Responsabilidade das pessoas jurídicas nos crimes econômicos


Porbarbara_montibeller- Postado em 26 abril 2012

Autores: 
PINTO, André Xavier Ferreira

RESUMO

Este artigo tem por objetivo analisar a questão da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, introduzida no ordenamento jurídico pela CR/88 e pela Lei nº 9.605/98 – Lei dos Crimes Ambientais, no âmbito dos crimes econômicos.

Palavras-chave: Responsabilidade penal das pessoas jurídicas – Lei 9.605/98 – Crimes Econômicos – Instituições Financeiras.

INTRODUÇÃO

A responsabilidade penal das pessoas jurídicas vem-se revelando um instrumento de real valia para o engajamento criminal dos verdadeiros responsáveis pela prática punitiva, fato reconhecido nos mais variados países do mundo civilizado (Estados Unidos da América, Canadá, Inglaterra, França, Holanda, Japão).[1]

Em se tratando de a punibilidade no Sistema Financeiro Nacional forçoso trazer à tona a discussão sobre a responsabilidade criminal das pessoas jurídicas.

O tema do engajamento deste tipo de responsabilidade penal é essencialmente complexo. "É uma verdadeira vexata quaestio saber se essa responsabilidade é efetivamente "penal", se devem ser responsabilizados "penalmente" só as pessoas jurídicas e as empresas ou, alternativamente, os gestores das mesmas pelos fatos formalmente cometidos por aquelas (ou se a responsabilidade seria dupla: dos responsáveis pelo ato criminoso e da pessoa jurídica"[2]

A Constituição Federal, é certo, em duas situações, cuidou da responsabilidade da pessoa jurídica (crimes econômicos e ambientais - CF, arts. 173, § 5º e 225, § 3º). Até agora apenas no que concerne aos crimes ambientais o assunto foi regulamentado (Lei 9.605/1998, art. 3º). Mas a doutrina até hoje discute se essa responsabilidade tem ou não o caráter "penal". No sentido negativo: Miguel Reale Júnior, José Cretella Júnior, Cezar Roberto Bitencourt, José Antonio Paganella Boschi, Luiz Vicente Cernichiaro etc.[3]

O Direito Econômico tem sido objeto de uma ampla reflexão graças à sua importância no mundo atual devido à sua forma multifacetária, em razão disso o delito econômico gera imprecisão e indefinição de seu objeto jurídico, que conduzem a um vago equilíbrio do sistema econômico, a uma genérica ordem pública.

No panorama delineado, constituído por uma complexidade organizacional, a de tecnologias avançadas, com facilidades de movimentação e transações financeiras, dificultam o rastreamento de operações que ocorrem por questões de segundos.

Na vida econômica, freqüentemente as infrações são obra de sociedades comerciais e industriais, cujo número e importância aumentam sem precedentes, o velho dogma de que a pessoa coletiva não passa de uma ficção, o que logicamente implicaria a irresponsabilidade penal da mesma, hoje é objeto de constante revisão por parte dos legisladores de diversos países.

Portanto, ante a fragilidade do Sistema Financeiro, fica patente a ineficácia e a impotência do nosso sistema penal, urge a necessidade de se legislar estritamente a punibilidade das pessoas jurídicas no âmbito do Direito Econômico, exigindo uma reformulação dos conceitos, a criação de novos modelos de combate ao crime, de tal forma a atingir eficazmente tanto os delitos humanos como os corporativos, aliada à tentativa de se reduzir, no seio da população, o sentimento disseminado de impunidade.

 

DA RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA NO ÂMBITO PENAL

Como dito, a responsabilização penal dos entes coletivos fomenta, ainda, amplo debate, coexistem correntes que: não admitem a responsabilização penal das pessoas jurídicas; dos que propõem a aplicação de medidas especiais; e os que consideram necessária a responsabilização penal.

A Constituição Federal, em dois dispositivos, adotou o engajamento penal das pessoas jurídicas.

São eles:

"Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme defini dos em lei.

[...]

§ 5o Alei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-se às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular."

"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

[...]

§ 3° As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

[...]"

Pelos artigos acima elencados, o legislador constituinte dispôs sobre a aplicação de sanções penais e administrativas às pessoas jurídicas que praticassem condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente

Todavia, a Constituição também revela, no primeiro dispositivo acima citado, a possibilidade de que as pessoas jurídicas poderão ser responsabilizada tanto no âmbito civil, administrativo e penal nas condutas lesivas à ordem econômico-financeira e à economia popular.

Sendo assim, podemos inferir, que a responsabilidade das empresas não se restringe à matéria ambiental, ausente ainda a regulamentação.

DA INADMISSIBILIDADE DA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL

 

Fundamentando-se no princípio Societas Delinquere Non Potest, na esteira da tradição do Direito Romano, a teoria ficção jurídica sustentada por Savigny, afirma que a pessoa jurídica tem existência fictícia e, portanto, não poderia delinqüir, seguida nesse ponto pelo Iluminismo, bem como pela Escola clássica.

Segundo esta teoria seria impossível processar criminalmente a pessoa jurídica, fundamentando-se na falta de capacidade de ação e de culpabilidade, e, principalmente, na função preventiva pena, uma vez que a pessoa jurídica é incapaz de entender a mensagem da norma.

Facilmente alguns princípios podem ser invocados para ilidir a responsabilidade penal: – o "princípio da personalidade das penas", pelo qual só se pune o autor material do ato criminoso; – o "princípio da individualidade da responsabilidade criminal", que só atribui a responsabilidade criminal única e individualmente aos autores das infrações ou; – o "princípio da intransmissibilidade da pena e da culpa", que impede que as penas se extrapolem, atingindo pessoas que não os praticantes da conduta criminosa.[4]

É da tradição do nosso Direito penal a responsabilidade subjetiva, por conseqüência lógica, os princípios da responsabilidade pessoal, subjetiva, da culpabilidade, da personalidade da pena, em tese, não se compatibilizariam com a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

No Brasil, vários pensam dessa forma: Pierangelli, René Dotti, Régis Prado, Silva Franco, Tourinho Filho, R. Delmanto, Mestieri, Toledo. A título de exemplo. Sobre o tema, Miguel Reale Júnior (2001, p. 138), sustenta faltar à pessoa jurídica capacidade para responder criminalmente, sendo suficiente a punição por via administrativa.[5]

DA INTRODUÇÃO DA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DA PESSOA JURÍDICA EM NOSSO ORDENAMENTO

Em atenção ao disposto no art. 225, , §3º, da CF/88a, a Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1988, veio a regular a responsabilidade penal das pessoas jurídicas no âmbito ambiental em vários dispositivos, em especial no art. 3º, caput.

In verbis:

"Art. 3o As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade."

Referida legislação estabeleceu, a responsabilidade da pessoa jurídica, rompendo com o clássico princípio societas delinquere non potest.

Na esteira desta proposta, podemos invocar a teoria da realidade ou da personalidade real, sustentada, sobretudo, por Otto Gierke, que asseverava a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, reconhecendo nela a capacidade de atuação (societas delinquere potest). No Brasil, no mesmo sentido: Sérgio S. Shecaira, Paulo Affonso Machado, Vladimir Passos e Gilberto Passos, Edis Milaré, Damásio de Jesus etc.[6]

DA NECESSIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DA PESSOA JURÍDICA NO ÂMBITO DO DIREITO ECONÔMICO

O enfrentamento adequado da criminalidade exige normas especiais para imputação, sob pena de ineficácia do Direito Penal. O Direito Penal, dada à relevância dos bens jurídicos que tutela necessita de uma regulamentação especial do tema, não se pode aceitar que os figurantes das infrações penais sejam os únicos responsabilizados, deixando à margem os protagonistas.

Moraes Filho, sobre o tema, afirma que "[...] há uma tendência universal no sentido de responsabilizar a pessoa jurídica de uma ou de outra forma; isto partindo da constatação de que 75% dos casos mais graves de delinqüência econômica se realizam sob a cobertura de entes coletivos".[7]

Não obstante a alteração legislativa da redação original do do art. 173, § 5º, da CF/88, cuja redação original previa o seguinte: "lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos integrantes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade criminal desta".

A opção legislativa não significou a exclusão da responsabilidade penal. não sendo possível, na visão de Fausto de Sanctis (2003, p. 141),  desprezar a real intenção do legislador constituinte, verificável pela ratio legis e não apenas com uma discutível interpretação sistemática que visa abolir determinação expressa.

Cumpre ressaltar que no Direito comparado, são muitos os países que já adotam a responsabilidade penal da pessoa jurídica, dentre eles o sistema inglês, bem como o sistema francês atual. Desde 1994 admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica, tendo o legislador feito várias reformas penais e processuais ad hoc, com o escopo de viabilizar essa responsabilização.[8]

O considerável desenvolvimento das atividades delituosas das associações comerciais, industriais ou financeiras colocam angustiantes problemas aos legisladores preocupados com a proteção da sociedade contra a criminalidade ascendente desses grupos.

Assim, em atenção ao texto constitucional, aos moldes da responsabilidade das pessoas jurídicas nos crimes ambientais, os agentes do Sistema Financeiro Nacional, também devem estar sujeitos à legislação penal.

Desta forma, as empresas poderão responder como autoras ou partícipes de uma infração criminal nas condições estabelecidas pelo direito penal comum, independentemente de seus dirigentes, coibindo ações delitivas por parte destas instituições amplamente globalizadas.

CONCLUSÃO

A experiência tem demonstrado a ineficácia administrativa ao enfrentar os atos praticados pelas pessoas jurídicas; agravada pela falta de fiscalização e impunidade administrativa.

A responsabilidade criminal, cumulada com a administrativa ou cível, permite uma repressão mais justa, principalmente quando identificada a pessoa jurídica responsável e o autor que realizou o ato delitivo.

O que se pretende com este trabalho é chamar atenção ao legislador para a criação de normas especiais e o estudo aprofundado do tema, com escopo de estabelecer este tipo de responsabilização criminal, de modo a responsabilizar todos os verdadeiros responsáveis pela infração, sejam elas pessoas físicas ou jurídicas, ante a fragilidade do Sistema Financeiro, resta patente a ineficácia e a impotência do nosso sistema penal, sendo necessário legislar estritamente a punibilidade das pessoas jurídicas no âmbito do Direito Econômico, exigindo uma reformulação dos conceitos e a criação de novos modelos de combate ao crime.

BIBLIOGRAFIA

De Sanctis, Fausto. Punibilidade no Sistema Financeiro Nacional, Campinas, SP: Millennium, 2003

Cf. MIR PUIG, S. Derecho penal: parte general, 8ª Ed. Reppertor, Barcelona, 2008

GOMES, Luiz Flávio. Responsabilidade "penal" da pessoa jurídica. Disponível em: http://www.blogdolfg.com.br.24 setembro. 2007.

MACKENZIE. A responsabilidade penal da pessoa jurídica. Lucia Reiko Sakae. http://www.mackenzie.br/fileadmin/Pos_Graduacao/Mestrado/Direito_Politic....

REALE JÚNIOR, Miguel. A responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: PRADO, Luiz Regis (Coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. São Paulo: R. dos Tribunais, 2001.

MORAES FILHO, Ântonio Evaristo. Habeas Corpus – Crime de gestão frandulenta de instituição financeira. Revista Brasileira de Ciências Penais Criminais. São Paulo: RT, nº 20 out/dez 1997.

PRADO, L. Régis. Curso de Direito penal brasileiro. . 8. ed. São Paulo. Revista dos Tribunais,. 2008.

[1]De Sanctis, Fausto. Punibilidade no Sistema Financeiro Nacional, Campinas, SP: Millennium, 2003, p. 153

[2]Cf. MIR PUIG, S. Derecho penal: parte general, cit., p. 97.

[3]GOMES, Luiz Flávio. Responsabilidade "penal" da pessoa jurídica. Disponível em: http://www.blogdolfg.com.br.24 setembro. 2007.

[4]MACKENZIE. A responsabilidade penal da pessoa jurídica. Lucia Reiko Sakae

[5]REALE JÚNIOR, Miguel. A responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: PRADO, Luiz Regis (Coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. São Paulo: R. dos Tribunais, 2001. p. 137-139.

[6]GOMES, Luiz Flávio. Responsabilidade "penal" da pessoa jurídica. Disponível em: http://www.blogdolfg.com.br.24 setembro. 2007.

[7]MORAES FILHO, Ântonio Evaristo. Habeas Corpus – Crime de gestão frandulenta de instituição financeira. Revista Brasileira de Ciências Penais Criminais. São Paulo: RT, nº 20 out/dez 1997.

[8]  Sobre os sistemas inglês e francês cf. PRADO, L. Régis. Curso de Direito penal brasileiro, cit., p. 228 e ss.