enunciar que “a lei regulará a individualização da pena”, teria conferido ao legislador infraconstitucional a competência para impor o cumprimento integral em regime fechado. Podemos observar no seguinte julgado:

Habeas Corpus. Crime hediondo. Condenação por infração do artigo 12, §2, II da lei n. 6368/76. Caracterização. Regime prisional. Crimes hediondos. Cumprimento de pena em regime fechado. Artigo 2, §1, da Lei 8072/90. Alegação de ofensa ao artigo 5, XLVI, da Constituição. Inconstitucionalidade não caracterizada. Individualização da pena. Regulamentação deferida, pela própria norma constitucional, ao legislador ordinário, À lei ordinária compete fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador poderá efetivar ou a concretação ou a individualização da pena. Se o legislador ordinário dispôs, no uso da prerrogativa que lhe foi deferida pela norma constitucional, que nos crimes hediondos o cumprimento da pena será no regime fechado, significa que não quis ele deixar, em relação aos crimes dessa natureza, qualquer discricionariedade ao Juiz na fixação do regime prisional. Ordem conhecida, mas nego provimento. (STF, Tribunal Pleno, HC 69603-SP, Rel. Min. Paulo Brossard, j. 18-12-1992, DJ, 23-04-1993).

Por outro lado, a corrente que sustentava a inconstitucionalidade do artigo 2º, §1º, da Lei nº 8072/90, entendia que o princípio da individualização da pena deveria reger igualmente a fase de execução, e não somente a fase de dosimetria da pena, pois o cumprimento da pena representava o seu momento de maior concreção. A individualização da pena deveria, então, se operar em três planos distintos: a) abstrato, que seria consistente na cominação da qualidade e das quantidades mínimas e máximas da pena, contidas no preceito secundário do tipo penal incriminador; b) aplicação, que seria representado pela dosimetria da pena realizada na decisão condenatória; c) execução, que seria a corporificação pelo cumprimento da pena cominada.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 82959-SP, declarou inconstitucional, por via de controle difuso, a norma contida na Lei de Crimes Hediondos, que determinava o cumprimento de pena privativa de liberdade integralmente no regime fechado. Diante disso, retirou-se o impedimento legal para a progressão de regime de cumprimento de pena, ficando a cargo dos Juízos das Execuções Criminais a apreciação, no caso concreto, da presença dos requisitos objetivos e subjetivos do enunciado no artigo 112 da Lei de Execuções Penais. Então vejamos:

Pena. Regime de cumprimento. Progressão. Razão de ser. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semiaberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso, que mais dia ou menos dia, voltara ao convívio social. Pena. Crimes hediondos. Regime de cumprimento. Progressão. Óbice. Artigo 2º, §1º, da Lei n. 8072/90. Inconstitucionalidade. Evolução jurisprudencial. Conflito com a garantia da individualização da pena, artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal. A imposição mediante norma do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do principio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, §1º, da Lei n. 8072/90. (STF, Tribunal Pleno, HC 82959-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j, 23-03-2006, DJ, 1º-09-2006).

Após a declaração de inconstitucionalidade de referido artigo, veio então a Lei nº 11565/07 determinando que a pena por crime hediondo ou equiparado seja cumprida inicialmente em regime fechado, de forma a admitir, em momento posterior, a passagem do condenado para o regime de cumprimento mais brando. Assim, consagrou a possibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena privativa de liberdade importa para crimes hediondos e assemelhados.

            Contudo, estabeleceu como requisito objetivo para a progressão o cumprimento de 2/5 (primário) ou 3/5 (reincidente) da pena, frações estas visivelmente superiores ao patamar de 1/6 imposta para os crimes em geral, de acordo com o artigo 112, caput, da lei de Execuções Penais. A partir disso, surge a necessidade de analisar se a Lei nº 11464/07 representa novatio legis in pejus ou novtio legis in mellius, para fins de determinação da possibilidade, ou não, de sua aplicação retroativa, ou seja, aos fatos praticados antes de sua vigência.

            Então, diante desta situação, duas posições podem ser sustentadas. A primeira é a de que a Lei nº 11464/07 constitui novatio legis in pejus. A declaração de inconstitucionalidade do artigo 2º, §1º da Lei de Crimes Hediondos determinou que o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade passasse a ser regida pelo disposto no artigo 33, §2º do Código Penal, pautando-se, assim, pela conjugação da quantidade de reprimenda imposta com a primariedade e a reincidência do condenado. Então, em algumas situações, caberia a aplicação de regime inicial semiaberto ou aberto.

            Diante da mudança imposta pela Lei nº 11464/07, a Lei de Crimes Hediondos passou a dispor que “a pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado”, criando assim uma disciplina especial, que afasta a incidência do sistema previsto no artigo 33, §2º do Código Penal. Ao estabelecer regramento mais severo, a Lei nº 11464/07 deve ser considerada Lex gravior, não devendo assim, ser aplicada aos crimes hediondos e equiparados praticados antes da vigência da Lei, qual seria, 29 de março de 2007.

            A segunda posição é a de que a Lei nº 11464/07 constitui novatio legis in mellius, pois segundo entendimento desta corrente, o controle difuso de constitucionalidade não produz efeitos erga omnes, tendo o artigo 2º, §1º da Lei de Crimes Hediondos, permanecido em vigência mesmo após a decisão proferida pelo STF no HC 82959-SP. Portanto, a imposição de regime fechado inicial representa lex mitior em relação à redação anterior, em que o legislador estabelecia o cumprimento integral da pena em regime fechado. Assim, merece aplicação retroativa, nos termos do artigo 5º, XL, da Constituição Federal, para os fatos praticados antes da vigência da nova lei.

3 CONCLUSÃO

            Diante do exposto, cabe ressaltar que o condenado por crime hediondo continua obrigado a iniciar o cumprimento da reprimenda em regime fechado. Porém, não está mais obrigado a permanecer neste regime mais rigoroso, podendo, portanto, progredir de regime de cumprimento de pena. A progressão de regime é uma das fases do sistema penitenciário progressivo adotado pelo Código Penal, e seria, portanto, contrariar alguns dos princípios consagrados por nosso sistema penal, quais sejam, o principio da individualização da pena e o princípio da humanização da pena, a absoluta proibição do benefício de progressão regimental.

4 REFERÊNCIAS

JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial, volume 1. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal – Parte Geral. 21ª ed., São Paulo: Atlas, 2004.

https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/ita/abreDocumento.jsp?num_registro=199500635615&dt_publicacao=20-05-1996&cod_tipo_documento=1(STJ, RHC 5115-RN)

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28HC%24%2ESCLA%2E+E+69603%2ENUME%2E%29+OU+%28HC%2EACMS%2E+ADJ2+69603%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos(STF, HC 69603-SP)

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28HC%24%2ESCLA%2E+E+82959%2ENUME%2E%29+OU+%28HC%2EACMS%2E+ADJ2+82959%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos(STF, HC 82959-SP)