A rescisão unilateral do Contrato Administrativo pelo Poder Público: possibilidade, limites e consequências


PorJeison- Postado em 01 outubro 2012

Autores: 
PEREIRA, Gustavo Leonardo Maia.

 

Os contratos administrativos têm como sua maior particularidade a busca constante pelo interesse público e a conseqüente sujeição aos princípios basilares do Direito Público, quais sejam, o da supremacia do interesse público sobre o particular e a indisponibilidade do interesse público. Isto acaba por fazer com que as partes do contrato administrativo não sejam colocadas em situação de igualdade, uma vez que, conforme amplamente sabido, são conferidas à Administração Pública prerrogativas que lhe colocam em patamar diferenciado, de superioridade em face do particular que com ela contrata. São as chamadas “cláusulas exorbitantes”, que constituem poderes conferidos pela lei à Administração no manejo contratual que extrapolam os limites comumente utilizados no Direito Privado.

O art. 58 da Lei 8.666/93, que trata dessas cláusulas, dispõe nos seguintes termos:

“Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:

I – modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;

II – rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei;

III – fiscalizar-lhes a execução;

IV – aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste;

V – nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contrato, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo.

Como se vê, a possibilidade de a Administração, de modo unilateral, extinguir o contrato administrativo é, indiscutivelmente, poder exorbitante que deverá ser utilizado dentro das hipóteses autorizadas em lei. O art. 79, I, referido no dispositivo transcrito, assevera:

“Art. 79. A rescisão do contrato poderá ser:

I – determinada por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos enumerados nos incisos I a XII e XVII do artigo anterior;”

O artigo 78 da LLCA, por sua vez, arrola uma série de hipóteses que dão ensejo à rescisão contratual, que podem ser enquadradas em quatro categorias distintas. O primeiro grupo de hipóteses relaciona-se à inexecução contratual de maneira geral. Em uma segunda categoria, temos situações que legitimam a rescisão unilateral do contrato em decorrência de circunstâncias que afetam a pessoa do contratado. A terceira categoria, descrita no inciso XII, que é a que nos interessa no caso em tela, corresponde às razões de interesse público. Há, ainda, um último grupo, relacionado à ocorrência de caso fortuito ou força maior.

Imagine-se, para fins do presente estudo, um contrato de obra pública que, considerado determinadas circunstâncias, onere demasiadamente o erário, razão pela qual eventual rescisão unilateral deva buscar fundamento em razões de interesse público.

Passemos, pois, ao estudo do art. 78, inciso XII, referido nas linhas acima, que segue transcrito a seguir:

“Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:

XII – razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato;”

Trata-se, a bem da verdade, de hipótese de extinção do contrato administrativo por razões de conveniência e oportunidade, consubstanciando, assim, clássica manifestação das chamadas prerrogativas extraordinárias da Administração Pública.

A extinção do contrato administrativo, quando fundada na conveniência da Administração, não envolve inadimplemento da parte contratada, não apresentando a natureza sancionatória observada nas outras hipóteses. No caso, o particular encontra-se cumprindo regularmente os seus deveres e a Administração não imputa a ele qualquer defeito configurador de inadimplemento. O Poder Público promove a rescisão por verificar que, por melhor que seja executado o objeto contratual, as necessidades perseguidas pelo Estado não serão satisfeitas, eis que isso somente se dará por meio de uma contratação distinta.

Em se tratando de decisão fundada em conveniência e oportunidade, cuida-se de ato que se insere, inevitavelmente, no âmbito do chamado poder discricionário da Administração.

A discricionariedade administrativa, no entanto, não significa arbitrariedade, ou mesmo poderes ilimitados, mas sim uma margem de liberdade para que sejam procedidas avaliações que só o administrador tem condições de fazer, de acordo, justamente, com a conveniência e oportunidade administrativas, de maneira a melhor atingir o interesse público.

O interesse público, portanto, ao mesmo tempo em que justifica a atuação exorbitante da Administração, impõe-lhe limites.

Na hipótese, pretende a Administração promover a rescisão unilateral do contrato, extinguindo, assim, prematuramente o vínculo jurídico existente entre as partes, sob o fundamento de que a realização de nova licitação para a contratação do remanescente da obra implicaria em enorme economia de recursos públicos.

Imagine-se, ainda por hipótese, que se constate que o contrato pratica preços consideravelmente superiores aos vigentes no mercado, e o contratado não aquiesça a redução, o cenário apresenta apenas duas alternativas para a Administração: contentar-se com a redução limitada aos percentuais estipulados em lei ou promover a rescisão do contrato.

Em nosso sentir, a análise da presença de razões de interesse público hábeis a justificar a extinção precoce do contrato deve ser feita à luz das conseqüências financeiras que serão impostas ao erário. Deve a Administração certificar-se, e demonstrar cabalmente nos autos do processo administrativo, quanto à efetiva vantajosidade de se romper a avença vigente, realizar novo certame e celebrar outro contrato para o remanescente das obras. E, para tanto, deverá considerar todos os custos e ônus, diretos e indiretos, decorrentes da operação.

Nessa linha de raciocínio, deve o órgão contratante aferir a real possibilidade de firmar um contrato com orçamento significativamente inferior, considerando, para tanto, o estágio das obras, as ofertas encontradas no mercado e circunstâncias outras que inevitavelmente interferirão na determinação dos preços.

Não se pode olvidar, ainda, que o contratado, em decorrência da rescisão unilateral da avença, fará jus, nos termos do art. 79, § 2º, da Lei 8.666/93, a indenização dos prejuízos que vier a sofrer. Está a Administração obrigada a indenizá-lo integralmente pelas perdas e danos acarretadas. Deverá ser determinado o montante de gastos e despesas praticados pela outra parte e estimar-se os lucros que apuraria na execução. O valor deverá ser ressarcido ao particular.  Não custa transcrever o dispositivo, em seu teor literal:

“§ 2º. Quando a rescisão ocorrer com base nos incisos XII a XVII do artigo anterior, sem que haja culpa do contratado, será este ressarcido dos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido, tendo ainda direito a :

I – devolução da garantia;

II – pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão;

III – pagamento do custo de desmobilização.”

Assim, a rescisão por inconveniência da contratação provoca, de modo inevitável, um prejuízo para a Administração Pública. As despesas já efetivadas anteriormente e a indenização devida ao particular acarretarão uma perda para o patrimônio público. Por isso, recomenda a doutrina mais abalizada que somente seja promovida a rescisão quando a continuidade da execução do contrato acarretar lesões ainda maiores.

Além disso, a realização de nova licitação imporá à Administração, inexoravelmente, uma série de ônus financeiros e administrativos, que devem, pois, ser cuidadosamente ponderados.

A teor do próprio comando normativo invocado, as razões ensejadoras da rescisão prematura do contrato devem ser de alta relevância e precisam estar rigorosamente demonstradas e justificadas no processo administrativo, o que evidencia a preocupação do legislador com a incolumidade do interesse público envolvido.

Ao exigir que as razões sejam de alta relevância, pretende a lei afastar alegações de somenos importância ou que traduzam um simples capricho do administrador. Impõe-se, pois, que se trate de questão de sobrelevada importância.

A Administração, portanto, deve ter absoluta segurança de que a rescisão atende ao interesse público e possibilitará a execução das obras em condições bem mais vantajosas para o erário.

Curial notar que se trata de situação que exige a máxima segurança e transparência, uma vez que uma decisão defeituosa de extinção de contrato administrativo, se gerar efeitos maléficos para os cofres públicos, pode vir a qualificar-se como uma das hipóteses de improbidade administrativa.

A rescisão deve ser precedida de todos os levantamentos necessários e que comprovem, dentro dos limites do conhecimento dominado, a efetiva necessidade de extinção do contrato.

Desta feita, caso a Administração, ao confrontar, de um lado, todos os custos que advirão do procedimento que pretende realizar, e de outro, o panorama financeiro do contrato vigente, constate que a manutenção deste significará considerável prejuízo para o erário público, a rescisão pretendida terá respaldo legal e merecerá prosperar.

Insta ressaltar, por fim, que a ao órgão jurídico cabe tão somente alertar a Administração quanto aos contornos jurídicos do tema, despejando luz sobre as exigências constitucionais e legais, falecendo-lhe atribuição e até mesmo conhecimento técnico para proceder à efetiva análise do panorama financeiro do contrato.

Destarte, para tomar a decisão de rescindir unilateralmente o contrato, devem os setores competentes embasar suas conclusões em um estudo detalhado do caso, instruindo, assim, substancialmente o processo administrativo, de maneira a não deixar dúvidas quanto ao acerto da medida.

 

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