Protestos, Notificações e Interpelações: Críticas à Atecnia do Código de Processo Civil


Porrayanesantos- Postado em 10 julho 2013

Autores: 
RANGEL, Tauã Lima Verdan

Resumo:

            O Código de Processo Civil, em seus artigos 867 a 873, traz à baila os protestos, notificações e interpelações. Com efeito, há que se salientar que os protestos, notificações e interpelações são manifestações formais de comunicação de vontade, a fim de prevenir responsabilidades (art. 867) e eliminar a possibilidade futura de alegação de ignorância. Trata-se de procedimento sem ação e sem processo, residindo, neste aspecto característico, a principal crítica à atecnia do legislador, eis que os procedimentos supramencionados foram incluídos dentre as ações cautelares nominadas, quando, na realidade, são procedimentos de jurisdição voluntária, ou seja, inexiste a figura do litígio. Verifica-se que tais atos não apresentam caráter constritivo, o que, aliás, se observa nas ações cautelares típicas, não tendo, portanto, qualquer aplicabilidade o artigo 806 do Código de Processo Civil. A consequência jurídica produzida por tais atos se estrutura tão apenas a levar ao conhecimento de outrem a manifestação de vontade de alguém. São medidas, além disso, bastante semelhantes entre si, razão pela qual justifica-se o tratamento uniforme a elas dispensada pelo Código de Processo Civil.

 

Palavras-chaves: Jurisdição Voluntária. Processo Civil. Atecnia.

 

Sumário: 1 Protesto: Comentários Introdutórios; 2 Notificação: Uma Análise Singela; 3 Interpelação: Breve Exposição.


 

 

1 Protesto: Comentários Introdutórios

            O Código de Processo Civil, em seus artigos 867 a 873, traz à baila os protestos, notificações e interpelações. Com efeito, há que se salientar que   “os protestos, notificações e interpelações são manifestações formais de comunicação de vontade, a fim de prevenir responsabilidades (art. 867) e eliminar a possibilidade futura de alegação de ignorância[1]. Trata-se de procedimento sem ação e sem processo, residindo, neste aspecto característico, a principal crítica à atecnia do legislador, eis que os procedimentos supramencionados foram incluídos dentre as ações cautelares nominadas, quando, na realidade, são procedimentos de jurisdição voluntária, ou seja, inexiste a figura do litígio.

            Verifica-se que tais atos não apresentam caráter constritivo, o que, aliás, se observa nas ações cautelares típicas, não tendo, portanto, qualquer aplicabilidade o artigo 806 do Código de Processo Civil. A consequência jurídica produzida por tais atos se estrutura tão apenas a levar ao conhecimento de outrem a manifestação de vontade de alguém. “São medidas, além disso, bastante semelhantes entre si, razão pela qual justifica-se o tratamento uniforme a elas dispensada pelo Código de Processo Civil[2].

            Em linhas introdutórias, o protesto pode ser descrito como o ato judicial de comprovação ou de documentação de intenção daquele que o promove. A primeira figura encontra previsão no artigo 867 do Estatuto de Ritos Civis, o qual destaca que todo aquele que desejar prevenir responsabilidade, prover a conservação e ressalva de seus direitos ou manifestar qualquer intenção de modo formal, poderá fazer por escrito o seu protesto, em petição dirigida ao juiz, e requerer que do mesmo se intime a quem de direito.

            Saliente, por oportuno, que o protesto pode ser direcionado, essencialmente, a três finalidades diversas, a saber: prevenir a responsabilidade, prover a conservação do direito ou prover a ressalva do direito. Corriqueiramente, a doutrina abalizada apresentar como exemplo da primeira hipótese a situação em que o engenheiro direciona seu protesto ao construtor que não está seguindo suas orientações, com o escopo de prevenir sua responsabilidade no caso da inobservância do processo acarretar dano para o dono da obra. Situação hipotética em que se observa o protesto com o escopo de prover a conservação do direito é o que objetiva interromper o prazo prescricional. Já o protesto com o fito de prover a ressalva do direito é o estruturado contra alienação de bens.

            Em consonância com as regras comuns de estabelecimento de competência, o protesto será dirigido ao juízo competente, por petição escrita, na qual os fatos e os fundamentos do procedimento de jurisdição voluntária serão expostos. Desta feita, deverá a peça vestibular trazer a conveniência e utilidade da providência  vindicada, como também a descrição dos fatos que demonstram o legítimo interesse do autor. Logo, inviável se mostra o protesto genérico, em que não haja a descrição dos fatos e fundamento da manifestação da vontade.

            Aliás, dicciona o artigo 869 Código de Processo Civil, em altos alaridos, que “o juiz indeferirá o pedido, quando o requerente não houver demonstrado legítimo interesse e o protesto, dando causa a dúvidas e incertezas, possa impedir a formação de contrato ou a realização de negócio lícito”[3]. O indeferimento em razão da falta de interesse provém da teoria geral do processo que obsta a prestação da tutela jurisdicional àquele que não demonstre o preenchimento de tal requisito. No que se refere às dúvidas e incertezas que têm o condão de impedir a constituição do contrato ou ainda a realização de outro negócio jurídico devem ser interpretadas como dúvidas de cunho psicológico, eis que o protesto não terá robustez para obstacular à celebração de qualquer negócio jurídico. Do ato decisório que indeferir o protesto caberá apelação, eis que se trata de sentença.

            Em sendo deferido o protesto, o magistrado ordenará que se leve a comunicação da vontade do autor ao requerido, sendo estruturada em conformidade com os regramentos que norteiam a citação, sendo possível, inclusive, a utilização da via postal, do mandado ao oficial de justiça, da hora certa e do edital. Traz à baila, aliás, o artigo 870 do Código de Processo Civil as regras específicas a serem observadas no que ao protesto por editais, quais sejam: I - se o protesto for para conhecimento do público em geral, nos casos previstos em lei, ou quando a publicidade seja essencial para que o protesto, notificação ou interpelação atinja seus fins; II - se o citando for desconhecido, incerto ou estiver em lugar ignorado ou de difícil acesso; III - se a demora da intimação pessoal puder prejudicar os efeitos da interpelação ou do protesto.

            A doutrina deita maciça discussão acerca da comunicação do protesto, indagando se esta seria uma citação ou intimação. Pois bem, o caput do 870, como também o seu inciso III fazem menção à intimação, ao passo que o inciso II do mesmo dispositivo legal expressamente alude à citação. Rotunda parcela da doutrina estrutura o entendimento que a comunicação tem natureza de intimação, eis que não se faz possível, por se tratar de um procedimento de jurisdição voluntária, o chamamento da parte ex adversa para o oferecimento de defesa, não se coadunando, portanto, à acepção técnica de citação. Câmara[4], contudo, apresenta entendimento distinto sob o argumento de que a citação nem sempre será sinônimo de apresentação de defesa, mas sim o ato processual por meio do qual o requerido é trazido ao processo para dele fazer partes, estabelecendo, por consequência, a angularização processual.

            Hasteia, como flâmula, o parágrafo único do artigo 870[5] que quando se tratar de protesto contra a alienação de bens, pode o juiz ouvir, em 03 (três) dias, aquele contra quem foi dirigido, desde que Ihe pareça haver no pedido ato emulativo, tentativa de extorsão, ou qualquer outro fim ilícito, decidindo em seguida sobre o pedido de publicação de editais. Ora, há que se observar que na hipótese em destaque não há um sobrestamento do protesto, mas tão somente da publicação dos editais. “Neste caso, então, será citado (ou, como prefere a lei processual, intimado) o requerido para, em três dias, se manifestar nos autos sobre o protesto e sua divulgação através de editais[6]. Em tendo o magistrado consolidado entendimento, após a manifestação do requerido, que a divulgação do edital terá fito emulativo, ou ainda implicará em tentativa de extorsão ou outro fim ilícito, indeferirá a publicação do edital, caso contrário, deferirá a publicação daquele, determinando sua divulgação.

            Cuida evidenciar que, em razão da natureza de jurisdição voluntária do protesto, inviável é a apresentação de defesa nem de contraprotesto, admitindo-se, doutro modo, com espeque no artigo 871 do Código de Processo Civil[7], o contraprotesto em processo distinto. Há que se evidenciar que não se trata de um contraprotesto, mas sim um protesto manejado pelo requerido ao autor, em outro apostilado processual, onde ocorrerá a inversão dos polos processuais. Cuida ponderar que este protesto ficará, com efeito, sujeito ao controle judicial, podendo ser indeferido nos casos albergados no artigo 869 do Estatuto de Ritos Civis. Após a comunicação do protesto, o apostilado ficará em cartório, pelo período de 48h (quarenta e oito horas) para que os interessados requeiram as certidões que lhes interessem. Defluído o lapso temporal ora mencionado, o caderno será entregue ao autor, independentemente de traslado. Insta salientar que no protesto não há sentença final nem homologatória, vez que se trata de simples comunicação de uma manifestação de vontade.

            Outro ponto a ser realçado tange à possibilidade de levar ao Registro de Imóveis o protesto contra alienação de bens. Há entendimento que admite a averbação do protesto, tendo como axioma de sustentação o poder geral de cautela. Entrementes, o robusto entendimento doutrinário se manifesta pela inadmissão da averbação, sob o argumento de que a lei não prevê, de maneira expressa, acerca da possibilidade de averbação. “Ora, sendo certo que o protesto é incapaz de constituir, declarar, trasladar ou extinguir qualquer direito real, não parece possível sua averbação no Registro de Imóveis[8].

2 Notificação: Uma Análise Singela

            A segunda espécie de processo de jurisdição voluntária compreendida na Seção X do Capítulo II do terceiro livro do Código de Processo  Civil é a notificação. Como bem acinzela Gama, a notificação é o “ato de levar a alguém o conhecimento de algum fato realizado ou a se realizar em juízo[9]. Objetiva, deste modo, a notificação promover a cientificação de outrem, conclamando-o a fazer ou deixar de algo fazer, sob cominação de pena. “O que se faz com a notificação é, pois, a comprovação solene de uma declaração de vontade[10]. Assim, por meio da notificação o que se tem é apenas uma manifestação formal da vontade do notificante.

            Á guisa de exemplificação, verifica-se a notificação feita pelo locador ao locatário, comunicando não mais ter interesse na manutenção do contrato de locação firmado. Igualmente, verifica-se a substancialização da notificação quando o comodante comunica ao comodatário na pretende a restituição da coisa emprestada. Há que se anotar, por necessário, que a notificação, por si só, não tem o condão de levar à efetivação prática da intenção do notificante, logo, deverá lançar mão dos instrumentos processuais que tenham por escopo satisfazer a intenção do requerente. Deste modo, ao locador competirá o ajuizamento da ação de despejo, se a coisa não for restituída pelo locatário; da mesma forma, o comodante deverá aforar ação de reintegração de posse.

            Quadra anotar que, em algumas situações específicas, a realização da notificação prévia, também denominada de notificação premonitória, é considerada como requisito inserto no plano das condições da ação. Tal premissa é perceptível, por exemplo, na notificação dirigida pelo locatário ao locador, quando não mais tem na mantença da locação de imóvel urbano prorrogada por prazo indeterminado, sendo considerada como “condição da ação de despejo”, fundamentada na denúncia vazia.

            Câmara (2010, p. 214), doutro modo, apresentada entendimento distinto, pois, no caso em destaque, o que a notificação faz é a denúncia da locação, isto é, a resilição unilateral do contrato de locação, requisito de direito material essencial para que o locador tenha o direito de reaver a posse direta do imóvel locado. Desta feita, não sendo feita a notificação, não terá o requerente o direito substancial à retomada do imóvel locado, motivo pelo qual o pedido contido no apostilado, no que concerne ao despejo, será julgado improcedente.  Denota-se, desta sorte, que o requisito encontra-se atrelado ao mérito da causa, no que tange à ação de despejo, integrando, por consequência, o objeto do processo, sendo, de outro modo, matéria estranha às condições da ação ou aos pressupostos processuais.

3 Interpelação: Breve Exposição

            O terceiro instituto em destaque é a interpelação, que, segundo Gama, é uma “ação, judicial ou extrajudicial, que tem o fim de fazer conhecer ao devedor a exigência do cumprimento de uma obrigação, sob pena de incorrer em mora[11]. Ao lado disso, há que se evidenciar que a interpelação apresenta o fito específico de levar ao conhecimento do devedor a exigência do cumprimento da obrigação, sob pena de, caso não a cumpra,  ficar constituído em mora. Cuida anotar que o Estatuto de Ritos Civis que a interpelação observará as disposições contidas no artigo 873 do mesmo diploma legal, o qual norteia o procedimento a ser adotado em relação ao protesto.

            Verifica-se, deste modo, que é defeso ao devedor utilizar da interpelação, sendo um recurso utilizável apenas pelo credor. O arcabouço normativo pátrio contempla diversas situações em que se apresenta possível a utilização da interpelação, todos com o fim específico de exigir do devedor o cumprimento da obrigação, sob pena de ficar ele constituído em mora. Dentre estes pode-se citar o artigo 117, §1º, da Lei de Falências[12] e o artigo 22 do Decreto-Lei Nº. 58/1937[13].

Referências:

BRASIL. Decreto-Lei Nº 58, de 10 de Dezembro de 1937. Dispõe sobre o loteamento e a venda de terrenos para pagamento em prestações. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 jul. 2012

BRASIL. Lei Nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em:              09 jul. 2012.

BRASIL. Lei Nº 11.101, de 09 de Fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 jul. 2012

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil – Volume III. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010.

GAMA, Ricardo Rodrigues. Dicionário Básico Jurídico. 1ª ed. Campinas: Editora Russel, 2006.

GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro – Volume 3. 20ª. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

Notas:

[1] GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro – Volume 3. 20ª. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009,p. 200.

[2] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil – Volume III. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 207.

[3] BRASIL. Lei Nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 jul. 2012.

[4] CÂMARA, 2010, p. 211.

[5] BRASIL. Lei Nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 jul. 2012.

[6] CÂMARA, 2010, p. 212.

[7]BRASIL. Lei Nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 jul. 2012: “ Art. 871. O protesto ou interpelação não admite defesa nem contraprotesto nos autos; mas o requerido pode contraprotestar em processo distinto”.

[8] CÂMARA, 2010, p. 213.

[9] GAMA, Ricardo Rodrigues. Dicionário Básico Jurídico. 1ª ed. Campinas: Editora Russel, 2006 , p. 266.

[10] CÂMARA, 2010, p. 214.

[11] GAMA, 2006, p. 226.

[12] BRASIL. Lei Nº 11.101, de 09 de Fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 jul. 2012: “Art. 117. [omissis] §1o O contratante pode interpelar o administrador judicial, no prazo de até 90 (noventa) dias, contado da assinatura do termo de sua nomeação, para que, dentro de 10 (dez) dias, declare se cumpre ou não o contrato”.

[13] BRASIL. Decreto-Lei Nº 58, de 10 de Dezembro de 1937. Dispõe sobre o loteamento e a venda de terrenos para pagamento em prestações. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 jul. 2012: “Art. 22. Os contratos, sem cláusula de arrependimento, de compromisso de compra e venda e cessão de direitos de imóveis não loteados, cujo preço tenha sido pago no ato de sua constituição ou deva sê-lo em uma, ou mais prestações, desde que, inscritos a qualquer tempo, atribuem aos compromissos direito real oponível a terceiros, e lhes conferem o direito de adjudicação compulsória nos termos dos artigos 16 desta lei, 640 e 641 do Código de Processo Civil”.