Segurança e controle judicial de políticas públicas


Porbarbara_montibeller- Postado em 27 março 2012

Autores: 
PESSOA, Flávia Pessoa
OLIVEIRA, Victor Lisboa

SUMÁRIO

 

1. Introdução. 2- Definição e conteúdo dos direitos fundamentais. 2 – A segurança pública enquanto direito fundamental .3 – Direitos Fundamentais e controle judicial de políticas públicas  . 4-Controle judicial de políticas públicas na área de segurança . 5 Conclusões. 6.  Referências bibliográficas.

RESUMO

 

O artigo aborda a possibilidade de concretização judicial do direito fundamental à segurança pública através do viés da hermenêutica constitucional concretizadora dos direitos fundamentais.

PALAVRAS CHAVE: segurança pública, direitos fundamentais, controle judicial.

1 - INTRODUÇÃO

 

O presente artigo visa a analisar a questão da efetivação judicial do  direito à segurança  Para tanto, apresenta uma parte inicial em que são analisados os critérios definidores do conceito e conteúdo dos Direitos Fundamentais, bem como é  apontado o conteúdo jurídico  do Direito Fundamental à segurança. Numa segunda parte, o artigo discorre sobre o controle judicial da efetivação de políticas públicas de forma geral e especificamente sobre o controle judicial de políticas públicas na área de segurança.   Por fim, no tópico relativo às considerações finais, são elencados os pontos principais do texto.

 

 

2- DEFINIÇÃO E CONTEÚDO DOS DIREITO FUNDAMENTAIS

 

A conceituação do que sejam direitos fundamentais é particularmente difícil, tendo em vista a ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem no envolver histórico.  Aumenta essa dificuldade, o fato de se empregarem várias expressões para designá-los, como “direitos naturais”, “direitos humanos”, “direitos públicos subjetivos”, “liberdades fundamentais”  [1] etc.

A expressão direitos fundamentais, consoante assinala José Afonso da Silva (2005, p. 56) não significa esfera privada contraposta à atividade pública, mas sim “limitação imposta pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado que dela dependem”. Da definição exposta pelo autor, verifica-se sua posição no sentido de limitar a expressão ao campo de abrangência da proteção dos particulares contra o Estado.

Uma noção mais atualizada dos direitos fundamentais, porém, conduz à conclusão de que estes representam a constitucionalização dos direitos humanos que gozaram de alto grau de justificação ao longo da história e que são reconhecidos como condição para o exercício dos demais direitos.  Haveria, dessa forma, “um conteúdo mínimo de direitos fundamentais que caracterizam o direito de um Estado Democrático” (SAMPAIO, 2006, p. 17).

Segundo José Afonso da Silva (2005, p. 58), os direitos fundamentais teriam os seguintes caracteres: a) historicidade; b) imprescritibilidade; c) irrenunciabilidade.  São, assim, os direitos fundamentais históricos, o que rechaça qualquer fundamentação no direito natural.  São imprescritíveis dada a sua natureza de direitos personalíssimos de natureza, em geral, de conteúdo não patrimonial; são, por fim, irrenunciáveis, embora possam deixar de ser exercidos.

Quanto ao conteúdo dos direitos fundamentais, esse foi sendo paulatinamente alterado, a partir da verificação do seu caráter histórico.  Com efeito, consoante assinala Canotilho (1989, p. 425), os direitos fundamentais “pressupõem concepções de Estado e de Constituição decisivamente operantes na atividade interpretativo-concretizadora das normas constitucionais”. 

Inicialmente, no constitucionalismo liberal, os direitos fundamentais eram considerados os direitos de liberdade do indivíduo contra o Estado, constituindo-se essencialmente nos direitos de autonomia e defesa.  Os postulados desta teoria liberal vêm bem expostos por Canotilho (1989, p. 426) que aponta os seguintes: 1) os direitos fundamentais são direitos do particular contra o estado; 2) revestem concomitantemente o caráter de normas de distribuição de competências entre o indivíduo e o Estado; 3) apresentam-se como pré-estaduais, sendo vedada qualquer ingerência do Estado; 4) a substância e o conteúdo dos direitos fundamentais, bem como sua utilização e fundamentação, ficariam fora da competência regulamentar do Estado; 5) a finalidade e o objetivo dos direitos fundamentais é de natureza puramente individual.

A teoria da ordem dos valores, associada à doutrina de Smend e à filosofia de valores, definia os direitos fundamentais como valores de caráter objetivo, o que levava a conseqüências indicadas por Canotilho (1989, p. 427): 1) o indivíduo deixa de ser a medida dos direitos, pois os direitos fundamentais são objetivos; 2) no conteúdo essencial dos direitos fundamentais está compreendida a tutela de bens de valor jurídico igual ou mais alto.; 3) através da ordem de valores dos direitos fundamentais respeita-se a totalidade do sistema de valores do direito constitucional; 4) os direitos fundamentais só podem ser realizados no quadro dos valores aceitos por determinada comunidade; 5) a dependência do quadro de valores leva à relativização dos direitos fundamentais; 6) além da relativização, a transmutação dos direitos fundamentais em realização de valores justifica intervenções concretizadoras dos entes públicos, de forma a obter eficácia ótima dos direitos fundamentais.

A teoria institucional dos direitos fundamentais, capitaneada por Peter Haberle parte da afirmação de que os direitos fundamentais não se esgotam em sua vertente individual, mas possuem um caráter duplo, ou seja, individual e institucional.  Cabe, desse modo, à teoria, “o mérito de ter salientado a dimensão objetiva institucional dos direitos fundamentais” (CANOTILHO, 1989, p. 428) embora se esqueça de outras dimensões dos direitos fundamentais, como a esfera social.

A teoria social dos direitos fundamentais parte da tripla dimensão destes direitos: individual; institucional e processual.  Essa dimensão processual “impõe ao Estado não só a realização dos direitos sociais, mas permite ao cidadão participar da efetivação das prestações necessárias ao seu livre desenvolvimento” (SAMPAIO, 2006, p. 30).

A teoria democrática funcional defende que os direitos são concedidos aos cidadãos para serem exercidos como membros da comunidade e no interesse público.  Por outro lado, consoante ressalta Canotilho (1989, p. 429) “a liberdade não é a liberdade pura e simples, mas a liberdade como meio de prossecução e segurança do processo democrático, pelo que se torna patente o seu caráter funcional”.  A teoria parte assim da idéia de um cidadão ativo, com direitos fundamentais colocados a serviço do princípio democrático.

 

3 – A SEGURANÇA PÚBLICA ENQUANTO DIREITO FUNDAMENTAL

De acordo com a teoria do contrato social de Rosseau, para viver em sociedade cada pessoa abdica de parcela de sua liberdade para poder tornar a convivência harmoniosa. Nessa linha, essa fração da liberdade que foi abdicada é passada ao Estado, a quem cabe o monopólio do uso da força para efetuar o controle social. Esse ato individual de disposição – ainda que parcial – de um direito seu, gera para o Estado a obrigação de fazer o uso adequado das funções que lhes são incumbidas.  Silva Júnior destaca de forma brilhante a instrumentalidade desse sacrifício:

Com efeito, toda a base de contenção social se sustenta na necessidade de contenção das liberdades individuais por um poder político. Beccaria já adverte que Ninguém faz graciosamente o sacrifício de uma parte de sua liberdade apenas visando o bem público e mais, Fatigados de viverem apenas em meio a temores e de encontrar inimigos em toda a parte, cansados de uma liberdade cuja incerteza de a manter tornava inútil, sacrificaram uma parte dela para usufruir do restante com mais segurança.(SILVA JÚNIOR, 2004).

Assim, tem-se que a partir do momento em que cada cidadão mitiga o seu direito à liberdade e confere ao Estado a missão de zelar pelo bem-estar e segurança de todos, este tem a obrigação de fazê-lo. A omissão estatal revela-se um desrespeito ao sacrifício dos sujeitos, que se mostra um esforço em vão.

É necessário, portanto, que o Estado domine uma estrutura orgânica de contenção dos desvios comportamentais a fim de alcançar a finalidade a que se propõe. No Brasil, a atividade policial destinada a prevenir e efetuar a segurança ostensiva cabe à Polícia Militar, enquanto à Polícia Civil e  à Polícia Federal cabe a atividade de polícia judiciária.

A Carta Magna definiu a Segurança como um direito social a ser concretizado pelo Estado, de modo a garantir que seus cidadãos possam viver com dignidade, ter plena liberdade de ir e vir, garantindo-lhes a integridade física, psíquica e moral através de todos os mecanismos que estejam ao alcance.

É notório que no Brasil o direito à Segurança ficou restrito à Constituição, um direito previsto no papel, mas que o mundo real não conhece. Avultam os casos bárbaros que são transmitidos diariamente nos noticiários do país, tais como o assassinato da missionária Dorothy Stang, a morte do menino João Hélio, execuções na capital paulista, dentre outros. Muitos desses delitos revelam a fragilidade do sistema de repressão criminal brasileiro. Essa situação faz com que se faça necessária a atuação judicial a fim de suprir a falha do Poder Executivo no cumprimento de seu mister.

CASTRO, em seu artigo dedicado à análise da segurança pública sob o enfoque da hermenêutica constitucional, sustenta que o problema da violência no Brasil é tão grave que se caracteriza como elemento inviabilizador do desenvolvimento.

No contexto brasileiro, portanto, a ausência ou a insuficiência da concretização do direito à segurança pública assume tanto um caráter inviabilizador de desenvolvimento econômico e humano, como igualmente obsta a realização de outros direitos fundamentais, razão pela qual o seu exame se faz imprescindível para o cumprimento do ideal democrático. (CASTRO, 2009. p. 44)

Apesar disso, tem que se destacar que por ser a segurança pública um tema de alto relevo e grande impacto social, a sua concretização envolve diversos aspectos e não se trata de uma simples questão de estruturação os órgãos policiais. As questões sociais estão visceralmente ligadas ao problema da violência e da criminalidade, de modo que sua solução deve passar principalmente por esse viés. O aparato policial, por seu turno, tem o condão de prevenir o cometimento de delitos, efetuar a captura daqueles que porventura cometam alguma infração penal, bem como servir de desestímulo à prática criminosa.

A complexidade de solucionar o problema fica evidente quando se percebe que, de acordo com os dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, nos últimos anos houve um aumento do investimento que veio acompanhado de uma expansão da violência nas grandes cidades (BOTTOM, 2007). A ressalva que se faz aqui é que a solução não diz respeito somente ao aumento e melhoria do aparato social; antes, é uma questão social que se resolve com medidas diversas, tais como melhorias nas áreas básicas da saúde, educação e saneamento básico.

 

 

3 – DIREITOS FUNDAMENTAIS E CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Expostas as teorias que pretendem fixar o conteúdo dos direitos fundamentais, importa destacar a classificação dos direitos fundamentais procedida por Ingo Sarlet (2006, p. 194) que divide os direitos fundamentais em dois grupos: direitos fundamentais como direitos de defesa e direitos fundamentais como direitos a prestações. Esse último grupo, por seu turno, subdivide-se em direitos a prestações em sentido amplo, direitos à proteção, direitos a prestações em sentido estrito – direitos sociais - e direitos à participação na organização e procedimento.

A primeira divisão apontada, relativa aos direitos de defesa e direitos a prestações, parte da clássica distinção efetivada pela doutrina.  Com efeito, os direitos fundamentais de defesa se dirigem a uma obrigação de abstenção por parte dos poderes públicos, que deverá respeitar os direitos individuais. Por outro lado, os direitos fundamentais a prestações implicam uma postura ativa do Estado, que é obrigado a colocar a disposição dos indivíduos prestações de natureza jurídica e material(SARLET, 2006.  p. 216). 

Em relação aos direitos de defesa, esses abrangem não somente os tradicionais direitos de liberdade e igualdade, como também os direitos à vida, à propriedade, às liberdades fundamentais de locomoção, de consciência, de manifestação de pensamento, de imprensa e de associação, além dos direitos que irradiam da personalidade, da nacionalidade e da cidadania, bem como os direitos coletivos.

Em relação aos direitos fundamentais como prestações, estes se encontram vinculados à concepção de que ao Estado incumbe colocar à disposição os meios materiais e implementar as condições que possibilitem o efetivo exercício das liberdades fundamentais.   Dentro da subdivisão, efetivada por Sarlet (2006, p. 221) entre direitos a prestações em sentido amplo e estrito, tem-se que, segundo o autor, na rubrica de direitos a prestações em sentido amplo enquadram-se todos os direitos fundamentais de natureza tipicamente (ou, no mínimo, predominantemente) prestacional que não se enquadram na categoria de direitos de defesa. Quanto aos direitos a prestações em sentido estrito, Sarlet (2006, p. 221) aponta que estes se reportam à atuação dos poderes públicos como expressão do Estado Social.  Trata-se, por outro lado, de direitos a prestações fáticas que o indivíduo, caso dispusesse de recursos necessários, poderia obter através de particulares. São, assim, os chamados direitos fundamentais sociais.

Voltando-se aos direitos fundamentais a prestação em sentido amplo, Sarlet (2006, p. 222) destaca os direitos à proteção, que seriam aqueles que outorgam ao indivíduo o direito de exigir do Estado que este o proteja contra ingerências de terceiros em determinados bens pessoais.

 Há, também, a dimensão dos direitos fundamentais de participação na organização e procedimento. Tal dimensão, além de outorgar legitimidade ao Estado Democrático de Direito, ao tempo em que assegura uma democracia com elementos participativos. Neste aspecto, Sarlet (2006, p. 226) afirma que importantes liberdades pessoais somente atingem um grau de efetiva realização no âmbito de uma cooperação por parte de outros titulares de direitos fundamentais, implicando prestações estatais de cunho organizatório.

Ressalte-se, porém, como faz Andréas Krell (1999. p. 245) que a doutrina moderna dá ênfase em afirmar que qualquer direito fundamental contém, ao mesmo tempo, componentes de obrigações positivas e negativas para o Estado. Desta forma, a tradicional diferenciação entre os direitos “da primeira” e os “da segunda” geração seria meramente gradual, mas não substancial, uma vez que muitos dos direitos fundamentais tradicionais seriam reinterpretados como sociais, perdendo sentido, assim, as distinções rígidas.

Nesse contexto das obrigações positivas do estado, surge a questão do controle judicial de políticas públicas., o que significa debater sobre a possibilidade de proteger-se juridicamente o instrumento de concretização dos direitos prestacionais.

 O termo políticas públicas refere-se à atividade, ao fazer estatal, direcionado à, direta ou indiretamente, consecução dos direitos fundamentais. Com tal objetivo, são estabelecidas através de atos do Legislativo e do Executivo porém com tais atos não se confundem: as políticas públicas se identificam na atuação estatal em si mesma, exista, ou não, legislação, ato normativo ou administrativo apontando na direção de constituição de tais medidas.

Neste sentido, falar-se em controle judicial de políticas públicas significa ter o Judiciário opinando diretamente sobre uma atuação ou omissão estatal (JORGE NETO, 2009, p.54).

 Tal questão enfrenta diversos obstáculos à sua consecução, sendo argumentos contrários à concretização judicial dos direitos sociais, segundo George Marmelstein Lima (2005, p.08), a vagueza do conteúdo da norma, o dogma da vedação da atuação do juiz como legislador positivo, a necessidade de previsão orçamentária para realização de despesas públicas, a discricionariedade da Administração, a natureza meramente programática dos direitos sociais e a impossibilidade do controle judicial das questões políticas.

Apesar dessas dificuldades, a jurisprudência já tem sinalizado pela possibilidade de o Judiciário intervir a fim de concretizar as políticas públicas contempladoras de direitos fundamentais. O Superior Tribunal de Justiça, confrontando a possibilidade de efetuar matrícula de criança menor de seis anos em escola, decidiu no REsp 753.565/MS que a partir do momento em que a Constituição consagra a Educação como um direito social, esta passa a ser direito subjetivo de todo o seu público alvo[2].

Superadas tais limitações, pode-se dizer que a doutrina nacional atualmente também se direciona no sentido da força normativa da Constituição. De uma forma geral, enquadrando o caso na “reserva do possível”, isto é, sendo razoável o sacrifício de recursos exigido pela coletividade em prol da efetivação de determinado direito social, o Judiciário poderá exigir a sua concretização pelo Poder Público. Não há que se negar que o dispositivo impresso no art. 5º, §1º da CF/88, que trata da aplicabilidade direta e imediata das normas de direitos e garantias fundamentais, se aplica também ao aos direitos sociais, econômicos e culturais. Segundo Gilmar Mendes (apud. MARMELSTEIN, 2005, p.108), “a submissão dessas posições a regras jurídicas opera um fenômeno de transmutação, convertendo situações tradicionalmente consideradas como de natureza políticas em situações jurídicas.” O nó górdio da questão está em definir em que medida estes direitos podem ser judiciáveis, tendo em vista as diversas limitações.

 

4– CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DE SEGURANÇA

Partindo-se do pressuposto que a segurança é um direito social constitucionalmente garantido, ele deve ser concretizado a fim de imprimir efetividade aos mandamentos da Carta Magna. Ante a omissão estatal de implementar determinado direito fundamental, já se demonstrou no presente trabalho que cabe ao Poder Judiciário fazê-lo, sem que esta interferência seja considerada uma intromissão odiosa, um desrespeito à tripartição de poderes.

Ao anotar a diferença entre direitos e garantias, no texto constitucional, registra Rui Barbosa que aqueles são expressão de disposições meramente declaratórias, que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, enquanto estas são expressão de disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder.(2) Tal enfoque, no entanto, já não corresponde ao moderno constitucionalismo, em que as garantias não resultam apenas de limitações do poder estatal, impondo-se, antes, como prestações positivas por parte do Estado, na adoção de verdadeiras políticas públicas de segurança, tendentes a assegurar o seu efetivo (e não virtual) exercício dos direitos (ALVIM, 2003).

Patente a necessidade de concretização da garantia constitucional da segurança, a discussão surge, então, sobre a forma como deve ser solucionado o problema da violência a fim de garantir a segurança dos cidadãos. A solução não depende única e exclusivamente de uma atuação eficiente das polícias, sendo patente que a eliminação – ou ao menos a redução – da desigualdade social  é medida necessária, principalmente no caso brasileiro.

Por outro lado, a incompetência, a falta de estrutura das agências políciais e o despreparo de seus componentes serve como um fator de redução da repressão mental, do freio psicológico imposto ao cometimento de delitos. Como regra, a pessoa que pretende praticar uma conduta criminosa acredita que ficará impune após o crime. Um aparato policial ineficiente faz com que essa sensação de impunidade se perpetue e, como conseqüência, haja um aumento nas taxas de criminalidade.

Um ponto que merece destaque é que por mais preparada e mais bem equipada que esteja a polícia, não há como impedir de forma absoluta as práticas criminosas, devendo se esforçar para evitá-los. A idéia de que a força policial pode fazer com que inexistam crimes só existe as telas do cinema e nas páginas dos livros de ficção. No mundo real não existem mecanismos capazes de prever a ação delitiva, de modo que por mais eficiente que seja o Poder Público, este não consegue zerar o número de crimes praticados.

Assim, a concretização do direito à Segurança não corresponde ao desaparecimento das condutas criminosas, mas sim à adoção de todas as medidas que estiverem à disposição do Estado em um dado momento. A dificuldade surge diante do questionamento: quais são os mecanismos disponíveis? Os métodos adotados pelo Estado são os mais adequados?

Deve haver um cuidado por parte dos operadores do direito a fim de evitar que o Executivo se torne refém do Judiciário, de modo que este passe a nortear as políticas de segurança pública a serem adotadas por aquele. No entanto, a atuação do poder jurisdicional deve se fazer presente nos momentos em que for constatada uma omissão estatal na implementação do direito social à segurança, haja vista que aí está flagrante e incontroverso o desrespeito à Carta Magna, de modo que é legítimo que o Poder Judiciário interfira para concretizá-lo.

Apesar de o tema aqui abordado ainda ser incipiente, o Judiciário brasileiro já vem sinalizando que pode interferir nos atos do Executivo para garantir a concretização do direito social à segurança. O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 831.015/MT determinou que fosse realizada fiscalização prévia pela polícia militar e corpo de bombeiros em local destinado a evento público a fim de garantir a segurança dos cidadãos presentes.

A Corte Superior, na análise do REsp 721.119/RS,também já decidiu pela impossibilidade de ser cortada a iluminação pública das vias em decorrência de pagamento, tendo em vista que tal situação acarretaria num aumento da criminalidade em prejuízo do direito consagrado à Segurança. De acordo com o dispositivo

... a iluminação pública é serviço essencial ao bem-estar e segurança da população, que não pode ser punida com o corte, pois é ela que, ao fim e ao cabo, sofrerá o ônus. É o cidadão, que paga seus tributos regularmente, que será penalizado. Não se pode olvidar, ainda, que se trata de uma concessão do serviço que deveria, sim, ser prestado pelo Estado. Por razões que ora não importam, o Estado concede a um particular a prestação deste serviço. E o fornecedor, no caso, dispõe dos mecanismos legais para se ressarcir, que é a ação de cobrança, não podendo lançar mão de meios nitidamente coercitivos para tanto.(...) (BRASIL, 2006).

Assim, por ser a iluminação pública necessária à segurança, o Estado – através de sua concessionária – foi compelido a restabelecê-la a fim de garantir, dentre outras coisas, a incolumidade dos cidadãos. Percebe-se, portanto, que já indícios de mudanças na mentalidade tradicional e que se aceita a possibilidade da concretização do direito social à segurança pelo Poder Judiciário.

Entretanto, é preciso estabelecer de forma clara a distinção entre concretização do direito à segurança da reparação que porventura possa ser decorrente. O direito à Segurança, conforme já elucidado, diz respeito à garantia de adoção das medidas eficazes a fim de garantir a incolumidade física e psíquica dos cidadãos. Caso essas medidas não sejam tomadas pelo Estado e alguma pessoa sofrer danos por conta dessa omissão estatal, surge o direito à reparação. São institutos jurídicos distintos: o primeiro é o direito material, enquanto o segundo corresponde à indenização por dano decorrente do descumprimento. 

Interessa ao cidadão é o elemento que funda a norma constitucional a garantia da segurança. Não basta que o Judiciário garanta o direito à reparação, é preciso que seja facultado ao jurisdicionado que obtenha o seu direito concreto: a segurança, e não só a reparação quando esse direito já foi violado.

Já se passou o tempo em que a função jurisdicional tinha como preocupação primeira a reparação dos danos que eventualmente fossem causados. A tendência atual é conferir ao judiciário a defesa da tutela específica a fim de resguardar o bem da vida objeto do litígio. No caso do presente estudo, o bem jurídico tutelado é a segurança, de modo que é ela que deve ser implementada, não devendo o Juiz esperar o cometimento de algum dano concreto para depois repará-lo ou amenizá-lo.

A Constituição, ao estabelecer o Direito à Segurança não quis prever a possibilidade de indenização para a família de um cidadão que foi assassinado dentro de um ônibus numa linha que é assaltada de forma contumaz. O que a Carta Maior pretende é assegurar a todos o direito à segurança, de modo a permitir que aquele cidadão utilize o transporte público de modo seguro, sem medo, e chegue incólume ao seu lar.

A atividade Jurisdicional deve ser voltada ao atendimento dos mandamentos constitucionais visando à sua máxima efetividade. A segurança deve ser encarada pelo Judiciário como direito fundamental que é, de modo que deixe de ser um sonho constitucional e passe a ser uma realidade cotidiana. Se o Poder Executivo não cumpre de forma adequada o seu mister, o Judiciário não pode se furtar da sua missão de concretizador supletivo da vontade constitucional.

 

5- CONCLUSÕES

O presente artigo partiu do pressuposto teórico segundo o qual os direitos fundamentais impõem ao Estado a realização dos direitos sociais, bem como facultam ao cidadão a possibilidade de buscar sua concretização.

A Constituição de 1988 estabeleceu a Segurança como um direito social a ser efetivado pelo Estado, de modo a garantir que seus cidadãos possam viver com dignidade, ter plena liberdade de ir e vir, garantindo-lhes a integridade física, psíquica e moral através de todos os mecanismos que estejam ao alcance.

A partir do momento em que cada cidadão abre mão de parcela de sua liberdade e confere ao Estado a missão de zelar pelo bem-estar e segurança de todos, este tem a obrigação de fazê-lo. A omissão estatal revela-se um desrespeito ao sacrifício dos sujeitos, que se mostra um esforço em vão. Desse modo, fica evidente a responsabilidade do Judiciário em fazer valer a vontade constitucional, compelindo o Estado a sair da inércia e adimplir os direitos que porventura estiverem sendo desatendidos.

A segurança, como explicitado no presente texto, é um direito social constitucionalmente garantido, de modo que deve ser concretizado a fim de imprimir efetividade aos mandamentos da Carta Magna. Tal efetivação não se mostra uma ruptura na tripartição de poderes, sendo plenamente viável em casos que a omissão estatal se revela prejudicial aos cidadãos. Os exemplos elencados aqui foram elucidativos ao ilustrar situações concretas em que o Judiciário atuou de forma a tornar a vida dos jurisdicionados mais segura: em um, o Município foi compelido a vistoriar e fornecer suporte policial a um determinado evento público; no outro o fornecimento de iluminação pública foi restabelecido a fim de evitar que a escuridão aumentasse os índices de criminalidade na localidade atingida.

Percebe-se, portanto, que a concretização do direito à Segurança é plenamente factível e já tem sido realizada por segmentos do Judiciário. Essa efetivação  não significa – nem poderia – o desaparecimento das condutas criminosas, mas corresponde à adoção de todas as medidas que estiverem à disposição do Estado em um dado momento.

É importante que o Estado garanta ao cidadão o elemento que funda a norma constitucional da garantia da segurança. Não basta que o Judiciário garanta o direito à reparação, é preciso que seja facultado ao jurisdicionado que obtenha o seu direito concreto: a segurança, e não só a reparação quando esse direito já foi violado.

A atuação do Judiciário a fim de implementar o direito social à Segurança pode imprimir maior efetividade ao texto da Carta Cidadã na busca pela Justiça.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1]Consoante assinala Virgílio Afonso da Silva (2005, p. 55) a expressão direitos naturais refere-se “àqueles inerentes à natureza do homem; direito inatos que cabem ao homem só pelo fato de ser homem”.   Já direitos humanos é a expressão preferida nos documentos internacionais, sendo terminologia pouco usada na doutrina, salvo para referir-se aos direitos civis ou liberdades civis.  Os direitos públicos subjetivos constituem “um conceito técnico-jurídico do Estado Liberal, preso, como a concepção direitos individuais, à concepção individualista do homem (SILVA, 2005, p. 55). Liberdades fundamentais ou liberdades públicas são expressões ligadas à concepção dos direitos públicos subjetivos e direitos individuais”.

[2]Nos termos do dispositivo prolatado pelo eminente Ministro relator Dr. Luiz Fux: Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem  vãs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano. Prometendo o Estado o direito à creche, cumpre adimpli-lo, porquanto a vontade política e constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad Hesse, foi no sentido da erradicação da miséria intelectual que assola o país.O direito à creche é consagrado em regra com normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado.6. Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-se,  pelo outro ângulo, o direito subjetivo da criança. Consectariamente, em função do princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todas as crianças nas condições estipuladas pela lei encartam-se na esfera desse direito e podem exigi-lo em juízo. A  homogeneidade e transindividualidade do direito em foco enseja a propositura da ação civil pública. 7. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea. (BRASIL, 2007)