Temas Constitucionais: previsão, na Constituição, de "período legislativo" (seu fundamento); competência a legislar sobre direito penitenciário; quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico determinado pelas CPIs


Porvinicius.pj- Postado em 06 dezembro 2011

Autores: 
DINAMARCO, Tassus

 

Universidade Católica de Santos. Dir. Proc. Constitucional. Especialização lato sensu – 2008.

Prof. Ricardo Cury

Aluno Tassus Dinamarco

Temas constitucionais do dia 29.09.08: a) previsão, na Constituição, de “período legislativo” (seu fundamento); b) competência a legislar sobre direito penitenciário; c) quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico determinado pelas CPIs.

R.

a) Interpretando o Direito Positivo, André Ramos Tavares diz que “A Constituição declara, expressamente, que cada legislatura tem a sua duração de quatro anos (parágrafo único do art. 44). A legislatura corresponde ao período de tempo destinado ao exercício de mandato parlamentar. Já a sessão legislativa está referida no art. 57 e § 2° da C.F., que estabelecem claramente que compreende o período de tempo que vai de 15 de fevereiro a 30 de junho e de 1° de agosto a 15 de dezembro*. É o período de trabalho durante o mandato parlamentar (legislatura) renovável a cada ano até o término da respectiva legislatura. Trata-se da sessão (legislativa) ordinária. Contudo, pode ocorrer convocação extraordinária do Congresso Nacional, ou seja, o interesse público pode exigir a presença dos parlamentares fora da referida sessão legislativa, acima indicada. Trata-se, agora, da sessão extraordinária (§ 6° do art. 57 da C.F.)” (CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL. Saraiva: SP, 2002, p. 795). *Ainda não tinha sido instituída a EC n° 50/06, daí a referência do autor ao período de recesso parlamentar mais dilatado e segundo o regime vigente na época.

Correlacionando os institutos levantados em aula, diz o texto de primeiro grau do § 4º do art. 58 da Constituição: “Durante o recesso, haverá uma Comissão representativa do Congresso Nacional, eleita por suas Casas na última sessão ordinária do período legislativo, com atribuições definidas no regimento comum, cuja composição reproduzirá, quanto possível, a proporcionalidade da representação partidária”. Tomo de ossatura a definição jurídica da sessão legislativa ordinária para posteriormente adequar a locução “período legislativo” em seu fundamento constitucional. Sabe-se que a EC n° 50/06 deu nova redação ao art. 57 da CRFB, nestes termos: “O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1.° de agosto a 22 de dezembro”. Nesse ínterim, chamado de sessão legislativa, os parlamentares se reúnem ordinariamente, afirma Pedro Lenza, para quem fora desse período, ou seja, de 18 a 31 de julho e de 23 de dezembro a 1.° de fevereiro, temos o recesso parlamentar e, havendo necessidade, os parlamentares serão convocados extraordinariamente; durante o recesso parlamentar haverá uma Comissão representativa do Congresso Nacional, com atribuições definidas no regimento comum (art. 58, § 4.°). Finaliza, com efeito: “Por fim, tendo definido o que venha a ser sessão legislativa ordinária (reunião em Brasília do Congresso Nacional, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1.° de agosto a 22 de dezembro), bem como legislatura (período de 4 anos que corresponde ao mandato dos Deputados Federais), conclui-se que cada legislatura é composta por 4 sessões legislativas ordinárias” (Direito Constitucional ESQUEMATIZADO, 12ª edição. Saraiva: SP, 2008, p. 309). Ressalto que o mandato dos Senadores da República dura oito anos (art. 46, § 1°, CF), e a representação desses parlamentares pelos Estados-membros e pelo Distrito Federal será renovada de quatro em quatro anos, alternadamente, por um e dois terços (art. 46, § 2°, CF), resultando em legislatura composta por 8 sessões legislativas e não 4 como ocorre com os Deputados Federais.

Cito no texto constitucional, ademais, como fundamento, o § 10 do art. 62 (EC n° 32/01), que veda a reedição, na mesma sessão legislativa (dois períodos legislativos, portanto), de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo (cf. Paulo Bonavides. CONSTITUIÇÃO OU MEDIDA PROVISÓRIA?, in DO PAÍS CONSTITUCIONAL AO PAÍS NEOCOLONIAL. A derrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estado institucional, 3ª edição. Malheiros: SP, 2004, pp. 103/107). Tal como ocorre com os prazos, que têm influência perante os atos forenses dos advogados relativamente às suas manifestações processuais, os períodos legislativos e demais períodos que os englobam ensejam a lisura na prática de determinados atos da vida congressual, limitando a atividade parlamentar na contagem do princípio da anualidade financeira, eleitoral, anterioridade tributária ordinária ou especial etc., causando para os membros do Poder Legislativo, neste sentido, preclusão legislativa. 

b) Trata-se, tal como o § 4º do art. 58 da Constituição, retro, de texto constituinte-originário ou de primeiro grau na citação de Bonavides, cuja competência legislativa foi deferida concorrentemente à União, Estado-membro e Distrito Federal a legislar sobre direito (...) penitenciário (...) nos termos do art. 24, I, CF. A competência concorrente do ente político DF só pode ser aquela atribuída aos Estados-membros ipsis literis, não sendo autorizado exercer também competência político-legislativa se valendo de sua semelhança com os Municípios, comprometendo seu orçamento neste aspecto. Se a Constituição não mencionou a possibilidade de competência legislativa concorrente do Município para efeitos do art. 24, cit., como fez em outras passagens, e, ainda, fazendo uma leitura estrita do art. 144 da Norma Normarum, não pode o DF usurpar competência legislativa concorrente se valendo do “atributo municipal” muito embora o possua em outras circunstâncias, fazendo às vezes, na hipótese do mencionado dispositivo, de “Distrito-Federal-Estado-membro” (art. 32, § 1°, CF), única maneira de participar da concorrência legislativa em matéria de direito penitenciário e que encontra justificativa no interesse da população local em segregar condenados na circunscrição político-administrativa como retribuição inerente a toda pena privativa de liberdade, expiando o mal cometido.   

É preciso que se estabeleça, na espécie, ao menos duas premissas de fundamental importância para efeitos do art. 24, cit.: p1) cabe à União editar normas gerais se for encarada como ente político da federação nacional, não como ente político em sentido estrito, de forma parcelar, “como Distrito Federal” de per si. Quando organiza seu Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Polícia Civil, Militar, corpo de bombeiros, na verdade o DF está sendo organizado e mantido pela União (art. 21, XIII e XIV), a quem cabe também legislar sobre a matéria. Nesse aspecto é que se diz que a autonomia do Distrito Federal é tutelada, ficando muito aquém - nesse ponto - dos Estados-membros na lição de José Afonso da Silva (CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO, 22ª edição. Malheiros: SP, 2002, p. 630); p2) tomar o cuidado para que os demais entes políticos – e mesmo a União se for legislar como ente político em sentido estrito, “Distritalmente” – não usurpem suas respectivas competências legislativas concorrentes sobre direito penitenciário, ultrapassando a esfera de competência que lhes deu a CF, não confundindo direito penitenciário com direito penal ou direito processual penal (art. 22, I, CF). Respeitados estes parâmetros de validade – ou de existência? - podem as Assembléias Legislativas e a Câmara Legislativa legislar sobre direito penitenciário, particularizando, por exemplo, as disposições gerais editadas pela União quando legisla como ente político federal-nacional, como “Estado-País” ou como República Federativa do Brasil por força do art. 1°, caput, da Constituição/88. Note que o Título III da CF trata da organização “DO ESTADO”, cuja organização político-administrativa, ou seja, da República Federativa do Brasil, é compreendida pela União, Estados (espécie), Distrito Federal e Municípios, sendo a própria federação brasileira (art. 18, caput, CF): o Capítulo II (União), Capítulo III (Estados Federados), Capítulo IV (Municípios), e, por fim, o Capítulo V (Distrito Federal e Territórios), todos aglomerados, são, em verdade, o Estado Brasileiro, a Pátria Amada Brasil, opinião afetuosa que compartilho com a Min. do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia Antunes Rocha ao escrever lauto artigo intitulado NATUREZA E EFICÁCIA DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS, in infinitum: “(...) Mas, apesar de todas estas investidas, o Brasil continua valendo a pena. E, se a pena não valesse, continuaria a valer o afeto mais verdadeiro de uma cidadania acanhada e meio sem rumo no chão sem fim desta tão amada Pátria minha. Afinal, o que se quer sejam transitórias são as disposições, não o amor pelo Brasil. Esse há de ser eterno” (DIREITO CONSTITUCIONAL. estudos em homenagem a PAULO BONAVIDES (organizadores eros roberto grau e willis santiago guerra filho), 1ª edição/2ª tiragem. Malheiros: SP, 2003, p. 408).

José Afonso da Silva abre tópico intitulado Componentes do Estado Federal, concluindo a questão ao afirmar que

“A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende, como se vê do art. 18, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. A Constituição aí quis destacar as entidades que integram a estrutura federativa brasileira: os componentes do nosso Estado Federal. Merece reparo dizer que é a organização político-administrativa que compreende tais entidades, como se houvesse alguma diferença entre o que aqui se estabelece e o que se declarou no art. 1°. Dizer que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal não é diverso de dizer que ela compreende União, Estados, Distrito Federal e Municípios, porque união indissolúvel (embora com inicial minúscula) do art. 1° é, a mesma União (com inicial maiúscula) do art. 18. Repetição inútil, mas que não houve jeito de evitar, tal o apego à tradição formal de fazer constar do art. 1° essa cláusula que vem de constituições anteriores, sem levar em conta que a metodologia da Constituição de 1988 não comportava tal apego destituído de sentido” (CURSO DE DIREITO..., ob. cit. pp. 469/470).

c) Acompanho Pedro Lenza quando afirma que a CPI não tem competência para quebrar o sigilo da comunicação telefônica (interceptação telefônica), que se encontra dentro da reserva jurisdicional (Direito Constitucional..., op. cit. p. 316). Pode-se, ainda, invocar como fundamento restritivo, pois, os arts. 2° e 10, caput, da Resolução n° 59, de 9 de setembro de 2008, do Conselho Nacional de Justiça, que disciplinou e uniformizou as rotinas visando ao aperfeiçoamento do procedimento de interceptação de comunicações telefônicas e de sistemas de informática e telemática nos órgãos jurisdicionais do Poder Judiciário, a que se refere a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, sem qualquer menção à possibilidade de quebra de sigilo telefônico pelas CPIs. O posicionamento restritivo, negando a possibilidade de quebra de sigilo telefônico pelas CPIs, foi reafirmado no MS 27.483 processado e julgado pelo Supremo Tribunal Federal:

“Em regra, o segredo de justiça é oponível à Comissão Parlamentar de Inquérito e representa uma expressiva limitação aos seus poderes de investigação. Com base nesse entendimento, o Tribunal, por maioria, referendou decisão concessiva de pedido de liminar, formulado em mandado de segurança, impetrado por Tim Celular S/A e outras operadoras de telefonia fixa e móvel, contra ato do Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar escutas telefônicas clandestinas, que lhes determinara a remessa de informações cobertas por sigilo judicial. Em 4-8-08, o Min. Cezar Peluso, deferira a cautelar, autorizando, até decisão contrária nesta causa, as impetrantes a não encaminharem à CPI o conteúdo dos mandados judiciais de interceptação telefônica cumpridos no ano de 2007 e protegidos por segredo de justiça, exceto se os correspondentes sigilos fossem quebrados prévia e legalmente. Reputou que aparentava razoabilidade jurídica (fumus boni iuris) a pretensão das impetrantes de se guardarem da pecha de ato ilícito criminoso, por força do disposto no art. 325 do CP e no art. 10, c/c o art. 1º, da Lei federal n. 9.296/96, que tipifica como crime a quebra de segredo de justiça, sem autorização judicial, ou, ainda, por deixarem de atender ao que se caracterizaria como requisição da CPI, bem como que estaria presente o risco de dano grave, porque na referida data se esgotava o prazo outorgado, sob cominação implícita, no ato impugnado, a cujo descumprimento poderia corresponder medida imediata e suscetível de lhes acarretar constrangimento à liberdade. Naquela sessão, considerou o relator a jurisprudência pacífica da Corte no sentido de que, nos termos do art. 58, § 3º da CF, as CPIs têm todos os ‘poderes de investigação próprios das autoridades judiciais’, mas apenas esses, restando elas sujeitas aos mesmos limites constitucionais e legais, de caráter formal e substancial, oponíveis aos juízes de qualquer grau, no desempenho de idênticas funções. O relator asseverou que, sob esse ponto de vista, o qual é o da qualidade e extensão dos poderes instrutórios das CPIs, estas se situam no mesmo plano teórico dos juízes, sobre os quais, no exercício da jurisdição, que lhes não é compartilhada às Comissões, nesse aspecto, pela Constituição, não têm elas poder algum, até por força do princípio da separação dos poderes, nem têm poder sobre as decisões jurisdicionais proferidas nos processos, entre as quais relevam, para o caso, as que decretam o chamado segredo de justiça, previsto como exceção à regra de publicidade, a contrario sensu, no art. 5º, LX, da CF. Esclareceu, no ponto, que as CPIs carecem, ex autoritate propria, de poder jurídico para revogar, cassar, compartilhar, ou de qualquer outro modo quebrar sigilo legal e constitucionalmente imposto a processo judiciário, haja vista tratar-se de competência privativa do Poder Judiciário, ou seja, matéria da chamada reserva jurisdicional, onde o Judiciário tem a primeira e a última palavra. Aduziu, ainda, ser intuitiva a razão última de nem a Constituição nem a lei haverem conferido às CPIs, no exercício de suas funções, poder de interferir na questão do sigilo dos processos jurisdicionais, porque se cuida de medida excepcional, tendente a resguardar a intimidade das pessoas que lhe são submissas, enquanto garantia constitucional explícita (art. 5º, X), cuja observância é deixada à estima exclusiva do Poder Judiciário, a qual é exercitável apenas pelos órgãos jurisdicionais competentes para as respectivas causas – o que implica que nem outros órgãos jurisdicionais podem quebrar esse sigilo, não o podendo, a fortiori, as CPIs. Concluiu que é essa também a razão pela qual não pode violar tal sigilo nenhuma das pessoas que, ex vi legis, lhe tenham acesso ao objeto, assim porque intervieram nos processos, como porque de outro modo estejam, a título de destinatários de ordem judicial, sujeitas ao mesmo dever jurídico de reserva. (...). Em acréscimo à decisão liminar deferida em 4-8-08, asseverou-se, não obstante reconhecendo os altos propósitos da Comissão Parlamentar de Inquérito, que estes não poderiam ser feitos à margem ou à revelia da lei. Em razão disso, entendeu-se que a maneira que seria de o Judiciário contribuir com o trabalho da Comissão não poderia estar na quebra dos sigilos judiciais, a qual, frisou-se, nem o Supremo teria o poder para fazê-lo no âmbito dos processos judiciais de competência de outro juízo. Dessa forma, concluiu-se que, eventualmente, a CPI, se tivesse interesse, poderia receber algumas informações que poderiam constituir subsídios para suas atividades. A liminar foi concedida nestes termos: se a Comissão tiver interesse, as operadoras deverão encaminhar as seguintes informações: 1) relação dos juízos que expediram os mandados, bem como da quantidade destes e dos terminais objeto das ordens quantos mandados e quantos terminais; 2) relação dos órgãos policiais específicos destinatários das ordens judiciais; 3) havendo elementos, relação dos órgãos que requereram as interceptações; 4) relação da cidade ou das cidades em que se situam os terminais objeto das ordens de interceptações; e 5) duração total de cada interceptação. Ficando claro que não podem constar das informações, de modo algum: 1) o número de cada processo; 2) o nome de qualquer das partes ou dos titulares dos terminais interceptados; 3) os números dos terminais; e 4) cópias dos mandados e das decisões que os acompanharam ou que os determinaram. (...).’ (MS 27.483-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 14-8-08, Informativo 515)” (A Constituição e o Supremo: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigo.asp#ctx1>. Acesso em 1 de outubro de 2008, às 20:23h).

Parece-me que se ponde invocar aqui o princípio da proporcionalidade como fundamento da impossibilidade na quebra de sigilo telefônico determinado pelas Comissões Parlamentares de Inquérito. O entendimento majoritário, principalmente no âmbito do STF, repousa na idéia de que as investigações criminais e as instruções processuais penais, sejam as que se desenvolvem na fase policial, mediante investigação da Polícia Judiciária e do Ministério Público (controle externo), ou mesmo em juízo, por meio de ação penal através do inerente poder de polícia do Magistrado sobre todos os atos processuais praticados pelas partes, não prescindem, jamais, de autorização judicial para a quebra de sigilo telefônico do acusado. Aliás, e que isso fique bem destacado, concentrados todos os atos processuais no Poder Geral Cautelar do Magistrado, órgão imparcial da República que tem o dever de não malbaratar os institutos, deve-se receber eventual quebra de sigilo telefônico, de fato, como tratamento de exceção e não regra geral conforme ditame constituinte-originário previsto no art. 5°, XII, da Constituição, que, para mim, é de meridiana clareza, data venia àqueles que pensam em sentido contrário.

Sem grande extensão gostaria de fazer uma ressalva sobre o decantado princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, tão ventilado ultimamente na práxis e que não é desconhecido pela melhor doutrina: a título de exemplo Luís Roberto Barroso (INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO, 6ª edição/4ª tiragem. Saraiva: SP, 2008, p. 218/246 e pp. 372/373) e Paulo Bonavides (CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL, 18ª edição. Malheiros: SP, 2006, pp. 392/436).

O Min. do Supremo Tribunal Federal Eros Roberto Grau defende outra categoria do instituto, em interessantíssima argumentação, verbis:

“3. O que pretendo singelamente afirmar, inspirado em Neumann, é que a proporcionalidade não passa de um novo nome dado à eqüidade. Sua rejeição pelo direito moderno, porque incompatível com a calculabilidade e a segurança jurídica, era plenamente adequada à teoria da subsunção [em nota de rodapé n° 2 o autor cita Canosa Usera]. Hoje porém sabemos que a interpretação é constitutiva – não meramente declaratória – que a norma é produzida pelo intérprete e que interpretar o direito é caminhar de um ponto a outro, do universal ao singular, através do particular, conferindo a carga de contingencialidade que faltava para tornar plenamente contingencial o singular [em nota de rodapé n° 3 o autor cita sua obra Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito]. Sendo isso correto – ou seja, que a proporcionalidade não passa de um novo nome dado à eqüidade – essa verificação tornará mais fluente a compreensão de dois aspectos que passo a enunciar, objetivamente. 3.1 A proporcionalidade, qual anotei em outra oportunidade (Grau 2005/183-189), não é um princípio, mas uma pauta, um critério de interpretação. O chamado “princípio” da proporcionalidade consubstancia um postulado normativo aplicativo. Como tal impõe – observa Humberto Bergmann Ávila (1999/170) – uma condição formal ou estrutural de conhecimento concreto (=aplicação) de outras normas. Nossa doutrina, no entanto, equivocadamente, toma-o como um princípio superior, pretendendo aplicá-lo a todo e qualquer caso concreto, o que conferiria ao Poder Judiciário a faculdade de “corrigir” o legislador, invadindo a competência deste. Nada há, porém, de novo – repito – na proporcionalidade e na razoabilidade, postulados que desde há muito, e independentemente da formulação dessas duas noções, vem o Poder Judiciário exercitando na interpretação/aplicação do direito. Antes os denominavam simplesmente eqüidade. 3.2 O segundo aspecto que remeto à reflexão dos que ainda cultivam este hábito está em que a pauta da proporcionalidade – bem assim a da razoabilidade – é atenuada no momento da norma de decisão. Também, em outra oportunidade (Grau 2005/24) afirmei que o intérprete produz a norma jurídica não por diletantismo, mas visando a sua aplicação a casos concretos. Interpretamos para aplicar o direito e, ao fazê-lo, não nos limitamos a interpretar (=compreender) os textos normativos, mas também compreendemos (=interpretamos) os fatos. A norma jurídica é produzida para ser aplicada a um caso concreto. Essa aplicação se dá – digo-o seguindo a conhecida exposição de Kelsen – mediante a formulação de uma decisão judicial, uma sentença, que expressa a norma de decisão. Aí a distinção entre a norma jurídica e a norma de decisão. Esta é definida a partir daquela. Pois bem: o que afirmo é o fato de ambas as pautas – a da proporcionalidade e a da razoabilidade – serem atuadas no momento da norma de decisão (=interpretação in concreto), não naquele da produção da norma jurídica (=interpretação in abstracto) [em nota de rodapé n° 4 o autor cita Kelsen]. Explico-me. A separação entre interpretação e aplicação decorre da concepção da primeira como mera operação de subsunção. No silogismo subsuntivo, a premissa maior é o texto normativo; a menor, os pressupostos de fato e a conseqüência jurídica. A premissa maior deve ser a lei geral; a menor, a ação conforme ou não conforme à lei. Propõe-se então a distinção entre interpretação in abstracto e interpretação in concreto. A primeira respeita ao texto, à premissa maior no silogismo; a segunda, à conduta, aos fatos. Esta última é tida como aplicação; a primeira, como interpretação. Isso fica bem claro se considerarmos o disposto no artigo 12 da lei francesa de 16-24 de agosto de 1790: ‘Ils [os juízes] NE pourront point faire de règlements, mais ils s´adresseront au Corps législatif toutes les fois qu´ils croiront nécessaire, soit d´interpréter une loi, soit d´em rendre une nouvelle’. Aqui se trata de interdição, aos juízes, de determinação da premissa maior, atribuição que caberia a quem fez a lei, ao legislador. Essa interdição conduziu, na França, à criação do Tribunal de Cassação [em nota de rodapé n° 5 o autor cita François Gény]. Tem-se assim, na exposição de Troper (2001/129-130), que a partir da criação do Tribunal de Cassação pela lei de 27 de novembro-1° de dezembro de 1790: [i] a interpretação in concreto não é interpretação, porém mera aplicação da lei, visto que respeita à premissa menor do silogismo, não à premissa maior; o juiz não pretende determinar a significação dos termos da lei, cabendo-lhe exclusivamente perguntar-se se a lei, tida como clara, é aplicável aos fatos do caso, para o quê basta o exame desses fatos; [ii] a interpretação in concreto é autorizada, mas não reconhecida como interpretação, senão como mera aplicação da lei, como qualificação jurídica dos fatos; [iii] a má interpretação in concreto consubstancia uma violação da lei, uma falsa aplicação da lei, devendo ser cassada pelo Tribunal de Cassação; também este tribunal não exerce poder legislativo, visto que controla exclusivamente a premissa menor do silogismo subsuntivo; [iv] o exercício desse controle pode revelar que a lei é obscura e deve dar lugar à interpretação in abstracto, cabendo porém ao legislador interpretá-la; daí o artigo 21 da Constituição francesa de 3 de setembro de 1791 ter estabelecido que ‘Lorsque après deux cassations Le jugement du troisième tribunal sera attaqué par les mêmes moyens que les deux premiers, la question ne pourra plus être agitée au tribunal de cassation sans avoir été soumise au Corps législatif, qui portera um décret déclaratoire de la loi, auquel le tribunal de cassation sera tenu de se conformer’; [v] para deixar bem sublinhado que esse tribunal controla a boa aplicação da lei e reservar ao Legislativo a integralidade de sua função, o artigo 19 da Constituição cria o Tribunal de Cassação ‘auprès du Corps législatif’; [vi] o legislador não interpreta in concreto, mas in abstracto; cogita da premissa maior do silogismo, sob a forma legislativa, pois interpretar in abstracto é legislar. Mais adiante, essa divisão de atribuições é afirmada nos artigos 4° e 5° do Código de Napoleão: o artigo 4° obriga o juiz a interpretar in concreto e o artigo 5° o proíbe de interpretar in abstracto. Sabemos também hoje, no entanto, que a chamada interpretação in abstracto envolve necessariamente a consideração dos fatos, de modo que não é possível apartarmos interpretação e aplicação, ou seja, interpretação in abstracto e interpretação in concreto. O que me parece útil, ainda que seja assim, é a distinção entre o momento da produção da norma jurídica – insisto em que a interpretação/aplicação do direito não é simples exercício de subsunção – e o momento da norma de decisão. A doutrina – porque insiste em apartar interpretação e aplicação – tropeça no equívoco de situar o recurso à proporcionalidade e à razoabilidade no primeiro deles, quando é certo que uma e outra atuam no segundo” (o direito posto e o direito pressuposto, 6ª edição. Malheiros: SP, 2005, pp. 282/286).

A respeito da distinção entre regra e princípio cf. Virgílio Afonso da Silva. “PRINCÍPIOS E REGRAS: MITOS E EQUÍVOCOS ACERCA DE UMA DISTINÇÃO”. REVISTA Latino-Americana de Estudos Constitucionais. Fundador e Diretor: Paulo Bonavides. DEL REY: MG, 2003, pp. 607/630.

De todo modo não importa o nome empregado ou mesmo o fundamento – que pode ter matiz variado – por que se nega a admissibilidade na quebra de sigilo telefônico por Comissão Parlamentar de Inquérito. Mais importante, tenho comigo, é a vinculação in extremis ao texto constitucional, delimitado quanto ao seu conteúdo conforme expus sem dévio.

Ad argumentandum tantum, aos que pretendam alegar ingerência do Poder Judiciário sobre os atos do Poder Legislativo, exorta Dirley da Cunha Júnior:

“No constitucionalismo moderno, as Constituições vêm fixando limites à manifestação da vontade popular e vinculando a atuação dos órgãos de representação dessa vontade a determinados procedimentos e conteúdos. Isso já demonstra que essas Constituições exigem que toda atuação – comissiva e omissiva – dos órgãos representativos da vontade popular se sujeite a controle e crítica. Nesse contexto, a jurisdição constitucional não se mostra incompatível com um regime democrático que imponha limites aos impulsos da maioria e condicione o exercício da vontade majoritária. Muito pelo contrário, a jurisdição constitucional afigura-se como meio indispensável a assegurar as condições de existência e desenvolvimento da democracia e a solucionar os possíveis conflitos que atentam contra o próprio regime. Percebemos, assim, que a jurisdição constitucional passa a ser compreendida como peça-chave fundamental em uma sociedade pluralista, atuando como fator de estabilização ao regime democrático” [em nota de rodapé n° 93 o autor cita Dieter Grimm] (CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. ANÁLISE DETIDA DAS LEIS 9.868/99 E 9.882/99, 2ª edição. JusPODIVM: Salvador-BA, 2007, pp. 56/57).

     Quando veio à tona a Operação Sathiagrara da Polícia Federal, ocasionando a prisão de ex-agentes públicos e de empresários de expressão internacional, respondendo críticas de grande parcela da opinião pública e mesmo do próprio Poder Judiciário, precisamente do MM. Dr. Juiz Federal a quo Fausto de Sanctis, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o mesmo que determinou a prisão processual de “Daniel Dantas”, que, mais tarde, teve ordem de habeas corpus concedida liminarmente pelo Excelentíssimo Sr. Dr. Min. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, disse este último, com razão, que “o Direito não se decide nas ruas”, mantendo intacta mediante analogia minha convicção de que não se pode legitimar o pretendido poder de quebrar sigilo telefônico pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, muitas vezes motivadas por partidarismos e verdadeiramente distantes do interesse público.    

Faço conclusas as questões ao professor titular.

Município de Santos, ressaca das eleições - ou comumente 6 de outubro - 2008.