A História do carnaval carioca, as Super Escolas de Samba S/A e o crime de lavagem de dinheiro


Porwilliammoura- Postado em 07 maio 2012

Autores: 
MARQUES, Kleyson Anilton Duarte

A História docarnaval carioca, as Super Escolas de Samba S/A e o crime de lavagem dedinheiro

Kleyson Anilton Duarte Marques, Advogado e Jornalista, estudante do curso de Pós-graduação em Ciências Penais do IEC (Instituto de Educação Continuada) da PUC-Minas.

        Muitos historiadores dizem que foiIsmael Silva quem fundou a primeira Escola de Samba, a "Deixa Falar". Já o protótipo da Escola de Samba, assim como ela é hoje, foi criado por Manacéia, baluarte imortal da Velha Guarda da Portela, cuja viúva ainda desfila no carnaval e mora em Madureira. O que todos têm certeza é que o primeiro samba, "Pelo Telefone", foi composto por Donga, na casa da Tia Ciata, na Rua Visconde de Itaúna.

          Enquanto isso, o morro da Mangueira ainda não tinha a mais popular Escola de Samba, a "Verde e Rosa". Tinha apenas alguns blocos, dentre eles o da Tia Tomásia e do Mestre Candinho. Havia, dentre esses, um bloco especial, talvez o berço do Samba, os Arengueiros, formados por mestres, como Zé-Com-fome, Saturnino, Zé Espinguela, Cartola e Carlos Cachaça. Em 1928, fundaram a Estação Primeira de Mangueira. Vivia-se naquele tempo de "pão e poesia" e tudo acabava em samba e harmonia.

          Quando o mundo mudou, o morro também mudou e a escola não pode ficar atrás. A classe média branca invadiu a quadra da Mangueira, como já tinha invadido a de todas as outras. O tráfico invadiu o morro, como já tinha invadido todos os outros. A Escola assumiu o que o morro tem de bom e ruim.

          Nem mesmo da pior endemia o morro da Mangueira conseguiu escapar: os enredos marketeiros e o luxo novo-rico. Apesar de tudo, a Mangueira continua sendo a primeira estação dos subúrbios da Central do Brasil e notável naquilo que a periferia do Rio tem de mais importante: o samba.

          De outra banda, na década de 70, em plena ditadura militar, crescia a, então, desconhecida Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis, com enredos ufanistas, como "Brasil! Ame-o ou Deixe-o!". Era a Escola preferida dos militares, que foi também a primeira Super Escola de Samba S/A, com a primeira Super-Alegoria, um chafariz gigante no carro abre-alas, fato que foi criticado pelos integrantes da Mangueira. A Beija-Flor passou a representar o luxo novo rico e a Mangueira, a resistência do samba de raiz.

1988– Promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil  

           Todas as Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro entraram na avenida com o mesmo enredo: os cem anos da abolição da escravatura. O que mudou depois que a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea?

           O samba-enredo da Mangueira trazia o refrão:
"livre do açoite da senzala, preso na miséria da favela." A Portela, Escola com o maior número de títulos da história do carnaval carioca (21, apesar de nunca ter ganhado nenhum após a inauguração do sambódromo, em 1984), defendeu osamba-enredo "Memórias do Vice-Rei": "Briga! Eu quero Briga! Hoje venho reclamar! O que tem o que há? Essa praça ainda é minha, eu também estou fominha"...A Escola de Samba Unidos de Vila Isabel se consagrou campeão do carnaval Carioca naquele ano, com o enredo Kizomba – a festa da raça: "essa kizomba é nossa constituição."

          A forte repercussão do desfile de1988 tornou-se um ícone e um marco na cultura brasileira, refletindo no fortalecimento do movimento negro, na criação de Leis específicas de inclusão social e na repercussão nacional da tipificação do crime de racismo. Segundo a CF deste ano, imprescritível e inafiançável.  

Em 1989, A Escola de Samba Unidos de Vila Isabel defende o enredo "Direito é Direito", alcançando o 4º lugar na apuração final do grupo especial. A comissão de frente, formada por mulheres grávidas, representavam o bem jurídico mais tutelado pelo direito: o direito à vida. A fantasia da primeira ala, formada por crianças da comunidade, traziam a espada e a balança, os símbolos da justiça e do direito.

O Samba enredo trazia o refrão:

"Direito é  direito

Está na declaração

A humanidade

É quem tem razão."

A composição trazia
as seguintes ressalvas:

 "A Declaração Universal

Não é um sonho,
temos que fazer cumprir

A justiça é cega,
mas enxerga quando quer

Já está na hora de
assumir"

          A Beija-Flor de Nilópolis defendeu o enredo de maior repercussão da história do sambódromo: "Ratos e Urubus, Larguem a Minha Fantasia", um protesto ao grande número de miseráveis, marginalizados e excluídos no Brasil,  mas teve que se contentar com o 2º lugar, recebendo o amargo troféu de vice-campeã.

          A Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense consagra-se a grande campeã, com o luxuoso enredo da carnavalesca Rosa Magalhães: "LIBERDADE, LIBERDADE! ABRE AS ASAS SOBRE NÓS!"

          O desfile da Unidos da Tijuca, de Paulo Barros, que é considerado o maior carnavalesco da atualidade, artista plástico que tem usado o seu conhecimento para enriquecer o Carnaval Carioca, se tornou a maior atração do sambódromo. No entanto, para alguns críticos, o estilo de Paulo Barros representa o início do fim do carnaval carioca, pois, o carnavalesco busca, na cultura de outros povos, a atração principal para o seu desfile, como mágicos e contorcionistas.  

           Os desfiles das Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro, através da composição de melodias conhecidas internacionalmente, criadas por mestres da MPB, como Cartola, Noel, Paulo e Natal, enriquecidos pelo luxo, novo rico, que transformaram os carros alegóricos em um verdadeiro e criativo frisson estético, único na história da humanidade. Representando, hoje, uma nova Comunicação de Massa e um novo nacionalismo militante , criado pelos moradores das favelas e do subúrbio carioca.

           Os enredos "marketeiros" arrecadam milhões de reais e são usados com diversos objetivos, dentre eles, pressionar o Congresso Nacional para a aprovação de Leis, como a que legitima a transposição do Rio São Francisco, enredo da Mangueira, em 2006. Divulgar o turismo, como a Estrada Real, enredo da Mangueira, em 2004 (neste ano, conseguiu um patrocíniode R$ 4 milhões de reais do governo Aécio Neves em parceria com a Fiemg).

           A Portela tem como patrocinador oficial, simplesmente, a ONU, Organizações das Nações Unidas, que divulga seu trabalho, como os projetos da Unicef, através da Escola de Oswaldo Cruz eMadureira.  

          Em 2008, a Mangueira virou notícia nas páginas policiais. Uma denúncia anônima dizia que a Velha Guarda da Escola da Escola havia aceitado a ajuda de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) de Fernandinho Beira-Mar. O dinheiro seria usado em uma festa. Na quadra da Mangueira, a polícia descobre o camarote do pó, com uma saída secreta e estratégica, caso algum P2 (policial sem uniforme)  entrasse na quadra.

          Na verdade, essa notícia servia apenas para abafar o maior esquema de lavagem de dinheiro da história do país, que envolvia a Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis, a Acadêmicos do Grande Rio (também conhecida como, "Unidos do Projac") e a Imperatriz Leopoldinense. A quantia certa ninguém soube até hoje afirmar, algo em torno de R$ 35.000.000,00 (trintae cinco milhões de reais) movimentados sem origem declaradas pelos presidentes das três agremiações em conjunto, bem diferente dos R$ 4.000,00 (quatro mil reais), que manchou a história da Mangueira. Como diz o Samba-enredo a Império Serrano de 1982:

"Super Escolas de Samba
S/A

Super-alegorias

Escondendo gente bamba

Que covardia!

Bum, bum paticumbum
prugurundum

O nosso samba minha gente é isso aí" (samba campeão, com a carnavalesca
Rosa Magalhães)

          Segundo Nucci, o termo lavagem é decorrente da cultura norte-americana, e origina-se da década de 20, nos EUA, quando a Máfia criou várias lavanderias para dar aparência lícita a negócios ilícitos, ou seja, buscava-se justificar, dar aparência de licitude, por intermédio de um comércio legal, a origem criminosa do dinheiro arrecadado. Em outros países, como Portugal, França e Espanha, o delito é chamado de branqueamento de dinheiro, ou branqueamento de capitais.

          Em 1998, entra em vigor no Brasil, a primeira Lei específica contra a lavagem de dinheiro, Lei 9.613/ 1998. Junto com ela é criado o COAF, Conselho de Controle de Atividades Financeiras,  Órgão do Ministério da Fazenda, com Status de Secretaria. Qualquer transação acima de R$ 100 mil reais em espécie deve ser comunicado ao COAF, que aciona a Polícia Federal e o Ministério Público Federal.
Visando enrijecer o combate a esta prática, tramita no Congresso novo projeto de Lei, estabelecendo multas em até R$ 20 milhões de reais (pela Lei atual, a multa só pode chegar a R$ 20 mil reais, valor inócuo para os grandes bicheiros).   

          Acusados como líderes de uma comissão criminosa conhecida como Clube Barão de Drummond — uma espécie de tribunal do crime, responsável por julgar quem explora o jogo ilegal em vários territórios da quadrilha —, os contraventores Aniz Abrahão David, o Anísio, patrono da Beija-Flor; Ailton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães; e Antônio Petrus Kalil, o Turcão, foram presos depois de serem condenados a penas que, somadas, ultrapassam 144 anos de reclusão. Cada um recebeu uma pena de 48 anos, oito meses e 15 dias de prisão. A punição se estendeu ainda ao bolso: eles foram condenados a pagar, juntos, R$ 33 milhões em multas.

"Rio 40 graus

Cidade maravilha

Purgatório da beleza

E do caos...(2x)

Capital do sangue quente

Do Brasil

Capital do sangue quente

Do melhor e do pior

Do Brasil...(2x)

Cidade sangue quente

Maravilha mutante...

O Rio é uma cidade

De cidades misturadas

O Rio é uma cidade

De cidades camufladas

Com governos misturados

Camuflados, paralelos

Sorrateiros

Ocultando comandos...

Comando de comando

Submundo oficial

Comando de comando

Submundo bandidaço

Comando de comando

Submundo classe média

Comando de comando

Submundo camelô

Comando de comando

Submáfia manicure

Comando de comando

Submáfia de boate

Comando de comando

Submundo de madame

Comando de comando

Submundo da TV

Submundo deputado

Submáfia aposentado

Submundo de papai

Submáfia da mamãe

Submundo da vovó

Submáfia criancinha

Submundo dos filhinhos..."

 A juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, da 6ª Vara Criminal Federal, condenou 23 integrantes e determinou a prisão de dez pessoas, além de Guimarães, Anísio e Turcão. Ela decidiu prender a quadrilha 19 anos depois que outra juíza, Denise Frossard, ficou famosa por condenar e mandar prender 14 contraventores, integrantes da cúpula do bicho, em 1993 — incluindo Anísio, Guimarães e Turcão.

             Valor de propina seria de R$ 1 milhão

         No dia 13 de abril de 2007 foirealizada a Operação Hurricane, que também revelou o envolvimento do então ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo Medina; do Tribunal Regional Federal José Eduardo Carreira Alvim; do então juiz do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas Ernesto Luz Pinto Dória; e do então procurador regional da República João Sérgio Leal Pereira. Os cinco foram acusados de venda de sentenças para permitir o funcionamento de jogos ilegais e ainda respondem a processo no Supremo Tribunal Federal (STF). A Polícia Federal identificou que os membros do Judiciário receberiam propinas de até de R$ 1 milhão para dar sentenças favoráveis à quadrilha. O bicheiro Capitão Guimarães, de 70 anos, foi condenado por formação de quadrilha e corrupção. Porém, o STF tinha decidido, em 2007, que todos os réus do processo aberto com base na Operação Hurricane deveriam responder em liberdade. O bicheiro Anísio, de 75 anos, teve a prisão decretada durante a Operação Dedo de Deus, no fim de 2011. Já Turcão, de 83 anos, devido a idade avançada, está em em prisão domiciliar.

        Segundo a juíza Ana Paula, os bicheiros Anísio, Capitão Guimarães e Turcão são os chefes da quadrilha de contraventores, "autores mediatos dos crimes, cometidos pela quadrilha", que "comandam um verdadeiro aparelho organizado de poder, que se caracteriza, como se viu, pelo emprego da violência e da corrupção". Os bicheiros foram condenados por crimes como formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, corrupção, contrabando e homicídios. A juíza destaca que a prisão é essencial para impedir que tais crimes continuem ocorrendo.

Na sentença, a juíza ressalva que os acusados "transmitem a exploração do jogo nestes territórios através de contratos de compra e venda ou, em caso de morte, de testamentos". "Por fim, (a quadrilha) insere o dinheiro ilícito da exploração do jogo na economia formal através de inúmeras empresas, que vão de restaurantes e hotéis a transportadoras e clínicas médicas, instaurando concorrência verdadeiramente desleal com os demais empresários".

A condenação na Justiça é em primeira instância, portanto, ainda cabe recursos.

Bicheiro tinha sido beneficiado com habeas corpus

Anísio foi solto e preso novamente antes do carnaval deste ano, desta vez em função de operação da Polícia Civil. No último dia 8, Anísio e Luiz Pachedo Drumond, o Luizinho Drumond, presidente da Imperatriz Leopoldinense, foram denunciados pelo STJ, com habeas corpus. No caso de Luizinho, que estava foragido, o ministro afirmou que, no pedido de prisão preventiva dele, não havia demonstrações individualizadas da necessidade de seu acautelamento. Ou seja, no processo, observou o ministro, não havia sequer uma menção específica que acusasse Luizinho diretamente. Já no caso de Anísio, o benefício foi uma extensão do concedido a outro contraventor acusado na Operação Dedo de Deus, Hélio Ribeiro de Oliveira, o Helinho, presidente da Grande Rio. Os habeas corpus foram concedidos no mesmo dia em que outro ministro do STJ, Gilson Dipp, presidente da comissão de reforma do Código Penal, defendeu a criminalização do jogo do bicho.

Luizinho estava foragido desde dezembro do ano passado, quando a operação prendeu um grupo de bicheiros. Luizinho, Helinho e Anísio, além de outras 41 pessoas foram arrolados em um inquérito da Corregedoria da Polícia Civil que investigava uma quadrilha de contraventores que, para melhorar os negócios, investiu em tecnologia, utilizando máquinas de anotação eletrônica do jogo do bicho.

Em nota, a Liesa informou que o presidente da entidade, Jorge Luiz Castanheira, não tem conhecimento da ação: "Por oportuno, esclareço que a liga rechaça de imediato qualquer tipo de acusação no que diz respeito a valores não identificados em sua contabilidade, lembrando que em todos esses anos a entidade foi por diversas vezes auditada, inclusive várias vezes pela Receita Federal, sem que houvesse qualquer tipo de fato que desabonasse a conduta fiscal".

O processo 2007.5101.806.866-6, no entanto, tramita na 6ª Vara Federal Criminal.
A quebra do sigilo bancário e fiscal da entidade, das agremiações e de várias empresas foi autorizada em meio aos processos relacionados às quatro fases da Operação Hurricane (deflagrada pela Polícia Federal em abril de 2007, contra a máfia dos caça-níqueis).

Na lista de escolas de samba que tiveram as contas investigadas pela PF e pela Procuradoria da República, figuram Beija-Flor, Imperatriz Leopoldinense, Vila Isabel, Mocidade Independente de Padre Miguel, Viradouro e Grande Rio.

Em comum, todas têm ou tiveram bicheiros como patronos. Na Beija-Flor, por exemplo, o "esquenta" — música que apresenta a agremiação antes do desfile — é uma espécie de ode ao bicheiro Aniz Abrahão David, o Anísio, preso pela Polícia Civil na quarta-feira. O contraventor responde a processos na Justiça federal e estadual por formação de quadrilha armada, lavagem de dinheiro, contrabando e corrupção.

Foragido da Justiça, o bicheiro Luiz Pacheco Drummond, o Luizinho Drummond, é o presidente da Imperatriz Leopoldinense. Ele é apontado em processos como um dos integrantes da antiga cúpula da contravenção no Rio, juntamente com Anísio, Aílton Guimarães Jorge (o Capitão Guimarães), José Caruzzo Escafura (o Piruinha) e Antônio Petrus Kalil (o Turcão). A ligação dos contraventores com escolas de samba é antiga. O primeiro presidente da Liesa, entre 1984 e 1985, foi Castor de Andrade. Desde então, já presidiram a entidade Anísio, Capitão Guimarães e Luizinho Drummond.

Além da Beija-Flor e da Imperatriz, a suposta lavagem de dinheiro fruto da contravenção seria feita também na Vila Isabel, agremiação que teve o ex-presidente Wilson Alves, o Moisés, preso pela PF por envolvimento com contrabando e exploração de caça-níqueis. Ligado ao Capitão Guimarães, ele foi condenado a 23 anos de prisão. A Mocidade teria recebido recursos do bicheiro foragido Rogério Andrade. Já a Viradouro teria sido financiada com dinheiro de Turcão.

Uma das caçulas do Grupo Especial, a Grande Rio, de Duque de Caxias, tem como presidente Hélio de Oliveira, o Helinho, que também está foragido da Justiça. O contraventor teve a prisão preventiva decretada a partir de investigações da Polícia Civil, que desencadeou em dezembro a Operação Dedo de Deus.

Procurados pela GLOBO para comentar a quebra do sigilo bancário e fiscal por suspeita de lavagem de dinheiro, os representantes das agremiações não se manifestaram. A Liesa, por sua vez, informou não ter como dizer se a ação na Justiça interferiu de forma negativa na captação de recursos para o desfile deste ano.

Nos bastidores da Cidade do Samba, circulam informações de que algumas dessas escolas enfrentam dificuldade para financiar os desfiles — resultado da quebra de sigilo associada ao bloqueio das contas dos chefões da contravenção. Nem a Beija-Flor, campeã do carnaval de 2011, teria escapado da falta de dinheiro. Prova disso seria a demora para consertar o telhado da quadra, em Nilópolis. A estrutura desmoronou em julho passado, durante uma tempestade.

A rede montada pela cúpula da contravenção para lavar os lucros do jogo ilegal, entretanto, não se limita às escolas de samba. A análise dos processos em andamento na Justiça federal e, mais recentemente, na estadual revela a suposta utilização também de construtoras, empresas de importação e exportação, produtoras de eventos, apart-hotéis, agências de viagens, haras, motéis, postos de gasolina e até um educandário.

É o caso do Educandário Abrão David, que tem cerca de mil estudantes do ensino fundamental em Nilópolis. A instituição, mantida pela família de Anísio, também teve o sigilo quebrado. Procurado pelo GLOBO, o advogado Ubiratan Guedes, que representa Anísio, informou não ter dados para se pronunciar sobre o assunto. Investigações revelaram ligações com máfias israelense e russa  E o "bicho está pegando" para a cúpula da contravenção do Rio. Nos últimos cinco anos, a Polícia Federal desencadeou oito operações contra a exploração ilegal do jogo.
Na ação mais recente, a Black Ops, deflagrada em novembro passado, policiais e procuradores da República reuniram provas da ligação de bicheiros com integrantes das máfias israelense (Abergil) e russa (Bratva), acusados, na Justiça, de fornecer placas eletrônicas (usadas em caça-níqueis) e até explosivo plástico à contravenção.

O cerco aos bicheiros não ficou restrito à Polícia Federal.  A Corregedoria da Polícia Civil desarticulou a estrutura montada por Anísio, Luizinho Drummond, Hélio de Oliveira (o Helinho, presidente da Grande Rio) e Mário Tricano, ex-prefeito de Teresópolis, para explorar o jogo do bicho com o uso da tecnologia. A Operação Dedo de Deus conseguiu identificar células com sede em estados do Nordeste. O Disque-Denúncia (2253-1177) anunciou uma recompensa de R$ 5 mil por informações que levem à prisão de Luizinho, Helinho e Turcão. Segundo o coordenador do Disque-Denúncia, Zeca Borges, essa é mais uma parceria da Polícia Civil com a Polícia Federal.

O combate à contravenção se refletiu também num aumento de 756% no número de detenções de apontadores de jogo do bicho no Rio. De fevereiro a novembro do ano passado, foram presos 2.903; no mesmo período de 2010, foram 339.

Investigações da PF também reuniram indícios de envolvimento de contraventores do Rio com cassinos no exterior. As suspeitas surgiram do cruzamento de dados relacionados a remessas de dinheiro para contas e empresas offshore, constituídas no Uruguai e no Panamá, ligadas a hotéis-cassinos na América do Sul. Na lista de bicheiros suspeitos, figuram Anísio, Capitão Guimarães, Turcão, Luizinho Drummond e Piruinha.

A análise dos processos da Justiça Federal feita pelo GLOBO revelou o cacife dos integrantes da cúpula do bicho. Com exceção de Luizinho Drummond, os demais chefões da contravenção tiveram bloqueado, nas ações, um patrimônio em torno de R$ 500 milhões, composto por dezenas de imóveis em Ipanema, Leblon, Copacabana, Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e Icaraí. A lista inclui ainda casas e apartamentos em Búzios, Angra dos Reis, cidades do Nordeste e até Miami.

A Gota D´água!

A apuração do grupo de acesso foi cercada de suspeitas de corrupção e compra de votos. A prefeitura do Rio descredenciou a Liga das Escolas de Samba do Grupo de Acesso (LESGA), que não é mais reconhecida pela Riotur. Será definida uma nova liga para 2013.

A Escola Inocentes de Belford Roxo foi a campeã de 2012, o que dá o direito a Escola a desfilar no grupo de acesso em 2013. Porém, o resultado já havia sido divulgado nas redes sociais desde a véspera. 

A Riotur divulgou uma nota oficial a respeito:

"A Riotur informa que - devido ao desrespeito a cláusulas contratuais
observadas na apuração do resultado do Desfile das Escolas de Samba do Grupo de
Acesso A - não reconhece mais a LESGA (Liga das Escolas de Samba do Grupo de
Acesso) como interlocutora e organizadora do Carnaval do Grupo de Acesso A.
Oportunamente, a Riotur reunirá as Escolas do Grupo de Acesso A para definir os
critérios para o Carnaval de 2013".

 O presidente da Inocentes, Reginaldo Gomes, também comanda a LESGA, entidade fundada em julho de 2008 por sete das 10 agremiações do Grupo A. A Inocentes de Belford Roxo foi campeã com 299,6 pontos contra 298,3 do Império Serrano, segundo colocado, o que contribuiu para aumentar as suspeitas de manipulação do resultado.

O presidente da Riotur, Antônio Pedro Figueira de Mello, afirma que o resultado anunciado está mantido. A Inocentes de Belford Roxo está, portanto, garantida no Grupo Especial em 2013. "O resultado já foi dado, foi anunciado. O que não posso mais é assinar contrato com uma entidade que não respeita contrato.
Se cabe alguma investigação sobre o resultado, é uma pergunta que deve ser feita ao Ministério Público", disse o secretário.

A LESGA descumpriu uma das cláusulas do contrato com a prefeitura do Rio, que previa o rebaixamento de duas agremiações do Grupo A para o Grupo B. A entidade justificou a decisão alegando que o repasse da subvenção da prefeitura foi feito muito tarde, o que teria prejudicado todas as escolas.

Após o Carnaval, a prefeitura vai se reunir com os presidentes das escolas de Grupo A para discutir as regras para os desfiles de 2013. Uma das possibilidades é que a prefeitura reassuma a seleção dos jurados. "O Carnaval só acaba no domingo. Só então, vamos nos reunir com as escolas. Foi uma questão clara de má gestão e falta de comprometimento. Não podemos deixar as escolas serem lesadas. Quando uma entidade desrespeita um contrato já se vê que não é séria", afirma Antonio Pedro.

A LESGA tinha planos de expandir sua atuação em 2013, reunindo os grupos A e B num super grupo com 18 escolas de samba. "Essa história foi ventilada, mas não chegou nenhuma proposta formal. Mas nada está descartado. Quero ouvir as escolas. O presidente da LESGA chegou a falar comigo, mas eu disse: 'Nem fala nesse assunto enquanto não acabar esse Carnaval. Vamos primeiro realizar esse carnaval e, depois, pensamos no próximo", conta o presidente da Riotur.

 Segundo Zaffaroni, temos que intensificar a punição dos ricos e punir menos os pobres, pois estes já carregam uma herança que os levaram a praticar o crime: "reprovar com a mesma intensidade a pessoas que ocupam situações de privilégio e a outras que se acham em situação de extrema penúria é uma clara violação ao princípio da igualdade corretamente entendido." As penas desproporcionais produzem um dano social tão grave como o próprio crime. A pena deve sempre ser direcionada para um réu enquanto pessoa humana. Não considerar ou desconhecer tal observação ao aplicar a pena, seria
um afronto ao princípio da humanidade e a destruição de sentimentos morais. O direito jamais pode apenar o ser, e sim, o fazer de uma pessoa. As principais características do sistema penal brasileiro são: a seletividade, repressividade e estigmatização.  Este controle social punitivo institucionalizado não foi criado para degradar a figura social do réu.  Esta observação do autor pode ser usada como uma crítica aos Meios de Comunicação de Massa (MCM), que sempre destacam os crimes hediondos ou equiparados, e, muitas vezes, esquecem com maior facilidade, contravenções penais e crimes que envolvem grandes montantes de dinheiro, que, em futuro próximo, causarão um dano ainda maior e também irreparável para o Estado e toda a nossa sociedade.

O Projeto de Lei 3.443/08, altera a Lei 9.613/98 (Lei de combate à lavagem de dinheiro) com o objetivo de facilitar a sua aplicação, aplicando mudanças que já haviam sido propostas pela doutrina e pela jurisprudência. Não era possível condenar o agente por lavagem de dinheiro sem antecedentes. Com a aprovação do projeto, o crime de lavagem de dinheiro passa a se tornar crime autônomo, que não mais precisa estar vinculado ao tráfico, contrabando, contravenção penal, como o jogo do bicho, etc. Os produtos arrecadados através de medidas assecuratórias poderão ser antecipadamente vendidos, para que não se deteriorem e percam o valor com o tempo.

O projeto original foi apresentado em 2003, demorou cinco anos para ser votado no Senado, chegou a Câmera em 2008 e aprovado em 2010 pelas comissões técnicas do congresso.

Segundo dados do DEPEN, nenhuma pessoa, no Brasil, foi presa e condenada por sentença penal condenatória transitado e julgado pelo crime de lavagem de dinheiro.  

          De acordo com Luiz Flávio Gomes, a sub-Comissão da Legislação Especial está sugerindo a extinção da lei de contravenções penais. Cinco infrações (abandono de animal, perturbação do sossego, omissão de comunicação, ilusão da condição de funcionário e exploração de jogo de azar), consideradas mais sérias, se transformariam em crimes. No mais, tudo ficaria revogado (caso de descriminalização). Muitas das contravenções passariam a configurar ilícitos administrativos, outras tantas passariam a ser atos lícitos.

          Baianas de capacetes, como em Ziriguidum 2001, carnaval imortal da Mocidade, idealizado pelo carnavalesco Renato Lage, em 1985, são bem vindas. A criatividade e o samba devem estar na frente do dinheiro, do luxo e dos efeitos especiais, que não podem valer e se destacar mais que o componente da Escola, a letra do samba, a melodia, a poesia e a harmonia, caso contrário, o crime organizado só terá ganhar, e, o samba, assim como nossa cultura, a amargurar  uma triste derrota.